Platão e Rosa
Joana caminha rápido pelo pátio da Universidade não quer se atrasar para a aula, apesar de haver algumas árvores pelo caminho elas não amenizavam o calor da tarde de outono ensolarada, típica em Salvador. Fazia 37°, mas ela ignorava esse fato, reduzia a informação a uma pergunta “Tá quente hoje, né?” frase coringa que a salvou durante o dia de todas as tentativas de socialização relâmpago de estranhos. Sua camisa preta também não ajudava, sentia o suor escorrendo em suas costas e barriga sob a camisa, lhe causando pequenos sobressaltos.
Avistou de longe um grupo de conhecidos e antes de identificar nitidamente qualquer rosto, fixou seu olhar nela, demoradamente namorou o borrão. A reconheceria a qualquer distância, já sabia seus horários e sempre uma vez por semana sua presença era ansiosamente aguardada e às vezes sua ausência pesadamente sentida, quando ausente a tarde perde a graça, a aula se torna chata e as pessoas desinteressantes, ela que faz o mundo girar todas as tardes de quinta. Obviamente, antes girava por outras razões, mas desde o dia em que ela soltou o primeiro comentário irônico sobre as piadas de um professor inconveniente, a primeira troca de olhares seguida de um sorriso, foi fatal. Toda quinta aproximadamente ás 15:00 seu olhar estava treinado, ás vezes era apenas um “oi”, ás vezes uma dúvida sobre a matéria, um filme, uma música, mais um motivo para o encantamento permanecer vivo, quente, latente.
Ser reservada atrai dificuldades. Para aqueles que querem contatos aleatórios, saber quem é ou como estão sua mãe/tia/avó/namorado ou por que você perdeu ou ganhou quilos e até mesmo os comentários banais sobre novela/futebol/tempo/trânsito é fácil criar um personagem, afinal o diálogo é na verdade monólogo e basta dizer uma ou duas frases e eles fazem todo o resto. Estar em silêncio incomoda e qualquer coisa ocupa bem os minutos de proximidade na fila, no elevador ou em um encontro casual. Mas como conhecer alguém sem passar por essas superficialidades? Ela realmente queria saber suas opiniões, ir além da superfície, mergulhar naquela existência única, única para ela, sua Rosa. Rosângela. Ro-sa, menina rosa, seu nome escorregava em sua língua e na ponta de sua caneta, a cada distração se pegava adolescente.
Queria ir ao cinema com ela assistir aquele filme e ela amaria, queria emprestar seu livro favorito e ela amaria, roçar suas pernas nas dela enquanto assistiam uma série qualquer, certamente ela adoraria todos os momentos em que estivessem juntas, pelo menos assim funcionava a sua imaginação. Mas como saber se ao dizer “gosto de Caetano e Gal Costa” estaria na verdade dizendo “gosto de prego e parafuso”? Aproximou-se do grupo deu “boa tarde” a todos e sorriu em sua direção, ela retribuiu imediatamente. Foi direto pra sala e sentando antes que todos entrassem, um novo mundo de possibilidades surgiu e namorou aquele sorriso com as mais deliciosas fantasias que pôde criar.
Fim do capítulo
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