Capítulo 2
Recordações
O dia nascia e o sol já imperava no universo, avisando que seria um dia de intenso calor, pois era apenas sete horas da manhã e ele já assolava a capital do país.
Lana acordou, sentindo-se muito cansada, o corpo estava dolorido e ela remexeu ele na cama sentindo-se aliviada com a ausência do marido que estava viajando. Levantou e abriu as cortinas de seda, deixando a pouca aragem entrar e voltou novamente para a cama e ali deitada sobre finos lençóis de seda ela suspirou, puxou um travesseiro para perto de si, abraçando o com força, imaginando ser o corpo de Adriana. “Que coisa mais absurda”, - ela pensou, sentindo-se imensamente constrangida com o pensamento. “Mas como negar essa saudade que sinto dela, como entender, meu Deus, tudo isso que arde em meu peito, como se eu a amasse, como explicar que o meu corpo sente vontade da proximidade do dela, como compreender o incompreendido? Oh meu Pai do céu, o que estará acontecendo comigo?”
Os pensamentos angustiantes de Lana iam se fazendo imenso emaranhado em sua cabeça e ela sentia as lágrimas se avolumarem em seus olhos e sem conseguir controlar, deixou que elas caíssem como catadupas e chorou uma dor que não sabia precisar de onde ela vinha.
Sentindo-se sonolenta ela adormeceu. Sem entender o que lhe acontecia ela se viu fora do corpo que no entorpecimento do sono estava deitado na cama. “Que coisa estranha, como pode isso acontecer?” Pensou Lana quando olhou para o canto do quarto e viu uma mulher, sentiu receio. A mulher sorriu suavemente para ela, exalando uma energia de luz contida no sorriso. Seus olhos eram negros e grandes, seus lábios eram carnudos e com tom harmoniosamente avermelhado, seus cabelos longos e lisos, com voz melodiosa, ela disse:
— Não tema Lana. Sou sua pomba gira, sou Maria Navalha e vim para lhe ajudar.
— Minha nossa senhora do desespero! Uma pomba gira? Mas isso é coisa do demônio.
Maria Navalha soltou uma gargalhada e disse:
— Lana minha querida olhe para mim e me diga: Pareço com o demônio, você já o viu?
Lana ficou imensamente desconcertada, não sabia o que dizer, quando Maria Navalha disse:
— Não minha querida, não se preocupe, eu não sou o demônio, sou uma pomba gira que aceitei a missão de proteger você. Gostaria que viesse comigo.
— Desculpe-me senhora, é que acho que nunca vi uma pomba gira, mas não se parece mesmo com um demônio, na verdade é muito bonita. – Ela disse isso e sorriu, pedindo mais uma vez, sincera desculpa.
— Eu entendo minha querida. Agora venha comigo.
Lana não disse nada, sentiu uma imensa sensação de bem estar ao lado daquela mulher, percebendo que ela era do bem. Maria Navalha tomou a mão de Lana e volitaram em direção a CASA DO PASSADO.
O sol brilhava intensamente naquele local, aquecendo o ser de Lana que sentia imenso bem estar, caminhando vagarosamente ao lado de Maria Navalha, observando a beleza do jardim que circundava toda a frente da casa.
As cores se misturavam e delas pareciam sair luzes, que Lana, perceptivelmente a sentia adentrando seu coração, trazendo-lhe imenso bem estar. Seguiu ao lado de Maria Navalha pelo amplo corredor de cor azulado, até chegar numa sala. A guardiã a convidou para sentar.
Nesse mesmo instante apareceu uma jovem de olhos azuis e pele morena, com sorriso suave e estendeu uma bandeja para Maria Navalha que disse:
— Gratidão minha amada.
Disse isso e entregou o copo para Lana dizendo:
— Beba minha querida, essa fruta nos ajuda a aceitar a alegria.
Lana sorriu e tomou o primeiro gole, sentindo algo diferente, depois tomou mais um gole e sorriu, perguntando para a pomba gira que também tomava o seu silenciosamente.
— O que é isso, de que é feito esse suco?
Maria Navalha sorriu, dizendo:
— Esse é um suco, minha querida, feito da fruta da alegria, que é cultivada em Aruanda e trazida para cá pelo amor que nos devota o Cordeiro. Ela desperta em nós a vontade de ser alegre, de ser feliz e nos ajuda a combater a tristeza. Essa fruta é combinada com substâncias que lembram a serotonina, endorfina, acetilcolina e dopamina, que nos auxilia no tratamento das dores da tristeza, aqui na CASA DO PASSADO e em outras colônias também. – Maria Navalha tomou mais um gole do suco e Lana também fez o mesmo, depois a pomba gira continuou com a voz maviosa.
— Os pretos velhos desenvolveram essa mistura, na amada Aruanda, colocando nela a energia do amor e da vontade de lutar para que esse sentimento permaneça no coração do ser humano, que está tão atabalhoado pela desesperança e o desamor.
Lana ficou boquiaberta, “fruta da alegria? Combinação de substâncias conhecidas na Terra com a vontade de viver mais alegre?” Pensava com um sorriso nos lábios, fazendo com Maria Navalha também sorrisse entendendo o que a jovem sentia.
— Como se sente Lana? – Perguntou Maria Navalha, tocando levemente a mão da mulher que experimentava um sentimento delicioso de alegria.
— Estou bem, com uma sensação de alegria no coração há muito não sentida.
Maria Navalha sorriu e disse:
— Hoje, minha querida, você teve a benção de adentrar a CASA DO PASSADO, para que possa conhecer alguns fatos antigos. Mesmo que ao acordar não se lembre com muita precisão do que viu, ainda assim ficará com sensações que lhe ajudarão na hora aprazada.
Falando assim Maria Navalha pegou um pequeno controle e ao acioná-lo, uma tela branca se acendeu e as cenas começaram a se desenrolar, prendendo a atenção da jovem Lana que sentiu seu coração acelerar.
— Respira, sinta o aroma das rosas, isso acalma.
E assim ela fez, sentindo que seus batimentos cardíacos estabilizaram.
Era meio dia e uma mulher descia as escadas do andar superior da casa. Seu andar era elegante, altivo, seus olhos negros contrastavam com a alvura de sua pele. Trajava um vestido azul claro e longo, com mangas compridas e esvoaçantes. Na barra pedrinhas que cintilavam. Seus cabelos negros soltos desciam até as costas, dando a ela um ar de deusa decaída do panteão. Valentina chegou até a cozinha e o cheiro invadiu suas narinas. Estava quase tudo pronto. Saiu quando ouviu o barulho do carro chegando. A euforia de seu marido a fez sorrir e ir ao seu encontro.
— Minha amada, é com imensa alegria que eu te apresento meu tio, a quem prezo muito. – Falou Samuel tentando dar convicção à sua voz, depois que beijou a esposa com carinho.
Valentina suspirou profundamente tentando ocultar o que sentiu diante da imagem daquele homem. Lorenzo era alto, moreno de olhos verdes, cabelos negros e revoltos, tinha o sorriso encantador, que não fugiu aos olhos da mulher. Lorenzo tomou a mão que ela estendeu a ele, beijando com suavidade e disse:
— Muito prazer minha cara. Para mim é motivo de muita alegria estar aqui.
— O prazer é nosso senhor Lorenzo.
Ele sorriu e disse:
— Por favor, Valentina eu sou tio do Samuel, mas somente porque sou irmão do pai dele, mas não porque tenho idade. Não me chame de senhor.
— Desculpe Lorenzo.
Samuel sorriu da cara de constrangimento que sua esposa tinha ficado e disse, dando-lhe um beijo.
— Não se constranja querida, Lorenzo odeia a palavra senhor, dirigida a ele.
— Venha Lorenzo, venha, vamos guardar suas malas. O almoço está quase pronto, venha vou lhe mostrar o quarto de visitas.
O homem acompanhou o sobrinho, pensando, em como havia relutado em fazer aquela viagem. Há muitos anos não via o sobrinho, mas o irmão havia feito-lhe um pedido em seu leito de morte, para que ele se aproximasse um pouco de seu Samuel. E ele atendia agora ao pedido, após anos de relutância.
Lorenzo subiu as escadas, arrumou suas roupas no guarda-roupa e foi tomar banho. A água estava morna e emergiu seu corpo na banheira que exalava o aroma dos sais.
Ao descer as escadas, o cheiro que exalava de seu corpo atingiu as narinas de Valentina que lutou para não se perturbar, quando sua voz soou, agradecendo a hospitalidade.
A mesa estava posta, nela tinha costelas de carneiro assado com batatas, arroz branco, salada de folhas com frutas e outras iguarias que impregnava a casa com o aroma.
Lorenzo puxou a cadeira para ela e sentou-se ao lado, Samuel estava na ponta da mesa, onde abriu um vinho, enchendo as taças e brindaram.
O almoço decorreu tranquilo, com Samuel demonstrando imensa alegria com a chegada do tio, uma alegria que estava longe de sentir.
Lorenzo havia herdado metade da herança do irmão mais velho, que era o pai de Samuel, que não se conformava com a atitude do pai e buscava com aquele estreitamento de laço, convencer o tio a lhe devolver o que achava ser somente por direito.
O dia acabou trazendo a noite que era embelezada pela a lua que reinava no céu ao lado de incontáveis estrelas. A mansão onde Valentina vivia estava coberta pelas luzes que acendiam e apagavam, anunciando que a noite natalina se aproximava. Depois do lauto jantar, Valentina sorvia delicadamente um licor de morango.
Lorenzo estava cansado e despediu-se dizendo ao sobrinho:
— Samuel eu peço desculpas, vou recolher-me aos aposentos, estou cansado. Obrigado pelo jantar, estava maravilhoso.
Abraçou o sobrinho que sorriu e se dirigiu a Valentina, tomando sua mão e beijando carinhosamente, dizendo.
— Obrigado minha cara. Tenha uma boa noite.
O toque suave dos lábios do homem, fez seu corpo estremecer e ela sorriu, tentando controlar aquele impacto.
Terminado o licor, Valentina e Samuel também foram dormir.
Os dias passaram. Havia uma semana que Lorenzo estava na mansão de Samuel, desejoso de retornar a sua casa, onde se refugiria do que o seu coração denunciava estar sentindo por Valentina.
Era noite natalina. A cidade estava repleta de luzes, o pisca-pisca enfeitava as árvores que se faziam majestosas ao longo da avenida em que ficava a bela mansão.
Valentina trazia os cabelos negros presos pelo coque no alto da cabeça, deixando alguns fios soltos, dando-lhe elegância e graciosidade. O vestido amarelo ouro realçava ainda mais a cor de sua pele morena, “como está linda”, - pensou Lorenzo, sentindo a inquietação de seu coração.
Todos cearam e a noite se encerrou com brindes e trocas de presentes.
A festa natalina se encerrara e os preparativos eram para a chegada do ano novo. Samuel chamou a esposa e disse com imenso carinho.
— Ouça-me, meu amor, preciso viajar urgentemente. Eu preciso resolver algumas pendências que não podem seguir no ano que se iniciará. Não a levarei comigo, mas prometo estar aqui para o ano novo, deixarei você aos cuidados do meu tio.
Valentina não disse nada, sentiu seu coração acelerado, como se denunciasse a iminência do perigo.
— Você ficará bem? Irei e retorno assim que tudo estiver resolvido, você entende meu amor?
— Sim. Eu entendo meu querido. Ficarei bem, seu tio é um bom homem e sei que cuidará de todos nós.
Samuel seguiu viagem no dia seguinte, assim que o sol desapontou no universo. Lorenzo recebeu o abraço do sobrinho, prometendo que cuidaria de tudo até sua volta, apesar de todo o desejo que sentia em retornar ao seu lar, onde estaria protegido de todo aquele sentimento que desalentava seu coração.
Valentina revirava sobre os lençóis macios de sua cama, o sono parecia ter sumido e ela sentiu imensa tristeza, percebendo que seu coração denunciava amor por Lorenzo, sentia que cada vez que ele beijava sua mão, seu corpo estremecia, no desejo que ele a tomasse em seus braços e beijasse seus lábios. Olhou no relógio e viu que eram vinte e três horas, o sono não desejava sua companhia e ela sentindo-se sufocar, desceu para tomar água ou alguma coisa que lhe fizesse esquecer o calor de seus pensamentos.
Ao lado do quarto de Valentina, estava Lorenzo, pensamentos tumultuados, sentia forte angústia e o sono não chegava por mais que ele tentasse dormir. Os passos de Valentina fizeram seus ouvidos ainda mais alertas e ele esperou que ele descesse as escadas, rezou pedindo a Deus que lhe desse, força, mas não resistiu e desceu.
Valentina trajava uma camisola preta longa com uma capa por cima, tinha os cabelos soltos, os olhos divagavam quando ele entrou na cozinha, onde ela tomava um leite quente. Ela olhou para ele, ali parado, que se desculpou pelos trajes. Seus olhos encontraram com os de Valentina, que ficou imóvel, sua fala estava paralisada, Lorenzo, seguiu para a geladeira, pegou o leite e um o copo e o serviu, sentando-se ao lado dela, dizendo:
— Posso?
— Sim.
Ele sentou-se perto, o cheiro de sua fragrância fez Valentina suspirar, Lorenzo aspirou o cheiro que vinha do corpo dela, sem dizer nada, não sabia o que dizer, só queria ficar ali ao lado da mulher que tinha arrebatado seu coração, mas que era proibida.
— Perdi o sono. – Disse Valentina, sem saber bem o que falar, desejando não estar sentindo tudo aquilo que avassalava seu ser.
— Eu confesso que eu também.
Valentina se levantou ao mesmo tempo em que Lorenzo, como se buscassem a fuga daquele instante crucial. Olhos fixos, os lábios entreabertos, a fala interrompida, o suspiro escapou e ela disse:
— Eu vou subir. Preciso dormir... – Disse a mulher sem muita conexão.
— Valentina ouça-me, a minha presença incomoda a você? – Perguntou Lorenzo tocando suavemente a mão da mulher que sentiu seu corpo estremecer intensamente.
— Não, por favor, pelo contrário, vossa presença me agrada... mais do que devia. – Falou Valentina com a voz embargada pela emoção.
Nos olhos de Valentina o amor se expressava, o cheiro do seu corpo entorpecia os sentidos de Lorenzo, que se aproximou um pouco mais. O cheiro do corpo dele fez Valentina se esquecer de qualquer outra coisa e se permitiu ficar ainda mais perto, ele tomou a em seus braços e a beijou, fazendo a delirar naquele instante tão esperado.
No quarto de Lorenzo a luz da lua adentrava pela janela aberta, aumentando ainda mais a beleza do sorriso estampado no rosto de Valentina, que repousava nos braços de Lorenzo, depois do amor feito.
Uma semana depois e Samuel estava de volta, como havia prometido a esposa, que sofria a desdita de seu coração apaixonado pelo tio de seu esposo.
Era chegada do ano novo e os amigos se encontravam na mansão de Samuel, que feliz comemorava mais um ano de prosperidade ao lado da jovem e bela Valentina.
O Ibirapuera virou um mar de fogos, onde no céu eles explodiam e desciam como cascatas de luzes multicoloridas.
Tudo denotava alegria, menos o coração de Lorenzo que machucado pela traição ao sobrinho, buscava o perdão para seu ato insólito e desejava o fim da festa para então partir da mansão para sempre.
Samuel trajava um terno branco, deslizando entre os convidados, cumprimentando e agradecendo a todos pela presença.
— Lorenzo, eu preciso da sua ajuda, por favor, não se vá agora. – pedia Samuel ao tio que havia anunciado sua partida dentro de dois dias.
Lorenzo sentiu a morte em si. Como continuar ali? Precisava ir embora, a paixão que sentia por Valentina consumia os seus dias e precisava partir com urgência.
— Ouça-me Samuel eu preciso ir embora, tenho muitas coisas para resolver e não posso mais me demorar.
— Lorenzo, eu peço, por favor, só até que eu volte, não posso levar Valentina comigo e não desejo que ela fique aqui sozinha. Volto logo, então você partirá, - pedia Samuel com voz súplice.
Lorenzo sabia que precisava fugir de tudo aquilo, que precisava voltar para sua realidade e que continuar ali sobre o mesmo teto que Valentina, não conseguiria se libertar do amor que invadia seu ser e o fazia esquecer-se de toda a dor que causaria em Samuel se ele descobrisse.
Mas ficou e Samuel viajou novamente. A noite ia alta e Lorenzo rolava na cama, sentindo falta do corpo de Valentina, do cheiro que dele exalava e que o embriagava.
Lorenzo tinha vinte e seis anos e nunca havia amado, apesar de ser assediado pelas mulheres, não se entregava muito ao envolvimento com elas, no desejo de . No dia em que chegou a casa de seu sobrinho e que seus olhos encontraram-se, com os de Valentina, seu coração o alertou, era ela, era ela a mulher da sua vida, o amor que seu coração ansiava. Mas não podia, não podia continuar com aquilo, pensando assim o desespero ia aumentando dentro dele e de seus olhos as lágrimas desciam, nesse instante ouve o suave batido na porta, era ela. Ele abriu.
Valentina o beijou e eles se amaram, esquecendo de todo o perigo e dor que estavam cavando na vida de Samuel e nas vidas deles próprios.
— Valentina ouça-me bem. Eu vou esperar Samuel voltar e vou embora e nunca mais nos veremos.
— Não faça isso conosco Lorenzo. Não posso mais viver sem seu amor, não posso mais viver sem seus beijos, por favor, não faça isso.
— Valentina eu amo você com a mesma intensidade, mas não posso continuar traindo Samuel, não sou esse ser tão vil assim, mesmo não tendo convivido com ele, sou seu tio e não posso fazer mais isso. Sinto muito não ter conseguido controlar essa paixão que irrompeu dentro de mim, você me faz perder o medo de tudo, mas não posso perder o caráter de homem. Perdoa-me.
— Não posso aceitar isso, nos amamos Lorenzo. Eu sei que para você eu me casei por amor e talvez não saiba da história, sempre esteve longe.
— Valentina minha amada, eu entendo o seu casamento, sei que Samuel não agiu da maneira mais correta, mas não tenho o direito de julgar, ele é seu marido, fizeste com ele um juramento de amor e fidelidade.
— Ouça Lorenzo, quanto ao juramento de amor, por favor, não sejamos hipócritas, sabe tão bem quanto eu que a igreja não te pergunta se está ali por amor, sabe tão bem quanto eu que a igreja casa mesmo sabendo que a mulher não ama aquele que está ali em frente ao altar. Sabe tão bem quanto eu, que não podemos dizer que não aceitamos. Lorenzo eu ficaria a noite enumerando as coisas que a igreja faz, ficaria aqui à noite falando do poder do homem e da pequenez da mulher diante da vida. Então, por favor, não estou justificando a minha traição, mas eu amo você e não quero ficar sem seu amor.
Lorenzo abraçou Valentina limpando as lágrimas que corriam de seus olhos, beijou seu rosto, seus lábios e o amor se fez novamente entre aqueles seres que se culpavam.
Os dias passaram e Samuel voltou. Valentina sentiu medo, se antes era difícil a entrega a seu marido, agora tudo parecia muito pior, o toque de Samuel no seu corpo fazia seu ser revirar de dor e angústia.
O dia amanheceu e estava frio, a garoa cobriu o céu paulista e Lorenzo se despediu, voltando para sua terra e dentro de si, jurou nunca mais voltar à casa de seu sobrinho. Levava no coração o amor e a dor da partida.
Valentina sentiu seu mundo ruir, como viveria de ali em diante? Lorenzo havia ido embora, tinha voltado para seu mundo, com o tempo a esqueceria, com o tempo arrumaria alguém e esses pensamentos a enlouquecia. Samuel requestava seu amor, o que para ela era um imenso sofrimento.
Um ano havia se passado desde que Lorenzo tinha partido e Valentina não conseguia encontrar alegria em mais nada, sentia imensa saudades, muitas vezes havia pensado em desistir da vida, mas temia as leis de Deus e passou a viver por viver.
O dia estava frio e Samuel precisou se ausentar mais uma vez em viagem para a fazenda que ficava no estado do Mato Grosso, ela estava sozinha e isso era o melhor. O cheiro do café chegava as suas narinas e ela desceu as escadas indo comer alguma coisa, mesmo sem muita vontade.
Sandra estava na cozinha e a mesa já estava pondo a mesa, o que fez Valentina dizer:
— Sandra não precisa arrumar a mesa, quero tomar café aqui mesmo na cozinha.
— Como à senhora desejar. – Disse Sandra uma senhora de cinquenta anos que trabalhava na mansão há muitos anos.
Valentina tomou café com leite, comeu uma fatia de bolo e parou, ficou ali olhando pela janela, absorta, vazia, Sandra sentou-se ao lado dela, que a olhou dizendo:
— Parece que tudo perdeu o sentido. – E chorou, seu corpo era sacudido pelos soluços e Sandra disse:
— Chore minha querida, isso ajuda lavar a dor.
— Sandra faz um ano que ele se foi, nunca mandou nem ao menos uma carta, eu pensei que me amasse.
Sandra não disse nada, entendia o drama que sua patroa vivia e sabia no fundo que Lorenzo a amava, mas entendia também o drama que ele deveria está vivendo naquele momento.
Os dias passavam e fazia um mês que Samuel estava para a fazenda, sempre que podia mandava carta, mas para Valentina não havia muita importância em ter notícias dele.
Ali no quarto ela recordava de como tinha se casado, seu pai tinha determinado o casamento e ela não podia dizer não. No começo havia sentido ódio pelo seu marido, mas com o tempo foi se acostumando com seu destino a infelicidade, até o dia em que Lorenzo tinha chegado a sua casa. Pensando nisso tudo ela chorava. Havia o amado no primeiro momento, sabia que era ele e que seria para sempre o seu amor.
Mais quinze dias haviam se passado e Samuel retornou e junto com ele trazia Lorenzo, Valentina descia as escadas quando a porta da sala se abriu, Samuel entrou com Lorenzo e ela ficou parada na escada.
Samuel foi até a esposa, que sorriu abraçando o marido e dizendo:
— Não sabia que viria hoje.
— Eu queria fazer uma surpresa minha amada e olha quem eu trouxe para passar uns dias conosco. – Disse apontando para Lorenzo, que tomou a mão de Valentina na sua e beijou dizendo:
— Prazer em rever você minha cara.
Ela respirou profundamente e disse:
— Seja bem vindo Lorenzo.
Lana sentia emoção inenarrável vendo aquelas cenas, ali na pessoa de Lorenzo ela reconhecia Adriana. Olhou para a senhora Maria Navalha, que parou as cenas e esperou que ela falasse:
— Tudo isso parece mentira, desculpe-me, por favor, senhora pomba gira, mas é possível? Adriana é Lorenzo? Como pode isso?
— Sim minha querida, Adriana é Lorenzo de cem anos atrás. Vamos continuar vendo, depois teremos tempo para conversar.
— Sim senhora, eu só queria perguntar isso, podemos continuar.
O dia amanheceu e Lorenzo já estava acordado quando Valentina desceu para o café, Samuel já havia saído para o trabalho e ela não tinha ao menos se feita percebida disso. A noite havia sido horrível, está nos braços de seu marido, sabendo que ao lado estava o homem que ela amava, foi para ela grande martírio.
Lorenzo ouviu seus passos na escada e levantou-se do sofá, dando-lhe a mão para que ela terminasse de descer os degraus que faltavam. A proximidade do corpo da mulher que ele amava o fez a tomar em seus braços e ela se deixou abraçar, sentia saudades imensas e Lorenzo disse:
— Perdoa-me.
— Pelo que? Pelo abraço?
— Não minha amada, perdoa-me por ter retornado, não consegui manter a minha promessa.
Valentina tomou a mão de Lorenzo e o conduziu para o escritório, trancando a porta, ele a tomou em seus braços e a beijou apaixonadamente, desesperadamente.
— Lorenzo meu amor, quanto sofrimento me causou tua partida, quase perdi a sanidade em pensar que teria outra em seu coração.
— Nunca amarei outra mulher, será para sempre somente você.
As cenas se passavam. Lorenzo e Valentina fugiram deixando uma carta para Samuel, que enlouquecido, foi em busca dos dois, que haviam mudado para evitar serem encontrados, supondo que Samuel pudesse agir assim.
Cinco anos depois que Lorenzo e Valentina haviam fugido, Samuel os encontrou, assassinou Lorenzo e levou Valentina de volta para a mansão, mantendo a prisioneira até o dia em que ela se enforcou com um lençol no quarto. Era noite de natal.
Lana chorou, sentiu naquele instante seu ser dilacerado, a morte de Lorenzo na casa em que eles moravam, na casa em que eram felizes e ela sendo levada de volta para mansão na semana do natal, a fez entender ali naquele momento, porque para ela o natal era uma data tão triste.
Ela ficou ali sentada, as lágrimas desciam de seus olhos, uma dor imensa tinha se apossado de seu ser e ela disse:
— Por favor, senhora Maria Navalha, porque tudo isso?
— Tenha calma minha querida, respire profundamente, sinta o perfume das flores que elas vão fazer uma limpeza nos seus sentimentos, acalmando você. – Dizendo isso a pomba gira pegou algumas rosas no jardim, entregando para Lana, que respirou o perfume delas. Maria Navalha passou outras, em torno de seu corpo, o que proporcionou a jovem senhora grande alívio.
— Sente-se melhor?
— Sim. Mas muito confusa com tudo isso. Sou uma mulher, Adriana era um homem eu o amei. Nunca amei outro homem, senti isso nas cenas da nossa vida. E hoje sinto esse sentimento por Adriana, toda vez que a vejo é como se eu a conhecesse e então na verdade eu a conheço? Eu a amo? Sinto algo que não é somente amizade por ela e agora diante de todo esse filme...
Lana deixava as lágrimas caírem, amava Adriana e se condenava por esse amor, quando na verdade ela fora Lorenzo.
— Calma, vamos por partes. Lorenzo é hoje Adriana, que por motivos que somente, espíritos maiores conhecem, veio como mulher. Você foi Valentina.
— E Samuel é o Pedro de hoje? Meu Deus, o que significa tudo isso? Porque estou com ele? Ele assassinou Lorenzo.
— Lana minha querida não estamos aqui para fazer julgamentos, entendamos bem o que o Cristo nos disse, aquele que estiver sem pecados, que atire a primeira pedra.
— Perdoe-me senhora. É verdade, eu não estou sem pecados, sei que magoamos Samuel.
— Algumas coisas minha querida você vai entender, outras não. O que aconteceu no passado deixou marcas profundas, então se reuniram de novo para sanar as dores que ficaram.
— Senhora Maria Navalha então o que sinto por Adriana é reminiscências do passado?
— Sim.
— E como tudo isso vai terminar? Vou errar novamente?
— O tempo irá encontrar maneiras, minha querida de ajudar. Mas, o que desejo que entenda é que o perdão é o que liberta o nosso ser das algemas. Busque Deus, busque o amor que cobre a multidão de erros e pecados. Aceite a companhia do Cordeiro que fará de você um ser mais distante da escuridão do diabo.
Maria Navalha soltou uma gargalhada para espantar um espírito que longe espreitava Lana.
Lana acordou com o barulho do celular, era Pedro. Ela atendeu:
— Oi Pedro.
— Oi minha querida, desculpa-me, estava dormindo?
— Sim. Mas tudo bem, como foi de viagem?
— Tudo bem querida. Falamos-nos a noite, beijos.
— Beijo.
Ela desligou, ficou deitada tentando lembrar alguma coisa que pudesse ter sonhado, mas não se lembrou de nada e então se levantou, foi tomar banho e depois de se vestir desceu para o almoço que já cheirava por toda a casa.
— Bom dia Lana. – Disse Josélia, a senhora que trabalhava com ela.
— Acho que é boa tarde Josélia. – Disse isso e sorriu. — Feliz ano de dois mil e onze, para você.
— Para você também Lana. Quer almoçar agora?
— Sim, mas não precisa por a mesa como de costume, Pedro não está aqui, então vamos comer aqui mesmo, nós duas.
Josélia era uma senhora que contava cinquenta e cinco anos, trabalhava com Lana desde que ela tinha se casado e era sua grande companheira.
O almoço foi servido e elas comeram em silêncio. Depois que terminou de almoçar Lana pegou o celular, sentia imensa saudade de Adriana, não havia mais falado com ela, temia ligar, mas o desejo que sentia de ouvir a voz daquela mulher era maior do que o medo e ligou:
— Oi. – Disse Adriana do outro lado da linha.
— Oi. Feliz ano novo para você. Adriana eu preciso te ver.
O silêncio se fez e Lana continuou falando:
— Por favor, vamos nos encontrar, posso ir à sua casa?
Adriana sentiu uma onda gelada perpassar por todo seu corpo, meu Deus, o que fazer? Lana era uma mulher casada, mas o que sentia por ela, estava tirando o sossego de seus dias e de suas noites e Adriana disse:
— Está bem.
— Estarei ai dentro de uma hora. – Disse isso e desligou o celular.
Fim do capítulo
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