Amava quando chovia, porque só assim ela passaria pela minha janela, ela e seu guarda-chuva vermelho. Imaginava várias possibilidades de como era a vida dela, a minha preferida e que trabalha em um banco, tinha um maltês chamado Tuntum, gostava de chá quente , mas não recusava um bom vinho branco e amava ler. E principalmente era solteira à espera da mulher da vida dela, que no caso sou eu. Quando os remédios me deixavam alta, imaginava que ela era uma espiã russa que trabalhava no governo infiltrada para derrubar a rainha.

Meu nome e Diana, como a princesa, minha mãe a amava fervorosamente e faz 1 ano que sofri um acidente que me deixou tetraplégica. Minhas funções são mínimas e preciso de cuidado 24 horas por dia. Isso foi a morte em vida para mim, que sempre fui muito ativa, adorava praticar esportes. Até meu trabalho traduzia minha paixão, já que era professora de educação física.

Tudo mudou em um segundo de desatenção, atravessei a rua sem olhar e minha vida como conhecia acabou.

Confesso que tirar minha vida me passou pela cabeça, mas mesmo que pudesse não o faria. Hoje em dia acredito que Deus tem um propósito maior para mim, pelo menos e nisso que confio. Minha chance de recuperação e menos de dez por cento. Mas ainda vou todo o dia para fisioterapia, não quero piorar. Além disso distraio minha mente com outras coisas, hoje em dia tem ótimos programas de computadores ativado por voz, tenho um fórum para pessoas que assim como eu, são incapacitadas fisicamente ,mas com gana de viver. Conheci muitas mulheres em chats e afins, mas nenhuma me fez querer conhece-la pessoalmente.

Até ela, a moça do guarda-chuva vermelho.

Quando a vi pela primeira vez, caia uma chuva torrencial, o que não é nada anormal na cidade, ela vinha pulando algumas poças e tentava ao mesmo tempo segurar o guarda-chuva sobre a cabeça, mas um forte vento o levou para longe e eu a vi por inteira. Linda como um anjo, os cabelos negros e molhados grudavam no rosto, mesmo de longe pude perceber os lábios grossos e um nariz aristocrático. Infelizmente nunca tinha visto a cor dos seus olhos.

Depois desse dia ficava espiando pelo meu mundo quadrado pela sua volta, mas ela não apareceu mais. Até que a chuva apareceu novamente e ela retornou. Foi assim que passei meses rezando para que chovesse todos os dias. Sei que pode parecer loucura, talvez seja mesmo, mas vê-la me traz uma paz que não conhecia há muito tempo. Sei que são apenas 5 minutos (cronometrei) que leva para atravessar minha rua, mas são os melhores cinco minutos do meu dia.

Fazia quase um mês que não a via e para piorar meu computador deu pau e perdi um monte de coisas que estava escrevendo para o fórum. Mamãe que já não aguentava mais mau humor, prometeu que antes de ir trabalhar passaria em uma assistência técnica e pediria para alguém vim ver meu pobre amigo convalescente.

Duas horas depois o interfone tocou, levei minha cadeira motorizada até o aparelho e com muita dificuldade consegui tirar - lo do gancho (conseguia levantar meus braços em um ângulo de 90 graus e mexer os dedos da mão esquerda), uma voz rouca falou:

- boa tarde, meu nome e Bethany, sou da assistência técnica, poderia falar com a senhorita Evans.

- Boa tarde ,sou eu, vou deixar você subir.

Prendi com os dentes um hashi e apertei o botão para abrir o portão. Estava mais entusiasmada, já que teria meu computador que é praticamente a minha vida de volta. A porta fica aberta quando estou só em casa, (não era tão arriscado já que morávamos em um prédio) porque eu não tinha condições de ficar abrindo. Essas pequenas coisas que não damos importância no dia a dia me deixa com mais saudades da minha vida de antes.

Mas espantei a tristeza assim que ouvi um toque suave na porta:

- pode entrar está aberta.

Então um cheiro doce invadiu o espaço primeiro, depois ela passou. Fiquei estática, quer dizer mais! Seus olhos eram cinzas e combinavam perfeitamente com seu rosto de anjo. Ela me encarou e esperei o olhar de pena, mas apenas sorriu e que sorriso encantador. Se aproxima de mim e diz:

- oi, você deve ser a Senhorita Evans.

Apenas balancei a cabeça em confirmação um pouco abobada, é mais bonita de perto, ela sorri mais aberto, creio eu com a minha falta de capacidade para articular palavras e pergunta:

- é esse o computador com problemas?

E aponta para onde estava meu computador, dessa vez consegui esganiçar:

- isso mesmo.

- ok, vamos salvar o pobrezinho.

Fiquei a tarde toda observando ela desmontar o CPU e falar sobre muitas coisas, finalmente descobrir quem ela era. Trabalhava como TI em uma loja especializada no final da rua, tinha um gato chamado Bob e detestava vinho. Era solteira e logo foi contando que sua última namorada a havia traído. Morava só e gostava de ler (acertei uma pelo menos). Quando ofereci chá , ela mesma se dispôs a prepara-lo e depois nos sentamos em frente à janela e ficamos a tomar chá em silêncio. O meu eu ch*pava por um canudinho.  Ela se levanta depois de um tempo e olha a rua :

- sempre vejo você, quando passo aqui - ela se vira para mim e continua - as vezes rezo para que chova, assim posso ter uma desculpa para passar na sua rua e te observar mesmo que seja de longe.

Com o coração disparado respondo:

- não precisa mais de desculpa, se quiser pode passar a vida inteira.

Seu sorriso foi tão grande que senti meu corpo amolecer, mesmo que isso não seja mais possível. Mas o amor transforma o impossível em mil possibilidades!

Fim do capítulo