Giro a maçaneta e entro no quarto com o coração acelerado, o ambiente está silencioso. Na verdade, os meus pés parecem provocar terremotos a cada passo que dou, tudo ecoa aqui. Tenho a impressão que até o piscar dos meus olhos provocam barulhos intensos nesse vazio. O vazio que você deixou.

     O quarto está do mesmo jeito desde a sua última visita. Ainda sinto seu cheiro pelo ambiente. Faz uma semana que você se foi. A cama permanece com os lençóis bagunçados, principalmente teu lado da cama, não me dei ao trabalho de arrumar, preciso de provas que você esteve aqui. Nosso encontro foi real, ainda que meio turvo pela minha memória que parece ter registrado tudo embaçado devido às lágrimas. É terrivelmente irônico: seu cheiro, a cama bagunçada, a alvorada enquadrada pela janela do quarto. Tudo parece o retrato perfeito para um filme romântico, onde as mocinhas acordam depois de uma perfeita noite de amor. Entretanto, é só o cenário que restou de toda a nossa história que eu venho mantendo como um santuário, enquanto durmo na sala.

     As quintas agora terão outro gosto para mim, nada daquela sensação de alegria pelo final de semana estar chegando e de poder dormir até mais tarde com você. As quintas agora me lembrarão da nossa conversa, da forma como me olhou com lágrimas nos olhos e me disse que não dava mais. Quatro anos de relacionamento e, depois de uma noite onde nos tocamos de forma intensa, quase selvagem, você me acorda chorando e falando que ‘'não dava mais''. Fico sem reação, sem processar direito. O tempo parece parar. Percebo que você começa a recolher algumas coisas suas pelo quarto e parece esperar alguma reação minha. Eu não consigo, simplesmente não consigo pensar em mais nada. É como aquela sensação de cérebro congelado quando tomamos algo muito gelado. Nada é processado além do frio.

     Estou nua quando te vejo saindo do meu quarto, da minha casa. Tão nua quanto fiquei pra você esses últimos anos. Sem criar defesa alguma. O que nos resta depois que todos os planos são levados embora, sugados por um furacão? E, pra piorar, só consigo lembrar daquela música da Ana Muller que discutimos tempos atrás, sobre o quanto era terrivelmente bela a forma como ela conseguia expressar a dor do fim. Aqui só ecoa o trecho ‘'Escuta, ainda dói. Teu cheiro é o que destrói meu cais. Desculpa, mas não passou. Me diz o que ficou''.

     Três semanas se passaram e algumas músicas continuam reverberando dentro da minha cabeça, ainda sinto seu cheiro pela casa e minha pele ainda sente seus dedos subindo e descendo pelo meu corpo - e dentro de mim. Três semanas se passaram e percebo que, mesmo com todas essas sensações e dúvidas, eu permaneço respirando com ou sem você. Hoje eu consegui dormir na minha cama e recolher alguns porta-retratos que são lindos, mas que não precisam estar mais tão presentes pela casa. Eu não te amaldiçôo aos quatro ventos e reconheço o quanto nossa história foi bonita, ela não deve ser taxada como algo que deu errado. A gente deu certo, ne? Mas você seguiu outro caminho e tudo bem, ninguém é obrigado a permanecer sempre. Amar também é deixar voar. Acho que já dei alguns passos essa semana.

     Está sendo estranho quando as pessoas mandam lembranças para você e preciso falar que nos separamos. Ninguém esperava e já começam com os olhares tristes. Eu procuro mudar de assunto e falar sobre coisas banais. Não é porque não estou gritando pela rua que estou bem, não é mesmo? É tudo tão recente, preciso me orgulhar dos pequenos passos que dou.

     Depois de um tempo algumas coisas parecem cicatrizar e eu não sinto mais tanta dor. Óbvio que ainda sinto sua falta e não entendo o seu adeus tão abrupto, mas passei a me questionar mais. Eu olho pela minha janela e vejo o sol surgindo, cada raio solar que me toca a pele traz a energia que preciso para um novo dia. A cada pôr do sol, percebo o quão belo é o mundo e como as estrelas parecem brilhar cada vez mais. São essas pequenas coisas que antes passavam despercebidas e hoje me acolhem tanto. O mundo é realmente belo, é impossível ficar imune a isso.

     Não sei bem ao certo quanto tempo passou, mas passou. A nossa história sempre será algo a ser lembrado com carinho, eu aprendi muito, cresci muito. Hoje percebo que muita coisa acontece depois que os planos à duas deixam de existir. Eu me tenho. Tenho meus planos e anseios, metas e desejos. Tenho a mim, minha bagunça, minha vida, minha família, minhas amigas e minhas viagens. Ah, tenho as minhas paixões também, é claro! Eu me conheço melhor do que ninguém e estou me levando para passear. Hoje esse quarto faz parte do meu santuário, ele estará fechado por um tempo, estou fazendo aquela viagem dos meus sonhos. O melhor, melhor mesmo, é que percebi que sou o meu próprio lar e você não imagina o quanto eu mantenho esse lar organizado!

Fim do capítulo