Ultimo Gole por ThaHeL
Capítulo Unico
Um gole.
Whisk cawboy duplo, queimando a garganta, ardendo, rasgando a carne, tentando mesmo que inutilmente ultrapassar na dor física, a dor psicológica, a culpa. Não era masoquismo, ela não gostava de dor. Na verdade, tudo que ela sempre procurou foi prazer, não só sexual, mas de todo tipo. Por isso era tão difícil, ali já não havia mais prazer, nem nada que lembrasse isso.
A madrugada há algum tempo virara manhã. As horas decisivas voaram como há muito não acontecia quando se tratava dela. O ponteiro do relógio parecia mais veloz que o normal, rápido, ensurdecedor, implacável. Ela não lembrava a última vez que esperava tanto alguma coisa ou alguém. Soava irônico a cada vez que essa constatação martelava em seu ser. Não era esse o motivo de tudo isso?
Era mesmo?
Ela acreditava que sim. Há muito tempo que ela chorava noites a fio querendo encerrar um ciclo da sua vida que machucava lhe a alma. Acreditou ser culpada de tudo, o egoísmo predominando sua vida, mas no fundo era só mais uma forma de se auto flagelar. E ela que nunca gostou de dor, provava do mesmo em doses letais, suficiente para amargar o ser de qualquer mortal.
Mais um gole.
O telefone tocou em algum cômodo da casa, ela não se deu trabalho de atender. Nem para despedir-se de quem quer que fosse, nem para dizer adeus, mesmo que só essa palavra lhe desse a sensação de alivio que tanto procurava. Onde exatamente estava o erro em tudo isso (se é que existia um erro)? Em si? Nela? No “nós”?
Ela lembrava quando existiu o “nós” pela primeira vez. Sua memória era de elefante, dizia a outra e as duas riam horrores disso. Essa lembrança despontou-lhe um pequeno sorriso, sofrido, mas ainda assim um sorriso. Lembrou-se também quando a conheceu em uma festa qualquer. Acreditou tratar-se de mais uma curiosa a fim de experimentar o proibido, talvez fosse esse seu primeiro erro de muitos que se seguiu nesses nove anos de casamento.
Ela que jurou nunca se casar, viu-se envolvida pela teia do destino. Não que sua vontade houvesse mudado, mas ela sempre foi tão correta, tão cheia de princípios, não houve um minuto de hesitação quando ela bateu-lhe a porta num sábado de madrugada, logo após deixa-la em casa, depois de se encontrarem. Os pais haviam-na seguido, há muito que estavam desconfiados da amizade da filha com uma garota tão fora do “padrão”. A expulsaram quando a verdade foi dita, na verdade, gritada a plenos pulmões para quem quisesse ou não, ouvir. Sem dó, nem piedade.
Mais um gole. E mais um.
Tudo que ela via era uma menina de olhos verdes, e ela nunca conseguiu resistir a eles. A garota era delicada, meiga, inteligente e desde o primeiro segundo, envolvente. Ela só queria alguns beijos, quem sabe algo a mais se a jovem permitisse, e assim foi indo enquanto estava conveniente para ambas, sem nenhuma amarra ou rótulos naquela “relação”, e ela nunca o considerou por esse nome. Mas então tudo aconteceu, e com todos os seus princípios, só restou-lhe arcar com as consequências.
As pessoas diziam-lhe em confidencias uma ou outra vez quando ela ausentava-se por algum motivo, o quanto aquilo era loucura, que não poderia haver uma relação baseada nesses termos, sem sentimentos. Mas ela sabia que havia ali muitos sentimentos, diferentes é verdade, mas ainda assim sentimentos, muitos dos quais a maioria das pessoas ignorava, mas não ela. Encerrava o assunto instante antes de sua jovem esposa voltar, era tão estranho chamá-la daquele jeito, mas ainda assim insistia em tentar habituar-se a esse termo, pois observava naqueles olhos verdes, grandes e brilhantes, o efeito que causava. Era sua recompensa.
Naquele momento era tudo que importava. Mas o tempo foi passando, os anos chegando, e o que bastava antes, agora não lhe bastava mais. Sua vida era uma rotina, onde até os milésimos de segundos eram decorados, as frases eram vazias, ocultas de sentidos ou mensagens subliminares. Os soluços durante o choro eram constantes, e por todas as madrugas pelos anos a fora, ela lhe fora fiel no sentido carnal, sentimental, mas nunca foi fiel consigo mesma. Porém, ela nunca culpou nada nem ninguém. Ela acreditava que não havia culpados.
Outro gole.
Olhou a garrafa quase vazia, tentou lembrar quando a comprou, e deu-se conta que foi a um dia atrás. No começo era apenas para deixar de pensar, duravam uma semana ou mais dependo de quantos goles havia ingerido noites adentro. O tempo foi passando e o motivo tornou-se outro, parar de chorar. Duravam no máximo cinco noites, caso ela estivesse em casa em vez de estar viajando a negócios como muitas e muitas vezes durantes todos aqueles anos. Não sabia mais se clamava a solidão por ver-se livre da culpa de fingir um “tudo bem” ou se ansiava pela volta de poder atuar e ter uma expectadora para sua vida.
Pensou em como chegou até esse momento depois de tanto ter adiado o inevitável. Talvez a sua melhor amiga dizendo-lhe que estava apaixonada, pela milésima mulher desde que se conheciam, cheia de ilusões quanto ao futuro ou talvez pela ligação de sua mãe na noite anterior depois de tantos anos, pedindo-lhe perdão pela covardia, pela omissão no passado e exigindo de sua primogênita, que esta, fosse feliz como ela havia desejado logo após seu nascimento.
Por que não houve felicidade?
Ela buscou seu conceito de felicidade. Deu-se conta que nunca parara para formular um para si. Sentiu-se estranha, olhou para o copo, olhou ao redor, tudo estava no mesmo lugar desde que eles foram colocados onde estavam há nove anos atrás quando deixou que ela redecorasse o lugar que dividiram a partir dali. E foi então que percebeu que nunca poderia ser feliz, seja qual situação estivesse, pois nunca havia parado para pensar em que situação queria estar.
Último gole.
Levantou-se, buscou suas malas que há muito havia arrumado desde que ela partira para sua última viagem. Iriam tirar férias, merecidas férias eram o que diziam. Deu-se conta do barulho do trinco, do ranger da porta, e pela primeira vez sorriu ante a expectativa de vê-la entrar por aquela porta maciça. Não se preocupou em enxugar as lágrimas, agora não havia necessidade de esconder sentimentos, havia a necessidade primária de expor todos eles, de gritar aos quatro ventos, de traduzi-los em diversas línguas, mas não fez somente não se preocupou em fingir mais.
A verdade revelada.
Ela era uma ótima atriz. Fingiu para si mesma que não queria apegar-se a ninguém, não queria mais sofrer por amar e ser decepcionada, machucada por pessoas, aquelas que fizeram promessas prometendo-lhe amar incondicionalmente e, no entanto, não o fizeram. Encobriu a capacidade de amar a jovem de olhos verdes e depois a mulher que havia se tornado, no entanto, sempre a amou. A vida dela foi um “remake” da sua, e diferente de si e dos outros, ela foi a única que nunca prometeu-lhe nada. Somente demonstrou a cada segundo, o que nunca se ousaram dizer.
Não era assim tão correta, tão cheia de princípios, não que não o fosse em sua totalidade, simplesmente, ela só não era corajosa o suficiente para creditar suas decisões ao campo das emoções. O juízo era seu mestre, mas o coração era seu instinto. Reviu em milésimos de segundos todas suas decisões em relação a mulher que entrava pela porta e lhe sorria como há muito não sorria. Talvez assim como ela, a outra sentisse que enfim, o amor da sua vida, havia se dado conta do que de verdade as uniam. Sorriu ainda mais lindamente, e se seus olhos algum dia brilharam, agora eles emanavam luz através da íris esverdeada..
- Vamos?
Ela fechou os olhos absorvendo a resolução de toda sua saudade antes jamais sentida, diria melhor, jamais permitida. Sorriu. A voz que guiou seu caminho no seu inconsciente, a voz que lhe dizia a direção correta a seguir quando não enxergava nada além de um palmo diante de si. A voz que fazia palpitar-lhe o coração, julgada antes erroneamente como remorso e, no entanto, era amor. O puro e simples amor.
Elas se amavam.
Não ousou dizer com todas as letras as três palavras, talvez nem precisasse, e mesmo que precisasse, não o conseguiria. Um fardo muito pesado havia saído de seus ombros, ela havia se permitido respirar e contemplar a sensação de liberdade que só aqueles que são livres das amarras que imponham a si, são capazes de desfrutar. Só quis se permitir sentir, e pela primeira vez foi o que fez.
- Claro esse foi meu último gole.
Tomou a mão daquela que sempre fora sua, entrelaçou os dedos, e deixou o copo sobre a mesa. Não soube em que momento a garrafa caiu ao chão, sujando seu tapete “imitação” persa, e ficou feliz ao imaginar que aquela foi a última garrafa com que desperdiçava dinheiro. Ilusões e fingimentos, agora não eram mais necessários. Não mais. Sua atuação chegara ao fim.
Fim!
Fim do capítulo
Espero que gostem!
Comentar este capítulo:
playboymommy
Em: 23/08/2017
"Claro esse foi meu último gole."
Mentira, nunca é. :D
Resposta do autor:
Era o ultimo daquele dia, depois não teve como saber :P
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