A Carta de Ida
Oi, Ela.
Pensei muito ao começar esta carta.
Mas as palavras gritavam para irem para o papel.
Aqui está o mais profundo sentimento que consigo relatar.
Leia com amor...
...
Ainda lembro bem aquela sensação que percorreu cada milímetro do meu corpo quando ouvi aquela frase.
Senti meu sangue bater nos meus pés e voltar.
Senti meus pelos todos se arrepiarem.
Senti o coração em batidas tão rápidas que achei que fosse sair pela boca.
Senti um misto de felicidade e desespero.
“Eu vejo você com outros olhos”.
Ainda lembro bem... Mas, por muito tempo, eu havia esquecido.
Por muito tempo, isso foi apagado da minha memória.
Tive medo.
Fiquei desesperada.
Ao mesmo tempo em que era tudo o que eu queria ouvir, era tudo o que eu não queria enfrentar.
Ali, naquele momento, meu coração bateu completamente descompassado, mas eu ainda tive tempo de pensar em todas as consequências.
Eu não tive coragem de dizer o que sentia.
Não tive coragem de dizer:
EU TAMBÉM!
Só disse:
“Talvez, você tenha confundido as coisas”...
Você desligou o telefone.
Eu baixei a cabeça e chorei.
Poucas vezes na minha vida eu tive tanta certeza de uma coisa como tive naquele momento.
E poucas vezes na vida me acovardei tanto.
Imaturidade.
Inexperiência.
E medo.
Tudo junto e misturado.
Saiu essa frase tosca e covarde.
Eu tinha 20 anos. Estava começando a vida profissional. Ainda morava com minha mãe e tinha zero de independência financeira.
Você era adolescente. Talvez, 16 ou 17 anos.
Achei que você, talvez, não fosse aguentar a barra que viria.
Eu também acho que não aguentaria.
Era outra época, outra vida, outras pressões...
Duas meninas se apaixonarem e ficarem juntas parecia uma coisa completamente anormal.
Parecia mesmo. Para os outros. Para nós, naquele momento, nunca...
Mas eu sempre tive esse lado racional muito forte. E pensei em todas as consequências.
Só que, quando as palavras saíram da minha boca, aquilo tudo pareceu frio e duro demais.
Eu sei.
Você sumiu da minha vida.
Os telefonemas cessaram.
As conversas na internet também.
Você mudou de e-mail.
Foi para a Alemanha.
E nos perdemos uma da outra.
Você foi embora da minha vida.
Eu fiquei arrasada, mas achava que tinha feito o certo.
Você, sempre uma menina muito linda e feminina... Achei que um dia iria encontrar um cara legal, se casar, ter filhos.
Que aquilo tudo foi só uma fantasia da nossa cabeça.
Uma confusão pela proximidade, pelas conversas diárias, pelas confidências, pelas risadas...
Na minha cabeça, jamais imaginaria que seria diferente disso.
Até encontrar você pela internet, novamente, uns 15 anos depois.
Quer dizer, você me encontrou.
Até aquele momento, você era uma doce lembrança dos meus 20 anos.
Eu não sei qual caminho sua vida tomou até aquele momento em que nos reencontramos. Não sei mesmo.
Não faço ideia das dificuldades que enfrentou na vida, muito menos dos amores que viveu, dos empregos que teve, das viagens que fez, de como você se tornou a mulher que se tornou.
Sei que você não fez aquilo que eu achava que iria fazer.
E eu não sei quais curvas seu caminho teve, por quantos sofrimentos passou, por quantas alegrias teve... Só sei que eu não estava lá.
Que forte escrever essa última frase.
Eu não estava lá.
Em nenhum momento segurei sua mão e dei a segurança que você precisava.
Em nenhum momento dos meus dias mais desesperadores ou felizes tive você por perto.
Quanto tempo perdido!
O que teria acontecido se eu dissesse “Eu também” naquela época?
O que teria acontecido?
Eu não sei.
Mas queria muito saber.
Como faríamos para concretizar esse amor entre pessoas tão distantes fisicamente uma da outra?
Você no interior de Minas.
Eu em um lugar meio perdido da Amazônia.
Quando você me disse aquilo, você tinha alguma estratégia em mente?
Tinha?
Para mim, parecia algo impossível.
E aí, o que sobrou para hoje?
Não sei.
Até hoje, eu não sei qual é o toque da sua pele.
Até hoje, nunca cruzamos olhares.
Até hoje, eu não sei como é a sua voz ao vivo.
Até hoje, eu só posso imaginar tudo isso.
Eu só sei que aquilo foi muito mágico e não tinha como não ser real.
Até hoje, 20 anos depois, eu fico me questionando os motivos de não ter respondido o que sentia e o que você merecia.
E, taí, se alguém me perguntar o que existiu de fato, eu só posso dizer: magia.
Não digo nem paixão. Nem amor.
Acho que ambos existiram mesmo.
Mas aquilo tudo foi muito surreal e mágico.
Gostaria de um dia sentar perto de você e conversar sobre isso tudo. Sem neuras, sem medos, sem jogos...
Apenas como duas mulheres adultas são capazes de conversar.
Queria abrir meu coração para você e falar o quanto gostaria de retificar aquela frase.
O tempo é mesmo implacável. Não volta. Não cede. Não amolece.
Um segundo após o outro e já se passaram 20 anos.
Aquele sentimento puro que você disse que sentia por mim não tem mais como ser resgatado.
Mas ainda tenho esperanças de que ainda haja uma fagulha perdida em você.
Queria te dizer que ainda sou aquela menina de 20 anos atrás.
Que não esqueci nada do que vivemos.
Que meu coração sorri quando me lembro disso tudo.
Quando olho adiante, vejo você sorrindo para mim.
Vinte anos se passaram e o que sinto ainda permanece vivo aqui em mim.
Às vezes, sinto cócegas no sangue quando me lembro de você.
E, às vezes, sinto que o Universo me ouve e me manda recados.
Conversamos em sonhos. Sorrimos uma para a outra.
Somos cúmplices de um amor que já existe em alguma outra esfera.
Falta concretizar aqui.
Que o Universo leve até você meus pensamentos e desejos.
E que promova este encontro.
Universo, eu te peço.
Com amor,
Eu.
Fim do capítulo
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vanessinha
Em: 09/06/2019
Poxa.... vivi algo parecido.... faz 10 anos q nao nos falamos.
Perdi contato.
Se eu pudesse voltar aos meus 18 anos... aiaiai tenho certeza que pegaria o primeiro voo rumo ao nordeste.
Mas hoje vivo aqui, interior de mg. Angustiada, com saudade, pensando nela.
Não perco a esperança dessse voo acontecer .
Forte abraço
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