O dia estava chuvoso e Aurore estava em seu café preferido esperando que a chuva amenizasse para ir embora, não tinha o costume de caminhar com o guarda - chuva, mesmo sabendo que residia em um local que a chuva era mais presente que o próprio ar, o local estava lotado e isso não a impedia de ler seu artigo com a devida atenção, o que a tirou de foco foi uma linda moça que ao se aproximar tocou em seu ombro, toque delicado e suave, sua pele se arrepiou ao senti-lo, os olhos castanhos brilhavam com um fulgor intenso e uma voz doce e suave a perguntou se podia sentar-se ali, pois o local estava cheio, com um sorriso bobo e um olhar vidrado ela disse que sim, seu artigo não era mais importante, aquela moça era.

Ela se sentou e um cheiro maravilhoso de jasmim inundou as narinas de Aurore, a moça tinha nas mãos um copo grande de café gelado e uma generosa porção de chantilly, Aurore já havia provado todo o cardápio e uma de suas brincadeiras preferidas era tentar descobrir o que os clientes pediam de acordo com o copo que carregavam, acertava na maioria das vezes. O canudo imerso no líquido tinha a ponta vermelha, percebeu que a morena usava um batom carmim, seus cabelos cor de terra estavam meticulosamente arrumados, usava um conjunto elegante de vestes sociais e carregava um casaco, diferente dela, a linda moça de pele branca tinha um guarda-chuva, tão vermelho quando o batom que usava, de dentro de seus devaneios ela ouviu um som suave, balançou a cabeça, percebeu que estava encarando e isso a deixou corada, a beleza exuberante a sua frente sorriu, e ela se viu banhada na luz mais calma e profunda, os olhos sorriam com os lábios em uma sintonia perfeita, ouviu a voz doce de novo lhe perguntar:

- Você está bem?

- Sim - engoliu em seco - estou. Me desculpe não deveria ficar encarando.

- Tudo bem, acredito que não posso reclamar, visto que faço o mesmo contigo tem alguns dias - foi a vez dela de ficar corada, olhou para o copo e girou o canudo mexendo o que estava nele, mesmo envergonhada subiu os olhos devagar, eles se perdiam no caminho mas fez parada nos olhos verdes tão enigmáticos - sou Lucille, tenho observado você nos últimos dias.

- Hum...uma stalker, - disse com um sorriso inocente - será que devo me preocupar?

- Eu não colocaria bem dessa forma, apenas gosto de ver a concentração que você tem ao ler suas coisas, é bonito ver você ler. A paixão com a qual olha para seus papéis, é quase hipnotizante, dá vontade de ler o que você está lendo.

- São apenas artigos, notas, trabalho, nada mais.

- Você deve amar muito o que faz, se não for muito atrevimento de minha parte, o que você faz?

- Sou administradora. Nada de muito óóó, ou que eu vá salvar o mundo - sorriu envergonhada - e você o que faz?

- Sou advogada.

- Oh, você não me parece ser uma pessoa sem coração, não, você não pode ser uma advogada.

Lucille riu gostosamente e Aurore ficou preocupada com o arrepiou que subiu pelas suas costas, fazendo seu corpo tremer e arrepiar.

- Todo mundo acha que advogados são pessoas sem coração, mas não é bem assim, somos apenas, como posso dizer? Diretos. Só isso.

- Diretos? É assim que você descreve?

Aurore tomou um gole de café que escorreu pelo queixo e foi amparado pelo guardanapo que Lucille já havia levado até sua pele, o olhar sorridente das duas penetrava na tez e na mente, fazendo com que todo ambiente, mesmo que lotado simplesmente desaparecesse, eram apenas as duas, sentadas, conversando, se olhando e sorrindo.

- Sim e posso dizer que ser direta me ajuda bastante. - Lucille sorriu deliciosamente para Aurore enquanto brincava com o canudo.

- Me diga, você está mais para Drop Dead Diva ou Suits? - Aurore deu continuidade na conversa, embora os olhos estivessem fixos no canudo que brincava nos lábios carnudos a sua frente.

- Hum...- Aurore admirou as marcas que o nariz de Lucille fez enquanto pensava - levando em consideração as irregularidades de Suits, diria que sou mais Drop Dead Diva.

- Bom, muito bom, quer dizer que você faz parte dos mocinhos.

- Poderia dizer que sim - disse sorrindo orgulhosa de seus feitos.

- E que parte essa mocinha faz?

- Eu trabalho com crianças. Trabalho infantil para ser mais exata.

Aurore não poderia estar mais surpresa, nunca conhecera alguém tão incomum.

- Mas e você - perguntou Lucille interessada - administra o que exatamente?

- Diversas empresas me procuram para que eu cuide de suas finanças, é bem tranquilo na realidade, mal preciso sair de casa, às vezes trabalho aqui do café ou do parque quando quero ar fresco.

- Não vou mentir, invejo um pouco isso.

- Ossos do oficio, não é mesmo?

- Eu diria que sim.

Lucille deu de ombros, após anos já estava acostumada as paredes de seu escritório que ela fez questão de decorar da maneira mais aconchegante possível.

- Então não devo me preocupar? Aurore perguntou divertida.

- Com o que?

- Vai continuar me vendo ler a distância?

- Não. Quero dizer, depende. Gostaria que eu parasse?

- De modo algum, aliás, que tal se ao invés de você ficar escondida me olhando, você, sei lá... simplesmente não se senta comigo amanhã?

Aurore e Lucille se olharam, sorrisos era algo que não faltava naquela conversa, corações que palpitavam tão alto que amedrontava as moças que a outra pudesse ouvir. Lucille deu o último gole em seu café gelado.

- Eu vou adorar, estarei aqui às 14:00.

Não esperou que Aurore respondesse, apenas se levantou, vestiu o casaco e saiu porta afora, o guarda-chuva vermelho destoava daquele cenário cinzento, mas para Aurore o que realmente reluzia era Lucille.   

Fim do capítulo