Guarda-chuvas por MissE
Guarda-chuvas
primavera
não nos deixe
pássaros choram
lágrimas
no olho do peixe
Bashô. Tradução: Paulo Leminski
Era para ser uma aventura, apenas alguns dias subindo e descendo pela cidade insone e só, sem nenhuma espécie de conexão depois disso.
Mesmo negando até o último fio de cabelo os estereótipos lésbicos, a paixão aconteceu. Não sei se no segundo ou no terceiro dia. Espero que não tenha ocorrido no primeiro dia e o caminhão de mudanças encostando no segundo encontro. Horror. Não queria ser ridícula.
Entretanto a paixão era conflituosa, de forma espacial, as coisas lá de fora: ela; as coisas aqui de dentro: eu. Isso não tinha menor importância no início, não sei se mudou no segundo ou no terceiro dia. Os dias tinham várias risadas, coisas muito leves e intensas para fazer e... pra que racionalizar a inconsciência e irresponsabilidade dela, o sorriso dela era devastador. Ok, não era só o sorriso que era devastador.
Ela aparentemente não percebia nada. O que você vê? Acho que está tudo ótimo, ria. A TV ligada mostrava manifestação de professore, policiais espancando professores desarmados. Acho que amanhã vou comprar uma blusa nova.
Enfim um confronto, foi no segundo ou no terceiro dia? Qualquer um dos assuntos, em dezenas de manchetes da imprensa alternativa. Alertas. Denúncias. Revolta. Olha, isso não em a ver com a gente, o mundo está lá fora. Minha querida, não se esqueça que nós somos parte do mundo, nós fazermos o mundo e queremos dizer como é que gostaríamos que fosse o nosso país.
Ah quem se importa? Vamos nos divertir! A boca dizia e fazia o que a boca dizia, vinha em minha direção elaborando a festa, a dança, o rodopio na cama amassada. Filmamos os risos todos com o celular na horizontal para melhor visualização.
Eu olhava pela janela a cidade reduzida a luzes da manhã do dia, como os meus pensamentos, reduzidos a sensações confusas de justificativas racionais de: porque não ficar com ela. O mundo lá fora já orientava o caminhão de mudanças a estacionar. O vidro embaçado da janela deixava minha visão míope. Pavor.
Ela foi comprar a blusa nova, acho que foi a um shopping. Não quis ir com ela, mas ela me proibiu de olhar para outra mulher qualquer.
Resolvi sair, precisava respirar, peguei o casaco e desci vertiginosos 22 andares.
Saí. Lá dentro, chovendo, fazendo frio e sem amor. Ajeitei a gola do casaco para me proteger do vento frio, comecei a caminhar sob as marquises e toldos vibrantes das lojas. A chuva apertou e parei no meio de outros transeuntes na porta de uma store, todos sem guarda-chuva não queriam se molhar. Foi quando vi um guarda-chuva vermelho segurado por uma garota bonita, andando apressadamente na chuva. Abrindo espaço na rua oculta pela chuva.
O guarda-chuva era vermelho e ninguém mais via o preto e branco da cena. Ela chorava, mas estava chovendo.
Fim do capítulo
As palavras de Cris e Endless deram um incentivo a insistir no desafio, uma continuação, embora, totalmente não intencional.
Músicas, livros e lugares me ajudaram muito também.
Gratidão a vocês!
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