Capítulo 4
Culpa de amar
Adriana voltou para casa e buscou sua cama, desejava ser abraçava por Morfeu o deus do sono, mas ele não aceitou seu convite e ela rolou na cama sem sono por muitas horas. Sentia imensa tristeza, como se a culpa fosse a sua espiã. Colocou seu travesseiro de maneira mais alta e iniciou uma leitura há qual, segundos depois, desistiu. Não tinha prazer no lia.
A noite já ia alta quando ela adormeceu. Saindo do corpo ela percebeu ali um senhor. Era um velhinho, de olhar sereno, fala mansa que se dirigiu a ela.
— Como vosmecê tá fia? – Era Pai João.
A voz do negro velho levou Adriana de volta a um tempo muito remoto, fazendo a compreender que ele era conhecido de longas datas e ela foi ao seu encontro. Tomou sua mão e a beijou dizendo:
— Oh meu pai João! Salve a vossa força. Quanta honra o senhor aqui na minha casa. A sua benção.
— Deus que vos abençoe fia. O velho sentiu saudade. – Disse isso e sorriu. Um sorriso que iluminou tudo ao redor.
O olhar daquele senhor encheu o coração de Adriana de alegria. Ele tomou sua mão e falou:
— O velho veio fia, para vos convidar para um passeio, se vosmecê quiser.
— Com o senhor meu pai, é claro que eu vou.
Pai João tomou Adriana num abraço e volitou com ela. A chegada ao local fez Adriana sentir forte emoção, era a CASA DO PASSADO.
Pai João adentrou um espaço e logo veio uma moça, era uma pomba gira e ele pediu a ela que trouxesse o suco da alegria. Percebeu que a tristeza rondava Adriana e logo a moça trouxe a bebida. Era uma mistura deliciosa, amarela e espessa, que ao ser tomado, ia trazendo alegria para o ser, fosse ele encarnado ou desencarnado, fortalecendo as fibras mais sensíveis do organismo físico e emocional. Pai João entregou um copo a ela, que falou:
— O que é isso meu pai?
— É um suco fia, o suco da alegria. Essa fruta vem de Aruanda, tem sido muito usada aqui em tratamento dos irmãos que vivem aqui ou que aqui vem para ser auxiliado. É uma fruta que ao ser ingerido ela não só trabalha a alegria da pessoa, no momento em que é ingerida, mas, também trabalha a vontade da pessoa em se conhecer melhor para que aprenda a lidar com sentimentos que impede ela de ser alegre por mais tempo.
— Acho que estou mesmo precisando pai João, desse suco. Ando ultimamente sentindo muita tristeza, a vida parece ter desmoronado sobre mim.
A noite estava estrelada e Adriana sentou-se ao lado de Pai João, ali no jardim, onde havia vários outros bancos. Muitas pessoas conversavam, ela olhou para um casal, eram duas mulheres. Uma segurava a mão da outra e elas pareciam falar de coisas íntimas. Pai João sorriu e disse:
— As duas se preparam para reencarnar. Viverão juntas.
— Serão lésbicas? Coitadas. – Disse Adriana com imenso pesar na voz.
— Não diga isso fia, suncê é lésbica e vos vejo como uma coitada.
— Por isso mesmo, meu pai, eu falo, coitadas. Eu não gosto dessa condição. O senhor sabe o quanto a pessoa sofre com tudo isso. Somos julgadas, o tempo todo. Nem mesmo a família nos aceita. Somos seres doentes ou depravados como muitos dizem. Eu gostaria muito de entender o motivo disso.
— Oia fia, os motivos são muitos, uns nos cabe saber, outros somente Deus sabe. Muitas pessoas estão vivenciando essa experiência para aprenderem a ser mais comedidos nos seus sentimentos. Suncê entende?
— Eu acho que não meu pai. Ser diferente num mundo onde foi traçado pelo homem, montado um padrão correto aos olhos dele, não é algo fácil.
— Oia fia na Terra, enquanto a raça humana for liderada pelo orgulho, pela a vaidade, pela mentira, as coisas não vão se fáceis. O homem montou um padrão do que é correto aos olhos dele e não aos olhos de Deus.
— Às vezes pai João eu acho que Deus não se envolve muito nas quizilas humanas, deixando para lá, os menos favorecidos.
— Que bobagem suncê tá a me dizer fia. Suncê sabe muito bem que Deus toma de conta de tudo e de todos. Adriana fia, num cabe essa tristeza no vosso olhar.
— Não tenho muito motivo para alegria pai João. Estou de volta à carne e me apaixono por uma mulher que é casada e sinto meu pai, que ela foi o grande amor que esperei durante toda essa minha vida. Eu sinto às vezes que a amo, desde sempre e isso tem me adoecido demais. Sinto-me culpada por amar, alguém que já tem dono.
— Ninguém é dono de ninguém fia, a moça Lana vai entender isso, quando aprender a força que existe nela. O veio vai vos dizer uma coisa, suncê se atente, a menina Lana ainda não entendeu que o salvador é o Cristo e não um humano. Ser grato é nosso dever, mas não podemos usar esse sentimento de gratidão, para fugir de nossa capacidade de ir à luta.
Adriana não disse nada, embora tenha entendido o que o velho falava.
Pai João olhava para Adriana, sabia a dor que a filha carregava. Tomando sua mão, seguiu com ela para uma sala ampla, de paredes pintadas de branco, delas saia uma luz que parecia dar vida aquele lugar. Pai João sentou-se e Adriana fez o mesmo.
Como que de forma mágica uma tela foi acesa.
Eram tempos de guerra, ano de mil novecentos e quarenta e quatro e o primeiro grupo de militares brasileiros chegava à Itália e nele estava Ariel Alvene. Era um jovem paulista, que marchava no desejo de servir o seu país.
Adriana se reconheceu naquele homem, dirigindo para pai João um olhar de súplica e ele segurou sua mão e sorriu, como se falasse a ela, que era sim, ela, ali vestida na pele de homem, na bravura daquele soldado. Nada falou e as cenas continuaram.
Ariel trazia na sua mente a imagem da despedida de sua esposa. Era a última noite em seus braços e ele a beijava com imenso carinho, dizendo para ela que voltaria vivo, que voltaria para seus braços condecorado com as medalhas de um grande guerreiro.
Melissa descansava nos seus braços depois de ter sido amada por aquele homem que era a razão da sua vida. Dos seus olhos as lágrimas desciam e ela sentia um medo intenso da partida do esposo tão amado.
— Não tema minha amada, eu prometo que voltarei vivo para teus braços. – Disse isso a beijou com sofreguidão.
— Promete para mim Ariel?
— Sim. Tem a minha palavra. Deixarei contigo Caleb que vos fará companhia até a minha volta. Ele chegará dentro de uma semana com a esposa e então não te sentirá tão sozinha.
Melissa aconchegou-se nos braços do marido e dormiu. O dia amanheceu e Ariel partiu. Não havia nada que ela pudesse fazer. Era guerra e ele havia sido convocado e não poderia dizer não.
Os dias que seguiram foram de imensa tristeza para o coração de Melissa. Caleb chegou junto com a esposa, uma semana após a partida de Ariel. Ema, uma jovem amarga, sempre tristonha e mal humorada. Parecia nutrir imenso desprezo pelo marido, Caleb que ao ver Melissa pela primeira vez, foi acometido por uma paixão avassaladora.
Ariel lutava com bravura, o ato de matar em nome de sua pátria não o fazia sentir pesar, acreditava que o céu o perdoaria por isso, mesmo evitando o abatimento de irmãos de outros países, ele quando o fazia, sentia-se vitorioso.
Caleb se desvelada em cuidados para com a cunhada e Melissa achava que fosse por amor ao irmão que havia partido para a guerra, então aceitava os desvelos de seu cunhado, sem fazer julgamento.
Ema passava seus dias, trancada no quarto, evitando todo e qualquer contato com Melissa ou com o marido. Caleb estava desesperado, cada dia ao lado de Melissa despertava nele uma paixão que parecia consumir seus dias, não tinha mais sossego. A imagem de seu irmão voltando da guerra e tirando dele a possibilidade de conquistar o amor da cunhada o fazia entrar em pânico. Precisava agir o mais rápido possível.
Caleb levantou-se o dia ainda estava anunciando seu amanhecer. Ele preparou o veneno que havia adquirido na cidade e o colocou no café que a criada levaria para sua esposa, que então depois do desjejum ainda continuava a dormir, acordando somente quase na hora do almoço. Ema morreria e ele ficaria livre.
Todas as manhãs Caleb fazia companhia para Melissa, buscando fazer cavalgadas, caminhar pelo jardim ou pelo pomar da fazenda, no desejo insano do seu amor, da atenção daquela que havia roubado o pouco sossego da alma, que o faria vendê-la ao diabo, se ele trouxesse Melissa para seus braços.
Caleb era irmão de Ariel, eram filhos do mesmo pai, esse havia falecido há dois anos, tendo a mãe de Caleb se casado novamente, sendo seu segundo esposo um rico fazendeiro da capital do Rio de Janeiro.
A hora do almoço chegou e Caleb denotou preocupação pela demora da esposa, Melissa também se inquietou com aquilo e subiram as escadas que levavam até o quarto da mulher para ver o que havia acontecido.
A imagem da esposa morta na cama tinha levado o jovem esposo, ao ápice do sofrimento aos olhos de Melissa, que nada percebia da trama montada pelo jovem cunhado. Caleb fez o enterro da esposa com os olhos marejados, Melissa sentia-se imensamente compadecida pela sua dor, imaginando que ela também poderia receber notícias de morte de seu amado, - pensando assim, seus olhos marejaram.
Caleb com a ajuda do padrasto um homem inescrupuloso forjaram a notícia da morte de Ariel, seis meses depois da sua partida para a guerra. De posse dos documentos emitidos pelo falso exército brasileiro, comunicando a morte de seu amado esposo, Melissa se deixou abater pela dor e Caleb utilizou isso como um grande meio para maior aproximação.
Seis meses após a morte do marido, Melissa envolvida pelo medo da solidão, achando que o cunhado fosse seu melhor arrimo, casou-se com ele, mesmo sabendo que o amor não era morador em seu coração. Caleb vendeu a fazenda de Ariel, seguindo com Melissa para uma cidade afastada do Rio de Janeiro. Ele seguiu acreditando que Ariel se sentiria traído e que nunca mais fosse à busca de sua esposa, se ele voltasse um dia, desejando-lhe a morte real na guerra.
Adriana não respirava seguindo cada detalhe daquela história que tanta tristeza lhe trazia. Ali desperta do corpo, livre pelo desdobramento, parecia relembrar o que viria depois. As lágrimas desciam de seus olhos e pai João levantou a mão, quando a pomba gira vinha novamente,com uma bandeja com o suco da alegria, ele sabia que Adriana precisava de mais um copo para aguentar até o final da narração.
— Salve sua força Maria Navalha. – Ela sorriu para o preto velho balançando a cabeça e saiu, não queria atrapalhar a conversa do amado trabalhador do Cordeiro.
A tela foi ligada de novo e Adriana suspirou profundamente e as cenas seguiram.
À volta para o lar era o sonho de Ariel, que havia vencido a morte, driblado a doença, a tristeza e a solidão apenas pelo amor que enchia seu ser com a imagem de Melissa.
A lembrança da chegada a casa, fazia seu coração acelerar, o desejo de tomar a esposa nos braços e a cobrir de beijos, fazia os olhos de Ariel encher-se de lágrimas.
A dor da notícia do casamento de Melissa com seu irmão, a casa vazia da presença de sua amada, a confirmação de que sua casa era daquele senhor, que havia sido enganado, assim como ele, fizeram Ariel sentir um ódio profundo pelo irmão.
O homem entendendo a tragédia que havia acometido Ariel permitiu que ele ficasse ali por alguns dias, para que se refizesse do tamanho golpe de dor que o destino lhe desferia.
Eduardo amigo e antigo funcionário de Ariel contou para ele toda a história. Conforme ele ia falando o coração de Ariel era tomado pelo mais profundo sentimento de mágoa e decepção. Eduardo deixou claro para ele que a partida tristonha de Melissa era notada em seu rosto, que ela havia dito a ele que não poderia seguir sozinha, sem arrimo e que Caleb demonstrava se um bom moço. Disse a ele também que era Caleb quem tinha posse dos papéis que falava de sua falsa morte.
Ariel seguiu no dia seguinte a busca do monstro que se dizia seu irmão e que havia aproveitado de sua confiança para roubar a atenção daquela que era seu único motivo de vida.
Desejou no fundo de seu coração, dar fim a sua existência terrena, mas não podia ser assassino de seu irmão. O pecado da morte já lhe era muito pesado, mas, todos os que ele matou, era inimigo de sua pátria, isso era diferente.
Eduardo seguiu com ele, era seu grande amigo e lhe ajudaria a encontrar um jeito de trazer Melissa de volta.
Não foi muito fácil descobrir o paradeiro de Caleb, mas com a ajuda de Eduardo o padrasto dele havia lhe fornecido o endereço.
O dia já ia amanhecendo quando Caleb partiu para a cidade, precisava resolver assuntos pendentes com seu padrasto.
Ariel seguiu para a fazenda e Melissa o vendo, quase não acreditou. Ele a tomou em seus braços e a beijou, dos olhos da jovem senhora, as lágrimas desciam e ela o cravava de perguntas.
— Como foi tudo isso meu amado? Como te deram por morto, quando está aqui nos meus braços, ou estou a sonhar? Estarei ficando fraca do juízo mental? Perdoa-me, por favor, não sabia da farsa. – Ela chorava e sorria, abraçando o homem amado de seu coração.
— Não minha amada. Ouça bem, venha comigo, contarei tudo no caminho. Caleb é um homem perigoso, forjou toda essa história para rouba-la de mim. Sigamos de volta para nossa fazenda, que não é mais nossa, mas isso não importa. Seremos felizes onde for.
A ida de Melissa se fez com o esposo amado.
O ódio invadiu a alma de Caleb, que buscou oxigenar o cérebro para poder pensar melhor no que fazer para ter de volta a mulher amada e por fim definitivamente na vida do irmão.
Dois anos depois, Ariel acreditava que tudo estava bem e esquecidos do mal que habitava em Caleb, Ariel foi assassinado numa embosca, indo da fazenda para a cidade. Caleb sorrateiramente durante a noite, com ajuda de um comparsa, levou Melissa de volta para a fazenda no interior e a manteve prisioneira de sua paixão exacerbada e adoecida.
Depois desse episódio, a tela foi desligada. Pai João permitiu que ela se acalmasse um pouco e então a tela foi acessa novamente e Adriana se viu no corpo de Lorenzo, o tio de Samuel, casado com Valentina, que era Melissa. Todos os detalhes do seu amor, quando pousou os olhos na jovem esposa do sobrinho, que nutria por ele, Lorenzo, inveja e desprezo, fazendo-se bajulador para que ele, o tio, pudesse transferir a metade da herança, que havia sido endereçada a ele pelo irmão mais velho, pai de Samuel.
Estava estarrecida com tudo aquilo e pai João desligou a tela. Tomou a mão da filha e seguiu com ela para o jardim.
Os pássaros faziam uma sinfonia ali na CASA DO PASSADO, Adriana ouvia e pensava, na pequenez do homem, nada poderia se comparar aquela orquestra e ela apesar de toda a angústia, agradeceu a Deus tudo aquilo.
Dos seus olhos as lágrimas desciam, Pai João ficou ali ao seu lado sem nada dizer, deixando que a filha liberasse através do choro, todo aquele sentimento de dor.
Pai João pegou seu cachimbo colocando nele alecrim, casca de laranja, arruda e manjericão e baforou ao redor de Adriana que foi respirando o cheiro bom que saia das ervas, seu coração tomou batimentos mais serenos e ela perguntou para o preto velho que tanto amava.
— E quando isso acabar meu pai?
— Em breve fia. – Disse o negro velho com voz suave.
— Nessa existência suncê pediu para retornar no corpo de mulher para então poder serenar o homem bélico que existiu em vosmecê quando marchou para a guerra.
— Mas eu percebo meu pai, que isso não vai adiantar muito, porque ao encontrar Lana, esse amor também foi reencontrado e eu não sei o que fazer com tamanho sentimento. Por que ela teve que casar com Pedro, que é na verdade o miserável do Caleb? Perdão meu pai.
— Fia o amor nunca vai deixar de existir, porque ele é verdadeiro, mas não existe apenas uma maneira de se amar, suncê entende? E no contato do amor no corpo de mulher a fia irá aprender isso. A raça humana se engana na forma de amar, achando que somente o toque carnal é o amor que satisfaz a alma e isso fia, é um equívoco. E quanto à menina Lana, essa terá que entender a força que existe nela, terá que entender que nenhum ser humano pode ser tido como o salvador de nossa vida, que cada um tem que vivenciar as suas experiências e que a fuga, fia, não resolve nada, só adia.
— Eu não quero mais essa luta insana, meu pai. Sinto ódio imenso por Caleb, não consigo entender como ele sempre tem vencido.
— Vosmecê se engana fia, Caleb nunca venceu, porque somente vence aquele que sabe amar. O fato de ter ficado com a jovem Melissa e depois com Valentina, não faz do fio, um vencedor, suncê entende?
— Não sei meu pai. Talvez o senhor tenha razão.
— Suncê encontrará a resposta para que tudo isso se acabe, quando se permitir perdoar. Perdoe fia, perdoe. Esse é o convite.
Adriana absorvia as palavras de pai João com emoção intensa, sabia que ele tinha razão. Sabia que nos momentos de guerra e da força masculina ela havia se deixado levar pelo orgulho ferido, pela vaidade e isso foi seu mau conselheiro. Agora precisava aceitar a vida e aprender com ela o que na verdade era o amor.
— Então... O que preciso fazer meu pai é me afastar de Lana? Entender que seu caminho é diferente do meu. Não viemos nessa existência para viver esse amor que nos acalenta o coração em tantas vidas que ficaram no passado, é isso?
Pai João sorriu e daquele sorriso parecia sair luz, seu olhar manso cobriu todo o ser daquela mulher que ali ao seu lado, em quase nada mais lembrava a belicosidade do homem da guerra. Tomando sua mão ele a acaricia dizendo:
— Fia, eu vou vos falar uma coisa. Muitas pessoas acham que os velhos sabem o futuro, que sabe tudo da vida dos filhos que eles protegem. Mas esse dom é só de Deus. Mesmo não sabendo do futuro, o veio vai dizer para vosmecê, o futuro fia, esse pode ser mudado, quando nós vamos mudando as nossas atitudes, quando vamos mudando os nossos sentimentos. Não tome tudo como determinismo, que suncê tem que se afastar da moça Lana, mas que suncê e ela precisam aprender a amar com mais serenidade, entendendo que na verdade o amor é muito maior e vai muito além do toque carnal e do sex*. Suncê fia foi convidada para conhecer a si mesma nessa vida, buscando coisas que são verdadeiras, como o amor de Deus e a convivência com ele. Nessa nova etapa de vossa vida, seu pedido foi conhecer o amor que cura as feridas, que cobre a humanidade de seus erros e pecados como nos disse o nobre Pedro.
— Eu sei meu pai que fiz um compromisso de adentrar o solo umbandista, mas confesso que tenho ainda muito medo.
Pai João sorriu, sabia o que causava temor no coração de Adriana e disse:
— Esse medo fia, só será desvanecido quando suncê colocar a mão e os olhos sobre ele, que foi criação do vosso coração. Oia fia, nem tudo pode ser entendido por nós, porque nossa capacidade de entendimento dos desígnios de Deus é muito pequena e nós passamos a maior parte de nossa vida, fazendo julgamento.
— A verdade é que fazemos mesmo isso, estamos o tempo todo julgando, mais aos outros do que a nós. – Disse Adriana com a voz carregada de tristeza.
— O que devemos fazer fia, é aprender a não julgar. Muitas pessoas na Terra estão a julgar o amor entre os iguais, como uma coisa do demônio ou como doença ou falta de caráter e esquecemos que esses que estão adentrando o solo terreno vestindo a homossexualidade também são filhos de Deus e que o demônio somente faz morada em nós, quando nos damos o direito de julgar, de condenar aquilo que não conhecemos. Os seres humanos se esquecem de que são mortais e que o hoje é diferente do ontem e que o amanhã pertence a Deus, que nenhum de nós sabe o que nos reserva.
— Pai João eu sei que o senhor é sábio e que nós não sabemos de nada, mas me intriga muito a questão da homossexualidade.
— Sábio fia, somente é Deus e Jesus nosso mestre. Nós seres humanos somos aprendizes somente, todos nós.
Adriana sorriu e se perguntou intimamente como um ser como ele, podia dizer que não era sábio, mas talvez ele estivesse certo, os sábios nunca se diziam ser. Pensando isso ela disse:
— Por que viver isso, quando a raça humana condena tanto? Por que viver no corpo de uma mulher e amar outra mulher, quando Deus havia criado o macho e fêmea para se unirem? Será castigo?
— Deus não castiga seus filhos. Como eu disse, fia nosso entendimento das coisas de Deus é muito pequeno, mas eu não vejo a homossexualidade como castigo e os motivos para um ser humano vivenciar essa experiência, não são os mesmos para todos. Cada um tem seu motivo e o Pai é quem sabe. Suncê adentrou o corpo feminino para serenar o homem bélico que fez morada por muitos anos na vossa alma. Outros adentram porque em outros tempos profanaram o feminino ou o masculino, porque violentaram irmãos, porque o preconceito os levou a matar seres que se vestiram roupagem diferente, como a pele negra, como a deficiência física. Muitos outros porque viveram amores exacerbados, se deixando levar pelo sex* descontrolado e adoecido e viver um amor na roupagem homossexual era o convite para o equilíbrio, para o aprendizado do equilíbrio. Fia, as razões são muitas, mas nenhuma delas, é o castigo, Deus não ensina seus filhos castigando, mas convidando para entender o amor, o amor que fez Jesus descer ao rincão terreno e nos exortar sobre ele.
— Tudo isso é tão lindo meu pai, mas ainda estamos longe desse entendimento. Na terra muitas são as mães que desprezam seus filhos por essa condição, os homens estão violentando as mulheres, para mostrar a elas que o que falta na vida delas, é o macho, o sex* feito por eles. Homens estão matando outros porque são gays e se sentem ofendidos em sua masculinidade por ver um irmão diferente. Não sei o que pensar da homossexualidade.
— Fia, o homem sempre matou, sempre profanou, vilipendiou e não foi somente em nome da homossexualidade, foi em nome da vaidade, do orgulho, do julgamento, da hipocrisia, da mentira, do poder e de tantas coisas, que estão em nós. O homem brinca de ser Deus, de achar que são portadores do poder do Pai e saem julgando e condenando, mas se esquecem de que Jesus exortou a todos que buscavam apedrejar a mulher adúltera, dizendo que aquele entre eles, que estivessem sem pecado, que ele sim, atirasse a primeira pedra. O número de irmãos conhecedores da palavra tem aumentado cada dia mais, mas essa palavra da qual eles se dizem estudantes, está somente na teoria. Falam da bíblia, levam a palavra de porta em porta, mas não a praticam, porque quando batem as portas, estão cheios da vaidade da salvação, estão portando o azorrague da condenação.
Adriana limpou as lágrimas que caíam. E pai João acariciou mais uma vez a sua mão e continuou:
— Falar do amor de Deus é fácil, bater as portas e pregar a palavra isso é fácil, mas essas palavras estão ocas, vazias de sentimentos, da prática do amor e da caridade de Cristo que nos chamou a não julgar. O homem tem se esquecido de fazer a interpretação da palavra de Deus para si mesmo, imbuído da vaidade de curar o outro, de julgar e condenar o irmão que professe credo diferente, que vive diferente. Então fia, o veio diz, que isso de nada adianta, aquele que bate no peito de se diz salvo, pobre coitado, ainda não conhece a salvação, porque ainda não se salvou da sua pequenez humana, da sua vaidade que o faz se julgar um eleito do Cordeiro. E aquele fia, que se olha, que julga a sua vaidade, o seu orgulho, que se permite conhecer os seus defeitos, que sabe que é pecador, que vê a trave no seu olho, ao invés de ver o argueiro no do outro, esse está mais perto da salvação. O que nos salva fia, não é a palavra do Cordeiro que levamos vazia de exemplos, lotada de arrogância ao irmão, o que nos salva é a caridade praticada em nome dessa palavra e nessa caridade está, o não julgueis. Oh filhos amados, não julguemos o nosso irmão porque é gay, porque ama outro homem, o pecado não está no amor. Muitos homens são casados, defendem a família com unhas e dentes, mas nas escapadas noturnas se entregam as orgias, a traição dos valores que ele prega perante os outros. Quantos homens casam com mulheres, mas violentando a sua natureza do amor e vive durante o dia o perfeito marido e a noite é o homem que busca o amor nos braços do seu igual no sex*. Não julguemos, para não sermos julgados.
Pai João parou um pouco, trazendo Adriana para seu abraço, ela respirou e se aninhou ali, encontrando paz imensa. Ele continuou e ela voltou a olhar em seus olhos.
— O pecado fia, está em nós que é a nossa falsidade dos conceitos deturpados e enganosos que nós fomos construindo ao longo da nossa existência humana, o pecado é a nossa vaidade de nos acharmos melhores que o gay, do que o negro, do que a lésbica, do que o pobre. O pecado é o nosso orgulho de olharmos de cima para baixo para o irmão que é diferente. O pecado fia, é a promiscuidade, é o sex* desavisado, é a mentira, a hipocrisia e tudo o que fere.
— Eu entendo meu pai e o senhor está certo. Fico muito grata pela conversa, me sinto mais em paz.
— Oia fia, suncê acalme vosso coração e tenha certeza que tudo está sob os cuidados de Deus. Viva fia, sem julgamento do amor, ame da maneira mais serena que suncê conseguir e creia fia, que somente o amor salva. Agora o velho vai vos levar de volta para vosso corpo e oia, fia, busca o trabalho na caridade é ele que nos salva das armadilhas do caminho, ele que nos livra de vestir pele de ovelha, quando ainda somos lobos vorazes.
Pai João tomou Adriana num abraço e a levou de volta para o corpo, deixando nela algumas lembranças.
Fim do capítulo
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