~~ Capítulo 1 ~~
Era uma noite escura, uma tempestade se formava no céu e não demoraria a chegar. O vento soprava forte lá fora castigando quem quer que fosse que ousasse sair sem alguma proteção.
Coloquei a roupa que eu me sentia mais confortável para esse tipo de ocasião: uma calça taquetel, uma regata e para completar, o meu precioso casaco preto com capuz. Os principais itens que eu não podia e nem deveria esquecer era a touca e a minha faca.
Saí do meu esconderijo, mas antes verifiquei a área, me desentendi com alguns maloqueiros alguns dias atrás, então todo cuidado é pouco.
Andei até o quarteirão de cima e fiquei de tocaia esperando alguma pobre alma desavisada.
Escolhi um lugar bem estratégico, em uma rua com pouquíssima iluminação e quem viesse não conseguiria me ver.
Escutei um trovão ribombar no céu, as ruas estavam todas desertas, quem é que seria doido de sair por aí com o dilúvio que ia cair? É claro que sempre tem alguém, pessoas que saem tarde do trabalho, por exemplo.
Eu ficaria ali o tempo que fosse necessário para "pegar emprestado" com alguém uma carteira ou bolsa, mesmo que para isso eu me molhasse inteira com a chuva.
A cada instante raios cruzavam o céu, clareando tudo por um momento e mergulhando as ruas em escuridão novamente. Tomei o cuidado de não ficar embaixo de alguma árvore, elas são um belo condutor de energia.
Ouvi passos apressados vindo em minha direção. Era uma mulher que caminhava e olhava para todos os lados sabendo do risco que corria ao andar por aquela rua escura e quase totalmente vazia.
Assim que a mulher passou por onde eu me escondia e mal sabendo do perigo que corria, eu dei o bote. A agarrei por trás e coloquei a faca em seu pescoço, essa era uma técnica que eu treinei durante muito tempo, a abordagem, eu segurava as pessoas de uma forma que não tinham escapatória ou formas de se defenderem.
— Se gritar eu te corto. – Falei baixo. — Eu só quero a bolsa.
— Por favor, não me machuca.
— Anda, eu quero a bolsa. – Falei com mais firmeza.
A mulher que já tremia me passou a bolsa e eu corri. Escutei ela gritar mas não havia ninguém para ajudá-la. Corri para uma esquina bem afastada, e de lá eu daria uma volta, até para despistar quem quer que esteja me seguindo. Eu nunca corria direto para o meu esconderijo, não queria perdê-lo por um erro meu, então depois de cada assalto eu despistava de diversas formas.
O melhor de ter morado na rua é que a gente passa a se virar, e foi numa dessas que eu conheci um grande amigo, o Hugo. O cara me ajudou bastante e me ensinou uma das minhas técnicas preferidas de fuga, o Parkour. Demorei muito para aprender, treinei bastante, me arrebentei diversas vezes e despenquei de alturas enormes mas consegui dominar. O Parkour já me salvou muito.
É isso que eu faço para despistar, passo por muros, grades, portões, subo em prédios quando dá... O que estiver na frente ou o que for alto o suficiente para ninguém me alcançar eu faço.
Antes de cada assalto, eu sinto a excitação e a adrenalina me envolver, é como uma droga, a gente sempre quer e deseja mais.
O assalto é uma forma de conseguir dinheiro mais rápido, só saber usar as armas e as técnicas certas.
Trabalho sozinha, apesar de receber propostas tentadoras, nunca aceitei nenhuma delas. Consigo grana do meu jeito sem precisar dividir com ninguém e isso já me basta.
Parei um instante e verifiquei a bolsa, peguei o que eu julgava ser necessário: 50 reais e um celular, nem cartão de crédito tinha.
Depois de saber que eu estava segura o suficiente, resolvi voltar para o meu esconderijo. Eu não tinha medo de andar nessas ruas, os outros é que deviam ter medo de mim, apesar de nunca ter realmente usado a minha faca, eu não pensaria duas vezes se precisasse usá-la.
Fui caminhando por uma rua totalmente diferente da que eu passei antes. Por fim a chuva nos presentou com sua graça, veio forte com trovões e raios. Como eu já tinha tirado a touca, o vento castigava meu rosto.
Continuei caminhando sem me preocupar em me molhar.
Parei de repente no meio da rua, mais a frente havia um beco. Eu não sabia se tinha escutado bem ou se era barulho provocado pela chuva. Olhei para trás, mas não vi nenhum movimento.
Outra vez o barulho. Havia alguém naquele beco, escutei um choro de mulher. Rapidamente e silenciosamente me esgueirei até a ponta do beco e dei uma olhada. O que vi fez meu coração saltar. Um homem estava violentando uma mulher naquele beco.
Não é porque eu assalto que eu tenho que ser conivente com outro tipo de violência. Não, eu tenho raiva de estupradores, de homem que bate em mulher e de muitas outras coisas.
Eu tinha que agir rápido. Coloquei minha touca que tampava meu rosto, deixando somente meus olhos visíveis e caminhei para o beco.
— Solta a moça. – Falei com a raiva transparecendo em minha voz.
O homem se assustou e levantou, fechando a calça. Mesmo estando escuro ali, eu o conhecia, eu já o tinha visto antes, só não me lembrava de onde. E eu esperava que ele não reconhecesse a minha voz.
A mulher, que na verdade era uma garota, aparentava ter uns dezesseis anos, estava deitada no chão, encolhida, chorando baixinho.
— Quem é você, cara? – O sujeito gritou. Ele devia pensar que eu era homem.
— Você vai aprender agora que não se deve fazer isso. Você é um monstro. – Falei.
Ele riu do meu comentário. Minha raiva já estava no limite.
— Vai fazer o que? – Ele perguntou, abrindo os braços e rindo.
Tudo o que eu fiz foi dar um sorriso apesar de que o homem não pudesse ver. Deixei minha faca aparecer na minha mão. O olhar dele pousou na faca e novamente ele riu.
— Vai me furar com essa faquinha de cortar pão?
Antes mesmo que ele esperasse, eu joguei a faca nele, acertando-o na coxa. Ele gritou.
— Seu...
Peguei minha segunda faca que deixo escondida na cintura e arremessei na barriga dele. Aproveitei o momento de distração e o golpeei com um chute na cara, fazendo-o desmaiar.
Me aproximei e puxei as duas facas, limpando o sangue na blusa dele.
Se ele morresse, não ia fazer nenhuma falta.
Guardei minhas facas e me aproximei da garota.
— Por favor, não me machuca. – Ela dizia em meio ao choro desesperado.
— Não vou machucá-la. – Falei. Eu sentia dó da garota.
Eu percebi que ela estava machucada, não só emocionalmente, mas fisicamente. Estava com o rosto sangrando também.
Passei meus braços por baixo dela e a puxei para cima, carregando-a.
Eu não fazia ideia para onde eu a levaria, mas tinha que pensar em algo rápido, ela precisava de ajuda. Ela ainda chorava baixinho.
— Eu vou te levar para o hospital. – Falei, esperando que ela tivesse me entendido.
Andei por um bom tempo até o hospital. Naquelas circunstâncias era difícil carregar uma mulher nos braços, a chuva estava mais forte ainda e nossas roupas estavam pesadas pela água.
Continuei com a minha touca escondendo o meu rosto, mas o que eu não podia fazer era entrar no hospital com uma touca de assaltante. E só me restava confiar de que ela não contasse isso para a polícia.
Olhei para ela e percebi que tinha desmaiado, ou pelo menos eu achava que tinha desmaiado.
Retirei a touca com dificuldade, um pouco antes de chegar ao hospital e entrei na emergência com a garota ainda em meus braços.
— Eu preciso de ajuda. – Falei alto para as recepcionistas escutarem.
— O que aconteceu senhorita? – Uma recepcionista perguntou.
— Ela acabou de ser estuprada, e eu não sei se ela está machucada em outros lugares.
— Aguarda só um minuto.
A recepcionista levantou rapidamente e entrou por uma porta dupla.
Alguns minutos se passaram e ela voltou com um enfermeiro que trazia uma maca.
— Coloque-a aqui. – O enfermeiro disse. Eu a coloquei bem devagar e a maca foi empurrada pela porta dupla se perdendo em seu interior.
Fiquei ali parada vendo a garota sumir de vista.
— Qual o nome dela? – A mulher da recepção perguntou me fazendo olhá-la.
— Eu não sei. – Falei, me virando para sair.
— Espera senhorita. Precisamos dos seus dados.
— Eu estou sem documento moça. – Falei, me virando novamente para ir embora.
— É só dizer seu nome, endereço e telefone. – A moça pressionou.
Olhei para a saída e avistei um segurança parado lá, se eu saísse de repente, ia causar suspeita. Mas ninguém disse que eu não poderia dar os dados falsos.
Inventei um nome, telefone e endereço.
— Ela vai ficar bem? – Perguntei.
— Eu não sei, senhorita Soraia.
— Quem? – Eu perguntei. — Ah é, sou eu. – Falei dando um sorriso amarelo. Mais um pouco e eu me entregava. — É que eu estou nervosa com o que aconteceu. – Dei uma desculpa qualquer.
A mulher me olhou como se eu fosse doida e deu um sorrisinho.
— Se quiser saber como ela está, é só entrar por essa porta.
— Está tudo bem, sei que vão cuidar bem dela. – Falei e andei até a saída, parei e voltei. — Vou até lá.
— Tudo bem, pode entrar. – A mulher sorriu para mim.
Entrei pela porta dupla e vi diversas outras portas em um corredor. Algumas pessoas caminhavam apressadas e outras esperavam seus familiares no corredor.
Passei por umas pessoas que choravam, provavelmente tinham recebido alguma notícia triste.
Avistei o enfermeiro que tinha ido lá fora com a maca, me aproximei dele.
— Onde está a garota que você trouxe? – Perguntei. Ele me analisou tentando se lembrar de mim. — A garota que foi estuprada.
— Ah, tá. A médica está naquela sala com ela. – Ele apontou para uma sala. — Tem que esperar a médica sair.
— Obrigada. – Falei e ele saiu.
Sentei-me em um banquinho que havia lá e esperei pela doutora. Minhas roupas ainda estavam encharcadas por causa da chuva e comecei a ficar com um pouco de frio.
A chuva ainda caia do lado de fora, não sei se estava do mesmo jeito ou mais forte. Os trovões eram tão altos que fazia o chão tremer.
Um bom tempo depois, uma mulher de jaleco branco e com aspecto de cansaço, saiu da sala. Já deviam ser umas onze a onze e meia da noite.
— A senhora é a médica? – Perguntei.
— Sim. – Foi tudo o que a senhora disse.
— Como ela está?
— Primeiramente ela será encaminhada para fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e após o exame, será encaminhada para a ginecologia, onde serão oferecidos medicamentos principalmente contra o vírus HIV, além de acompanhamento médico, psicológico e jurídico.
— Entendo. Mas...
— Você é parente dela? – A doutora perguntou, examinando minha roupa molhada.
— Sim. Posso vê-la? – Uma mentirinha nunca matou ninguém não é?
— Sim, sim. Daqui a pouco eu volto aqui. – A doutora saiu apressada e me deixou sozinha.
Abri a porta devagar e entrei. Vi a garota deitada com o rosto virado para o lado da parede, estava chorando.
— Você está bem? – Perguntei. Uma pergunta bem idiota para falar a verdade.
A garota me olhou assustada. Parecia estar tentando se lembrar de mim.
— Foi você que me trouxe aqui? – Ela perguntou ainda assustada.
— Não, não fui eu. – Falei. — Eu só queria ver se estava bem.
— Eu jamais serei a mesma pessoa. – Ela disse e fitou o vazio. Seu olhar estava perdido em um ponto na parede, mas sem vê-lo de fato.
A porta abriu de repente e por ela passou uma senhora aflita e um senhor alto. Os dois andaram até onde a garota estava e a senhora a abraçou chorando.
Percebi que eram os pais dela. E sabia que era a minha deixa, antes que eu me encrencasse.
— Obrigada. – A garota falou para mim com os olhos marejados. Acenei com a cabeça e saí da sala
Não sabia pelo quê ela tinha me agradecido. Será que ela reconheceu a minha roupa?
Eu torcia para aquela garota passar por todo esse trauma e que algum dia pudesse ser feliz.
Caminhei na chuva e voltei ao meu esconderijo. Tirei minha roupa ensopada e troquei por uma seca.
Deixei o dinheiro e o celular que eu peguei em cima de uma caixa que havia ali perto de mim. Não sei se o celular tinha salvação, mas o dinheiro depois que secasse era só guardar.
Deitei no meu colchão e me cobri, dando por encerrado a minha noite.
Fim do capítulo
E aí, gostaram?
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Val Maria
Em: 01/04/2017
Autora conheci a sua estória hoje, e mesmo não gostando de estórias incompletas, o título me chamou muito atenção. Me apaixonei por suas personagens maravilhosas e o enredo emocionante. Parabéns por nos presentear com esse trabalho lindo.
Bjssss.
Val castro
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Silvia Moura
Em: 25/03/2017
Ei... estou por aqui, na espreita, esperando pelo próximo, intressante... até mais...
Resposta do autor:
Resposta do autor: Que bom que gostou. Espero não decepcionar nos próximos capítulos. Bjs
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Larissal200
Em: 25/03/2017
Oi!!!
Gostei desse início.
Vou acompanhar. *_*
Resposta do autor:
Oi.
Obrigada por comentar.
Espero que eu possa agradá-la até o final da história :)
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