LUZ por Marcya Peres
Capítulo 1
EU
Nasci numa manhã bela de Dezembro, segunda quinzena começando, ar quente, com o sol já alto às 7:30 h. Foi em casa mesmo, como eram os partos nos lugares distantes de tudo...quase morri! Mas penso que tinha uns deveres a cumprir, então decidi sobreviver. Chamaram-me Ana, simples como nossa vida. Pena que, pelo parto complicado, uma lesão se fez, deixando uma seqüela na minha córnea.
Passei a infância como toda criança simples que vive no interior...pé no chão...mergulhos no Rio...brincadeiras e brigas com meus irmãos (éramos 4: 2 homens, 2 mulheres)...vida fácil e difícil quando tínhamos que comer angu salgado no almoço e doce no jantar, por causa do mês que teimava em continuar depois que o salário de Papai já tinha ido embora. As coisas ficaram melhores com o tempo.
Meus Pais, gente humilde, mas de almas essencialmente nobres, daquelas pessoas em cujo olhar se pode observar a limpidez que somente a dignidade traz ao Homem. Deram-me muito Amor e a sapiência de apreciar a generosidade com que nos brindam diariamente as coisas simples, que realmente importam.
Até a puberdade, meu problema de visão não incomodou muito, enxergava um pouco embaçado e precisei usar óculos de correção após os 10 anos, nada que prejudicasse minha graciosidade faceira de morena mestiça (desculpem a falta de modéstia!). Cabelos lisos e longos, pele morena, estatura mediana e peso dentro da tabela. Mas acho que o melhor são os olhos, grandes e negros, bem como o sorriso, que fica entre o inocente e sapeca, pelo menos assim os meninos começaram a dizer quando cheguei aos 15, 16 anos!
Foi nessa época que um incidente fez com que a lesão da córnea se agravasse. Uma brincadeira entre colegas...uma bolada no rosto...e tudo ficou escuro inesperadamente! Doeu muito! A bolada? Não! Doeu mais o pavor de não ver mais as coisas do dia-a-dia que eu tanto amava! O sol nascer e se pôr...o Rio descendo pela pedra e formando uma cachoeira cristalina...o rosto da minha Mãe quando meu Pai elogiava seu coque bem feito...os olhos de Papai brilharem e quase uma lágrima cair ao ouvir “Viola Enluarada”...o semblante de meus amigos a rirem um dos outros pelas bobagens que só os adolescentes entendem e acham graça...Ah! Tanta coisa eu deixaria de apreciar com o Sentido que sempre me foi mais caro! E assim foi por alguns anos.
Com a perda da visão, tive que me adaptar aos detalhes de uma rotina nova e dolorosa por si mesma. Contei com a benção de ter uma família maravilhosa que me ajudou a ser independente e exigir dos outros, respeito e não piedade. Todos nós tivemos que mudar para a cidade grande, a fim de tornar meus estudos viáveis. Formei-me em Direito com muito sacrifício; mas não de minha parte, e sim de minha família que renunciou seu bem-estar interiorano, para dar-me a oportunidade de ser alguém normal, com uma profissão e que por acaso não possui 5 sentidos como a maioria.
Na faculdade reencontrei um colega do 1º grau, Alberto, que sempre foi “caidinho” por mim, e que era também muito olhado (eu ainda enxergava e muito bem!). Ele fez questão de me ajudar durante todo o curso e nos formamos juntos. Nem é preciso dizer que nos apaixonamos e um ano após terminada a Universidade, nos casamos. Voltamos a morar em nossa cidade Natal, uma pequena cidade grande, com 250.000 habitantes. Ele arrumou um excelente emprego numa multinacional como Advogado para assuntos tributários; e eu decidi abrir um escritório com uma amiga de faculdade, Márcia, que cansada da cidade Grande, resolveu tentar a sorte no interior. E que sorte ela deu! Casou-se um ano depois de instalada, com um próspero comerciante local, um boa-praça chamado Carlos.
A vida transcorria bem! Engravidei, trouxe ao mundo um lindo garotinho chamado Flávio, que deu um sentido todo especial a minha existência. Minha falta de visão nunca foi problema para cuidar de meu filho e ele cresceu sem sentir que eu não o via com os olhos do rosto, pois eu o enxergava com os olhos da alma. Tinha um relacionamento estável e tranqüilo com meu marido. Confesso que após o nascimento do Flavinho, nossa vida sexual ficou um pouco monótona, não sei se é comum entre os casais, mas esse fato não comprometeu nossa relação e terminamos por dar mais valor ao companheirismo e parceria na vida, que aos desejos efêmeros. Bem, pelo menos era assim que imaginávamos, ou pelo menos, que eu pensava ser.
Por conta do meu problema de visão, sempre tive um oftalmologista que acompanhou toda a trajetória de minha doença e sofreu muito comigo e com os meus, quando deixei de enxergar. O Dr. Olavo, homem bom, excelente profissional, que ficou amigo de todos nós e nunca deixou de ter e dar esperanças de que minha cegueira seria temporária, pois na fé “cega” em sua Profissão, ele nunca deixou de acreditar que a reversão da cegueira seria possível. Essa esperança eu guardava bem escondidinha num canto em mim, pois o medo da decepção de algo pouco provável nunca se realizar, tornava-me aparentemente mais cética e resignada...mas era só no exterior. Na minha escuridão solitária, eu rezava todas as noites, para que a Luz voltasse aos meus olhos, para que eu pudesse voltar a olhar tudo aquilo que havia guardado na memória...a natureza, os rostos, as cores, os olhos alheios, as emoções que eles nos revelam...sentia muita falta disso!
Dr. Olavo me dizia, que um transplante de córnea, com os medicamentos corretos e algumas técnicas que recuperação, poderiam me devolver a visão. Porém os tais medicamentos ainda estavam sendo pesquisados e não era permitida a sua utilização, por isso o transplante para o meu caso ainda era algo ineficaz. Como eu ainda era jovem, poderia esperar um pouco mais para que essas pesquisas tivessem um final feliz, para alegria de todos que tinham o mesmo problema que eu.
Havia uma peculiaridade no meu trabalho, por causa da falta de visão. Eu sempre tinha que ter um Estagiário em Direito, me acompanhando nas atividades do Escritório, especialmente no Fórum, nos Cartórios e nas Audiências. Eles tinham que ler ou escanear (para que mais tarde o computador lesse para mim) os processos, dependendo de cada situação. Isso me obrigava a ter sempre alguém de confiança e eficiente, para manter o nome e a credibilidade do meu Escritório, construído ao longo do tempo.
Eu tinha me tornado uma excelente profissional, na área Civil, de Família e trabalhista, e possuía o dom que minha falta de visão só fez aperfeiçoar, a Oratória. Defendia meus clientes e meu ponto de vista com fibra e um “plus” que a falta de um sentido faz por incrementar os outros. O uso de óculos escuros, ajudava a cobrir qualquer travo de insegurança que por ínfima possibilidade pudesse vir um dia a me acometer.
Meus Estagiários costumavam se tornar bons profissionais, pois realmente aprendiam o que é exercer o Direito de maneira honesta, digna e eficaz. Meu Escritório acabou por ser cobiçado entre os Estudantes de Direito que buscavam realmente aprender a profissão. Dois desses Estagiários, Denise e Fábio, mais tarde tornaram-se sócios do Escritório, que a cada nova ação ganha, continuava a sua trajetória de expansão.
Fim do capítulo
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Cale
Em: 19/02/2019
Eu já havia passado por essa história várias vezes aqui no site e sempre ia para outra. Na semana passada, resolvi iniciar a leitura e não parei mais. Ontem a finalizei. Amei a história. Parabéns à autora pela inclusão, ou seja, criou uma personagem cega. O que observo nas histórias qur postam aqui são sempre personagens muito lindas e bem sucedidas, ricas, inteligentes. Você fugiu desse esteriótipo. E o principal de toda a história: a delicadeza com a qual descreveu as cenas de amor entre elas, a forma romantizada e ao mesmo tempo, erótica. Deu para imaginar cada detalhe e sempre regado a um bom vinho. Desculpe a autora, adorei sua histórias, está entre as minhas favoritas, mas para mim a melhor ainda continua sendo " My Sunshine"; no entanto, as cenas de amor mais bem descritas de todas as histórias que já li é a sua "LUZ". PARABÉNS!!!
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Cale
Em: 18/02/2019
Eu já havia passado por essa história várias vezes aqui no site e sempre ia para outra. Na semana passada, resolvi iniciar a leitura e não parei mais. Ontem a finalizei. Amei a história. Parabéns à autora pela inclusão, ou seja, criou uma personagem cega. O que observo nas histórias qur postam aqui são sempre personagens muito lindas e bem sucedidas, ricas, inteligentes. Você fugiu desse esteriótipo. E o principal de toda a história: a delicadeza com a qual descreveu as cenas de amor entre elas, a forma romantizada e ao mesmo tempo, erótica. Deu para imaginar cada detalhe e sempre regado a um bom vinho. Desculpe a autora, adorei sua histórias, está entre as minhas favoritas, mas para mim a melhor ainda continua sendo " My Sunshine"; no entanto, as cenas de amor mais bem descritas de todas as histórias que já li é a sua "LUZ". PARABÉNS!!!
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Marcya Peres Autora da história
Em: 22/03/2018
QUERIDAS LEITORAS,
MUITO OBRIGADA PELOS COMENTÁRIOS CARINHOSOS E PELOS E-MAILS QUE RECEBO ATÉ HOJE DE MINHAS LEITORAS. FICO MUITO FELIZ EM SABER QUE, MESMO APÓS TANTOS ANOS DA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO (SE NÃO ME ENGANO FOI PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ EM 2004/2005, NO ANTIGO SITE ABCLES), ESSE CONTO PROVOCA NOVAS EMOÇÕES EM QUEM O LÊ. UM BEIJO BEM GRANDE EM CADA UMA DE VOCÊS E DESCULPEM NÃO SER TÃO PRESENTE NAS PUBLICAÇÕES.
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cidinhamanu
Em: 13/12/2017
Olá autora!!
Seja bem vinda ao Lettera...
Não tive o prazer de ler essa sua história em nenhum dos veículos citados acima antes.
Mas vou ter o prazer de ler agora.
Pois quem já leu, diz ser uma das melhores que já leram.
Meus parabéns.
Cidinha.
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Marcya Peres Autora da história
Em: 13/12/2017
Obrigada Meninas,
Vai ser um prazer voltar a postar minhas histórias e ter todo esse carinho de vocês para me alegrar.
Bjo grande.
Marcya Peres
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Larissal200
Em: 13/12/2017
Olá autora. Seja bem vinda ao Lettera. Amo essa sua história. Uma das melhores que já. Meus parabéns.
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