As irmãs chegaram em Brasília algumas horas depois de Alex se despedir de Júlia com a promessa de que logo voltaria e com mais alguns beijos calorosos que fizeram Alex quase perder o equilíbrio. Ela repetiu para si mesma que demoraria um pouco de tempo até se acostumar outra vez com o toque de Júlia em sua pele.

- Hey, quer fazer o favor de se concentrar? – Natasha cutucou Alex com o cotovelo ao descerem do táxi que as levara até o hospital. – Vamos mostrar para ele que está tudo bem, ok? Não podemos desmoronar agora.

- Tudo bem, você está certa – Alex respirou fundo e balançou as mãos em uma tentativa de afastar a preocupação e o frenesi que tomava conta de si. – Não acredito que estamos outra vez aqui, tudo parece tão igual.

- O que você esperava? É claro que tudo está igual, little sis. Só se passaram alguns anos e não estamos no meio de uma guerra que poderia ter destruído a cidade, ou algo do tipo. Brasília continua sendo Brasília.

- Eu sei disso, só pensei que eu me sentiria diferente ao voltar aqui depois de tudo o que aconteceu. Eu tinha medo de que o passado tivesse uma grande influência no meu presente, mas não é como eu pensei, não me sinto mais engessada. É só o passado.

- Por falar em passado eu preciso te contar uma coisa antes de entrarmos – Natasha segurou Alex pelo braço. – Prometa que não vai surtar, ok?

- Você sabe que não posso prometer isso, não sabe? O que é? Fala de uma vez, Nat – Alex disse aflita. Sabia que poderia esperar qualquer coisa absurda da irmã.

- Já que você tocou no assunto de passado eu preciso te avisar que uma pessoa do seu passado trabalha aqui neste hospital. Inclusive essa foi a pessoa que me avisou que o pai havia dado entrada na emergência – Natasha escolheu as palavras com cuidado. – Mas lembre-se que você não tem nenhuma obrigação em vê-lo, muito menos de falar com ele. Sinta-se à vontade para ignorá-lo. Eu prometo que ele não chegará perto de você.

- Uma pessoa do meu passado? – Alex perguntou pensando quem poderia ser. Quando fugira para São Paulo não deixou grandes amigos. – Você poderia ser mais específica?

- Tá legal, mas saiba que eu só não te contei antes porque não queria estragar seu clima romântico de reconciliação lésbica com a Júlia – Natasha se defendia enquanto Alex abria a boca pronta para soltar um palavrão.

- Nat, pelo amor de Deus, me diga que não é quem eu estou pensando. Por favor, me diz que não é essa pessoa – Alex apreensiva procurava uma maneira de correr dali o mais rápido possível. Nem em seus pesadelos mais terríveis ela se imaginava reencontrando essa pessoa. – Eu não quero vê-lo, Nat, por favor.

- Sinto muito, talvez eu precise pensar um pouco melhor antes de prometer alguma coisa – Natasha coçou a cabeça pensativa ao ver quem se aproximava delas.

- Ora, ora, ora – Alex ouviu uma voz atrás de si e congelou com um olhar alarmado no rosto. – Veja se não são as gêmeas mais interessantes que essa cidade já viu.

Alex fechou os olhos, respirou fundo e virou-se para apertar a mão estendida do rapaz.

- Gustavo, é um prazer rever você – Alex usou um dos sorrisos falsos que tanto usara no passado quando encontrava o rapaz ao lado de Júlia. – Que surpresa encontrar você aqui.

- Está surpresa por eu trabalhar exatamente no lugar onde minha namorada me deixou porque estava apaixonada por uma garota? O que eu posso dizer? Sempre tive tendências masoquistas, a Júlia nunca te contou?

- Vamos entrar? – Natasha tentou quebrar o climão que se instalara entre os dois que se encaravam.

- Vamos, claro. Me desculpe pela piada, Alex. Eu não podia deixar passar. Deixe-me ajudar vocês com isso – Gustavo se apressou em ajudar as meninas com as malas. – Que bom que vocês chegaram, ele está ansioso para vê-las.

- Você é médico dele? – Alex perguntou desconfiada.

- Não, sou técnico em enfermagem. Eu estava de plantão quando o trouxeram.

- Como ele está? – Natasha perguntou olhando de canto para Alex que parecia começar a relaxar na presença de Gustavo.

- Melhor. Ele vai precisar de cuidados e ficar em observação por alguns dias, mas felizmente o quadro não é grave. Ele saiu da UTI e foi transferido para o quarto.

Gustavo guiou as meninas até o quarto de Eduardo e observou Alex correr e se jogar nos braços do pai ao vê-lo sentado na cama.

- Devagar, você vai parar o coração dele de vez – Natasha puxou a irmã que estava agarrada ao pescoço do pai, impedindo-o de respirar.

- Como é bom ver vocês – Eduardo falou quando Alex o soltou e Natasha o abraçou igualmente forte. – Não acredito que foi preciso um infarto para que vocês voltassem em Brasília.

- Não seja dramático – Natasha se deitou na cama ao lado do pai. – Essa cidade é um saco, você devia pensar em se mudar para São Paulo, tudo lá é mais legal.

As meninas estavam aliviadas por encontrar o pai exatamente como da última vez que o viram, exceto por uma expressão um pouco cansada.

- Eu já odeio ter que ir visitar vocês, me mudar está totalmente fora de cogitação, não consigo lidar com o agito que vocês vivem. Já estou cansado só de olhar para vocês.

- Você é tão velho, como sobreviveu a um infarto? – Natasha perguntou arrancando risadas do pai.

- Senti falta disso – Alex suspirou e também se deitou na cama ao lado do pai.  Tinha Júlia outra vez e seu pai estava bem, sua vida voltara a fazer sentido.

Os três passaram o resto do dia deitados na cama do hospital, Alex atualizava o pai dos acontecimentos recentes com a interrupção constante de Natasha que insistia em contar versões diferentes dos fatos.

- Eu não estou seduzindo a sua secretária. A Lara é perfeitamente capaz de tomar as próprias decisões, e eu não tenho culpa se ela acha que eu sou uma boa escolha – Natasha se defendeu enquanto Alex a olhava pasmada.

- Natasha, você acha mesmo que é uma boa ideia se relacionar com essa garota? Você não é casada? – Eduardo perguntou com cuidado. Ele não entendia as escolhas da filha, mas se esforçava para não a julgar.

- Pai, eu amo o Tiago, mas também amo a Lara – Natasha falou e se admirou com suas palavras, nunca havia pensado no que sentia por Lara, mas no fundo sabia que amava a garota. – E nenhum dos dois vê problema nisso, então eu também não vejo. Não estou fazendo nada errado, é só amor.

Alex e Eduardo estavam em silêncio analisando as palavras de Natasha quando Gustavo bateu na porta do quarto despertando-os do sentimento de admiração pela maturidade e desenvoltura da garota.

- Olá, desculpa interromper – Gustavo colocou a cabeça para dentro do quarto. – Alex, posso falar com você um instante?

- Claro – Alex pulou da cama sob o olhar atento de Natasha e se dirigiu para fora do quarto.

- Você tem visto a Júlia? Depois que ela foi embora eu só soube notícias dela pelos sites de esporte.

- Sim, nós nos reencontramos em São Paulo recentemente – Alex disse lembrando-se do último encontro e sentiu um arrepio percorrer pelo seu corpo. 

- Ela continua linda?

- Sim, com aqueles incríveis olhos que são capazes de conquistar qualquer coisa no mundo.

- Eu adorava aqueles olhos – Gustavo disse saudosista. – Alex, eu te chamei porque quero que você saiba que não há nenhum ressentimento, eu torço pela felicidade de vocês. A Júlia é uma pessoa maravilhosa e ela merece ser feliz.

- Obrigada, Gustavo. Isso é muito importante para mim – Alex disse surpresa. Esperava qualquer coisa, menos aquilo. – Eu me sentia muito mal pelo que fiz, você não merecia ser enganado daquele jeito. Me desculpa pelo que fizemos.

- Esquece isso, éramos adolescentes e imaturos, a Júlia tinha razão em ter medo de se assumir, não deve ter sido fácil para ela abrir mão de tudo o que tinha  – Gustavo disse com sabedoria e Alex sentiu um aperto no coração por ser a única que não entendera os motivos da garota na época. – Então vocês estão juntas outra vez?

- Mais ou menos isso – Alex respondeu pensando na conversa que tivera com Júlia. – Estamos nos entendendo.

- Bom, eu preciso voltar a trabalhar. Só queria desejar minhas felicidades, mande um abraço para ela e dê meus votos de boa sorte no Eczacıbaşı. Eu vi a notícia pela televisão e não me contive, sei o quanto ela sonhou com isso.

- Obrigada, pode deixar que eu vou dizer a ela – Alex apertou a mão de Gustavo e sentiu um peso sair dos seus ombros. Se desculpar com Gustavo era um item da sua lista de coisas para fazer antes de morrer.

Alex olhava Gustavo atravessar o corredor e só então se deu conta do que o rapaz acabara de dizer.

- Eczacıbaşı?

 O time de Istambul?

 A Júlia vai jogar na Turquia? 

Fim do capítulo