CapÃtulo 52
LAMBIDAS E MORDIDAS -- CAPÍTULO 52
Yasmin acendeu a luz do quarto, pegou Daniel no colo que gritava sem parar.
-- Não chore meu amor, a mamãe está aqui -- murmurava, enquanto, embalava carinhosamente o garotinho -- Desse jeito você vai acordar a sua irmãzinha.
Daniel berrava cada vez mais alto, estava vermelho de tanto gritar.
Débora entrou no quarto atraída pelo choro do sobrinho.
-- O que ele tem? -- perguntou preocupada.
-- Adivinha! -- disse Yasmin, abraçando o bebê com mais força e sacudindo de forma mais rápida.
-- Desse jeito você vai separar a cabeça do corpo -- comentou Débora, estranhando a atitude da cunhada. Porém, Daniel parou de chorar e voltou a dormir.
-- Agora me diz se isso é normal? -- Yasmin colocou o bebê cuidadosamente no berço -- A Dani acostumou a fazê-lo dormir dessa forma, agora pareço uma mãe louca prestes a desmembrar o filho.
Débora achou graça. Daniela mimava demais os bebês. O menino vivia com a boca aberta chorando e pedindo colo. Coitada da Yasmin. Pensou consigo.
-- Tem certeza que quer cuidar deles, Débora? Não quero empatar o seu dia -- Yasmim desligou a luz e saíram juntas do quarto -- A babá que contratei só começa na segunda, até lá vou ter que me dividir entre ficar com eles e a empresa.
-- Não se preocupe, Yasmin. Vou amar ficar com os meus sobrinhos -- disse com um sorriso sincero em seus lábios -- Pode ir tranquila.
Yasmin deu um beijo no rosto de Débora.
-- Obrigada, minha amiga.
Yasmin saiu quase correndo do apartamento e pegou o elevador até a garagem do subsolo. Estava atrasada para uma importante reunião com os diretores da empresa, agradeceu por seu carro estar apenas alguns metros do elevador. Ela olhou ao redor, entrou e travou as portas. Estava sozinha.
Balançou a cabeça várias vezes, tentando afastar tais pensamentos neuróticos da mente. Essa mania de perseguição, a sensação de que está sendo seguida, monitorada, observada, já estava passando dos limites. Pedro foi visto em Canoinhas, ele estava longe. Não teria com o que se preocupar.
Quando o portão da garagem abriu, olhou as redondezas com atenção.
-- Uma mulher passeando com seu cachorro, dois adolescentes namorando, o vendedor de pamonha, a bruxa do 71 cuidando da vida dos moradores do prédio, um homem alto e grisalho caminhando... nada de suspeito -- Yasmin seguiu seu destino.
Ao sair da avenida República do Líbano e entrar na avenida Pedro Álvarez Cabral, teve novamente a perturbadora sensação, de que alguém a estava seguindo. Olhou pelo espelho retrovisor e a única coisa que conseguia ver era uma longa fila de carros que se formava na avenida. Tudo normal.
-- A terra é plana, por isso se chama planeta; se fosse redonda se chamaria redondeta. Se fosse em forma de um punho seria punheta.
-- Você é um gênio, Dani.
-- Obrigada, Bianca. Aprenda enquanto estou aqui para ensinar -- disse Daniela, apoiando a cabeça no couro macio da poltrona do avião -- Você com certeza já ouviu a palavra "oxente". Porém, você tem alguma ideia da origem dessa palavra?
-- Do Nordeste -- respondeu Bianca, rapidamente.
-- Na época da Primeira e Segunda Guerra Mundial, os americanos tinham bases no Brasil, mais especificamente no Nordeste. A palavra "Oxente", era muito dita por americanos, que diziam "Oh Shit!" (Traduzindo - "Oh Merd*!"). Poréém, o nordestino ao ouvir aquelas expressões dos soldados norte-americanos, começou a usá-las e a adaptá-las, até que hoje, se fala dessa maneira "Oxente", e muitas vezes de outra maneira também conhecida, "Ôôxxi!", sendo que o segundo exemplo é mais parecido.
-- Poxa Dani, você parece uma enciclopédia ambulante. Realmente aprendo muito com você -- Bianca travou o cinto de segurança e olhou ao redor, interessada -- Sinto que dessa vez vamos pegar o Pedro de jeito.
-- É o que espero -- Daniela disse, parecendo cansada -- Quero que os meus gatinhos cresçam rodeados de muita paz e amor. Infelizmente com Pedro por perto, nunca estaremos tranquilos. Ele é uma ameaça a nossa felicidade -- concluiu tristemente. Os pensamentos de Daniela voaram para sua família. Fechou os olhos e recordou de um trio que acabara de deixar dormindo em seu lar. De repente, sentiu-se insegura e receosa -- Será que fiz certo em voltar para Canoinhas? Meu coração está apertado -- confessou a Bianca.
-- Você está indo para lá, justamente para acabar com esse sofrimento -- Bianca respondeu de imediato -- Depois que jogarmos ele na cadeia, o único fardo que teremos que carregar será o fardo de cerveja!
Daniela reclinou-se em seu assento e fechou os olhos. Como queria que isso fosse verdade.
Yasmin bateu a porta do carro e instantes depois atravessava o saguão do imponente edifício da Vargas S.A.
-- Bom dia senhora Yasmin. Que bom vê-la logo cedo! -- comentou o guarda de segurança -- Dia lindo, não é mesmo?
-- Maravilhoso -- Yasmin respondeu sorrindo e apressada entrou no elevador. Teve receio de chegar atrasada, pois o trânsito naquela hora costumava ser terrível!
O elevador se abriu no seu andar e a figura simpática de Mari dirigiu-se ao seu encontro.
-- Bom dia, senhora Vargas!
Yasmin passou pela secretária de cara feia, Mari a olhou atônita.
-- O que aconteceu? -- perguntou a moça, estranhando o seu comportamento.
-- Não gosto quando me chamam se senhora Vargas -- disse irritada e entrou na sala.
-- Ah, desculpa! -- pediu Mari, pouco sem jeito.
-- Prefiro que me chame de Yasmin -- colocou a bolsa dentro do armário e tirou o casaco -- Esse tratamento me faz lembrar do Pedro e, eu quero mais é esquecer que ele existe.
-- Hum, entendo, porém, Daniela também é uma Vargas -- Mari sorriu.
Yasmin também sorriu, sua expressão suavizou-se de imediato quando ouviu o nome da caçula dos Vargas.
-- Daniela nunca será uma autêntica Vargas, para mim ela sempre será uma Pauly -- Yasmin suspirou, depois indicou-lhe uma cadeira -- Mas me diga, trouxe os balancetes que pedi?
-- Trouxe. Estão todos aqui, lindos e maravilhosos -- disse ela, orgulhosa.
-- Quero esfregar na cara desses acionistas machistas e tradicionalistas. No fundo eles nunca acreditaram que uma mulher jovem como eu fosse capaz de dirigir uma empresa do ramo farmacêutico do porte da Vargas -- ela completou a frase com um sorriso vencedor.
Sentada no outro lado da mesa, Mari lançou-lhe um olhar cheio de admiração.
-- E ainda cuidar do lar e dos filhos.
-- Somos guerreiras! -- as duas disseram ao mesmo tempo e riram muito.
Quarenta e cinco minutos de voo havia parecido uma eternidade. Daniela abriu os olhos ao ouvir a voz da aeromoça:
-- Senhores passageiros, por favor, apertem o cinto de segurança. Vamos pousar logo.
-- Até que enfim! -- Daniela murmurou, impaciente, tentando afivelar o cinto.
Bianca que havia adormecido por quase toda a viagem, acordou assustada.
-- Onde estamos? O que está havendo?
-- Vamos pousar em União da Vitória. Daqui até Canoinhas vamos de carro.
-- Mas já? -- Bianca parecia frustrada.
As rodas do avião tocaram o solo. As turbinas foram desligadas, as portas foram abertas e os passageiros começaram a desembarcar calmamente.
-- Vamos alugar um carro e pegar a estrada. Quero que ainda hoje, a Luiza nos mostre aonde viu o Pedro.
Bianca a fitou, em dúvida, mas concordou com um gesto de cabeça.
-- Já sabe o que fazer depois que encontrar o Pedro?
-- A única coisa que podemos fazer é capturá-lo e entregarmos a polícia. Eu sei que ele não vai ficar por muito tempo na cadeia, mas não vejo outra saída.
-- Tem um plano? -- Bianca perguntou, curiosa -- Fica esperta, pois ele é traiçoeiro!
-- Eu conheço muito bem do que o Pedro é capaz, por isso, não vamos fazer isso sozinhas -- Daniela desviou o olhar. Dentro de sua cabeça, haviam lembranças que não conseguia apagar. Sua infância maravilhosa foi manchada pela maldade dos Vargas. Na época, ela não percebera o quanto eles haviam maltratado a sua família e a gente humilde de Canoinhas.
Pedro era cruel, arrogante, frio como gelo. Ele estava lá no dia em que o vermelho do sangue tingiu a pele dourada de seu pai.
A mãe morrera de causa natural, mas quem podia afirmar que isso não fora resultado da tristeza e do remorso? Ela era tão jovem quando falecera!
Vingança. É um sentimento primitivo, capaz de levar-nos a atitudes extremas. Pensou, Daniela. Provavelmente, não era capaz de sentir algo assim, tão destrutivo. Sua educação não permitia... mas, será que seu sangue de Vargas não falaria mais alto? Indagou-se preocupada e confusa.
Passara a maior parte da vida acreditando que Daniel era o seu legitimo pai, porém sua aparência não negava, os cabelos loiros e os olhos verdes claros, era um legado deixado como herança por Luiz Carlos.
-- Como assim, não agiremos sozinhas? -- a voz aguda de Bianca tirou Daniela de seu devaneio, e ela se virou, rapidamente.
-- Vou contratar alguns homens para fazer esse serviço. Pedro vai pagar por tudo o que fez.
-- Você vai vingar-se dele? É isso que está me dizendo?
-- Não vou me vingar de ninguém -- respondeu Daniela com sinceridade -- Não será necessário. Tudo aquilo que fazemos para alguém, um dia retornará a nós. Essa é a lei da vida. Minha vingança será saber que Pedro jamais conhecerá a verdadeira felicidade. Jamais terá o amor de uma mulher como Yasmin, e nem filhos que se orgulham e o vejam como exemplo.
-- Posso fazer uma pergunta? -- indagou Bianca, receosa com a reação da amiga -- A pergunta pode parecer bem cruel, mas eu tenho que fazer.
Daniela fechou os olhos e meneou a cabeça. Passaram pela porta de vidro do aeroporto e pararam diante de uma locadora de veículos.
-- Pode perguntar, o máximo que farei é te encher de pancadas -- Daniela disse séria, mas depois sorriu -- Claro que pode perguntar.
-- Você, em nenhum momento ficou magoada com a sua mãe? Afinal, ela errou... como posso dizer... Ela...
-- Traiu o meu pai? -- Daniela completou a frase tentanto controlar a tristeza que acompanhava suas palavras -- Fiquei magoada, sim. Fiquei muito magoada com ela. Meu pai não merecia ser traido.
-- Você a perdoou? -- Bianca parecia embaraçada ao perguntar.
-- Com certeza! Quem sou eu para julgar -- percebendo que um funcionário se aproximava, Daniela mudou imediatamente de assunto -- Bom dia, precisamos alugar um carro.
-- Bom dia, tem preferência por algum modelo? -- perguntou o rapaz, solícito.
-- Pode ser uma Pik-Up Ranger, precisamos de um carro potente. Para chegar até o nosso destino, teremos que lidar com estradas de terra e entradas de acesso mais complicado -- esclareceu Daniela.
-- Entendo. Tenho exatamente o que procuram.
Os portões e as outras entradas do prédio eram abertos ou fechados com um sistema operado por uma central. Assim, os acessos as garagens ou para pedestres eram monitorados e controlados à distância.
Yasmin parou diante do portão e aguardou por alguns instantes até que abrisse, entrou no estacionamento e parou em sua vaga. Sentiu-se finalmente segura. Quando ela saiu do carro, olhou ao redor, como se estivesse sendo observada.
-- Larga de ser neurótica, Yasmin -- deu um tapa na testa -- O Pedro está em Canoinhas -- antes de entrar no elevador, olhou ao redor mais uma vez.
Daniela parou o carro no estacionamento da clínica veterinária de Roberta. Luiza saiu correndo do estabelecimento e foi encontrá-las.
-- Estava esperando por vocês -- disse ela, com expressão aliviada -- Passei por lá novamente, olhei em torno da propriedade e não vi nenhuma movimentação.
Daniela abriu a boca para falar, mas parou, quando observou que uma mulher saía da clínica e se aproximava delas.
-- Essa é a minha amiga Rebeca -- explicou Luiza com um sorriso sem jeito.
Daniela percebeu, de imediato, que havia algo entre elas. O clima de romance era nitido. Imediatamente, sentiu-se feliz por Luiza. A garota merecia toda sorte do mundo.
-- Ela acabou de comprar a fazenda dos Schimidt -- completou Luiza.
-- A Luiza me contou tudo -- esclareceu a moça -- Posso ajudar vocês. Tenho vários peões, podemos invadir a propriedade e arrancar o tal do Pedro de lá sem problema nenhum.
Daniela gostou da ideia de invadir a propriedade. Utilizar da mesma artimanha utilizada pelos Vargas durante décadas, seria uma forma de dar o castigo merecido a Pedro.
-- Obrigada Rebeca. Vou aceitar a sua oferta -- Daniela fez um breve aceno para Rebeca e deu um sorriso -- Você caiu do céu.
Rebeca lhe sorriu de volta, e ambas pareciam bem ansiosas.
-- Quando pretende invadir? -- perguntou Rebeca, olhando para Daniela com extrema ânsia.
-- Que tal hoje à noite?
Débora foi até a janela e abriu a cortina. O sol brilhava intensamente naquela tarde de primavera. A vista do parque era capaz de tranqüilizar qualquer um, mesmo em uma cidade de pedra como São Paulo.
-- Vou indo, preciso passar no apartamento da Paula antes de ir para a empresa.
-- Está fugindo de nós titia? -- brincou Yasmin.
Débora riu e deu um beijo na testa de cada bebê.
-- É claro que não! Amo esses berrãozinhos -- apertou de leve as boxexas de Daniel -- Virei mais tarde e passarei a noite aqui com vocês -- ela falou, voltando em direção à porta -- Você não se importa de eu ficar por aqui?
-- Ah, minha querida! Você não faz ideia de como é bom tê-la aqui comigo -- ela admitiu com franqueza.
-- Obrigada -- Débora olhou para o carrinho de bebê para gêmeos -- Vai sair com eles?
Yasmin notou em seu semblante um ar de preocupação e procurou tranquilizá-la.
-- Vou dar uma voltinha rápida, apenas para eles pegarem um solzinho. Não se preocupe, volto logo.
Fim do capítulo
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Mille
Em: 10/11/2017
Oi Vandinha
Se a Yasmin ligasse para o sexto sentido dela, espero que o Pedro não consiga atingir o objetivo, mais prevejo que no próximo capítulo com esta saída da Yasmin e os bebês o traste consiga.
Bjs e até o próximo capítulo
Tb sente saudades, mande um sinal de fumaça mesmo sem capítulo, pois já nos acostumamos com sua presença e nos preocupa com o seu sumiço. Um ótimo final de semana
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