-- Ash? Aconteceu alguma coisa? - se aproximou para me cumprimentar com um beijo. -- Nada, vim apenas deixar um material que você esqueceu em casa. - se a minha resposta fria ao seu cumprimento não a fez perceber que havia alguma coisa errada, certamente meu olhar o fez. --Deixa só eu fazer uma ligação rápida que te levo pro estúdio. -- Não precisa, não quero atrapalhar o trabalho de vocês. O café fica pra outra hora Kelly. Se desculpe com a Beca por mim. -- Ashley... -- A gente conversa em casa Anne. Bom trabalho pra vocês. Saí de lá rapidamente, não queria conversar com Anne. Não depois de ficar frente a frente com Júlia, logo após minha mulher ter apresentado aquele comportamento estranho em casa. Também não estava com cabeça para trabalhar, então liguei para Hanna e pedi que me substituísse nas sessões. -- Tudo bem Ash, mas você vai ter que me contar o que aconteceu para abandonar um trabalho tão importante assim de última hora. - estávamos fazendo o photoshoot de um cantor recém surgido na midia, o novo queridinho das meninas para uma marca famosa de cuecas. -- Algumas questões para resolver, apenas. Não se preocupa, aposto que você fará fotos muito melhores que as minhas e esses outdoors vai ficar incríveis. -- Eu poderia não me preocupar se você não estivesse triste – difícil disfarçar algo pra Hanna, acho que nem eu mesma me conheço do jeito que ela conhece– Não vou insistir, quando você se sentir á vontade falará comigo, mas não esquece que eu te amo muito e estou aqui para você. -- Brigada meu amor, você é a melhor irmã do mundo sabia? – falei emocionada, sempre soube que posso contar com minha irmã em tudo, mas nessas circunstâncias foi bom ouvi-la. --Boba! Eu sou a única que você tem. Fica bem, também te amo. Depois de falar com Hanna fui para um dos meus lugares preferidos na adolescência, um lago que ficava ao lado da nossa antiga casa. Quando criança não ia muito, mas aos 14 anos, fugi do apartamento de meus avós, numa das crises suicidas de minha mãe e acabei indo à nossa casa antiga, como não podia entrar fui até o lago e a calmaria dalí me tranquilizou . A partir desse episódio, fiz do lago meu refúgio e passei a frequenta-lo, principalmente quando precisava pensar ou queria ficar só. Naquele momento o que eu mais precisava era solidão, pensar sobre o encontro da manhã. Nunca havia me sentido insegura antes, mas as circunstâncias fizeram pensar em coisas que em outra ocasião, seriam motivo de riso. O que mais machucava era imaginar que Anne pode ter feito sex* comigo pensando em outra pessoa. Passei boa parte do dia sentada embaixo da minha árvore pensando em como as coisas aconteceram distintas do planejado por mim, como o amor que sinto por Anne me fez diferente do que costumava ser e inevitavelmente remoendo o medo de perder tudo. Engraçado como há duas noites eu estava certa de que nada poderia mudar. No meio da tarde Hanna e Liz vieram ao meu encontro. -- Sabia que te encontraria aqui – varias vezes Hanna veio me buscar aqui, principalmente quando eu estava tentando achar coragem para contar a nossa mãe e avós que era lésbica, debaixo dessa árvore tivemos longas conversas sobre família, mulheres e aceitação. – Anne ligou várias vezes para saber sobre você, ela tá em casa desde a manhã, preocupada com o teu sumiço. Não falei a ela onde você tava porque imaginei que quisesse ficar sozinha um tempo, mas já é hora de dar notícias, não acha? -- Sim. – as duas sentaram na grama de frente para mim. -- E esses olhinhos tristes? Algo aconteceu contigo e a ruiva. – Liz às vezes parece doidinha, mas é uma pessoa muito sensível e consegue me ler quase tão bem como Hanna. -- Durante esses quase três anos de relacionamento eu achei que éramos feitas uma pra outra, sei lá, pensei que fossemos felizes. Eu tentei ser a melhor pra ela porque acreditei que ela quisesse o mesmo, mas agora não sei mais. -- É mais que evidente o quanto ela te ama, Ash. Vocês estão casadas já sete meses, estão planejando um futuro lindo juntas, isso deveria contar, ou não? – poderia ser simples assim, Hanna, pena que não é. -- Não quando ela é o motivo por eu estar com tantas dúvidas. --O que aconteceu pra você ficar assim, morena? Nunca te vi desse jeito. -- Ai Liz, lembra de quando Anne contou sobre sua saída de casa? – as duas assentiram – O estopim de toda a confusão tá de volta e como se não bastasse é a nova contadora das irmãs. -- Júlia? A "amiga" - assenti - ok ela voltou, e daí? Não é motivo pra ficar insegura. Essa historia faz parte do passado da tua mulher. Vocês tem uma história sólida juntas e não é por ser minha irmã, mas você é uma mulher apaixonante em todos os sentidos e a ruiva te ama. Isso é tão evidente que me surpreende -te encontrar assim sabia? -- Hanna tem razão, não deixa o ciúme e a insegurança te cegarem. -- Eu queria que fosse apenas ciúme. Acontece que... – contei a elas os acontecimentos dos últimos dos dias, ocultando a nossa noite de sex*, não me sentia à vontade para revelar esse medo, nem para minha irmã e amiga. --Ash, às vezes o ciúme prega peças. Talvez o motivo de toda essa angústia seja apenas um mal entendido e você esteja sofrendo por antecipação. Vai pra casa, conversa com a tua mulher, é o melhor que você faz.- no fundo eu sabia que deveria conversar com minha mulher, mas o medo do que poderia ouvir me paralisava. Não era possível que eu tivesse colocado o meu coração nas mãos de Anne e ela agora descobrisse que ama outra. -- Não sei se eu tô preparada pra ouvir tudo o que ela tem a dizer. -- Liz tá certa. Vai pra casa e conversa com a ruiva, vocês necessitam esclarecer essa história. Se aconteceu alguma coisa o mais coerente seria conversar e não se esconder como você fez o dia todo hoje. -Hanna me abraçou, Liz também, a essa hora já chorava de medo, pelo que poderia acontecer. – Confia no amor de vocês e se precisar você liga, qualquer hora que vou te encontrar. ---------------------------------------- Na saída Hanna avisou a Anne que estavam levando Ashley para casa. Durante o trajeto, Liz tentou com seu jeito maluquinho, animar a amiga para que ela não ficasse à mercê dos próprios pensamentos. Apesar da grande amizade que tinha pela fotógrafa, aprendeu a conhecer a ruiva e custava a acreditar que ela, tivesse sequer cogitado trair a esposa. Torcia muito para que toda essa situação não passasse de um mal entendido. -------------------------------------- Quando Hanna estacionou o carro, Anne já estava no portão à minha espera. -- Você quer que eu desça contigo?- Liz me perguntou antes de eu deixar o carro. - Não precisa, querida. - respondi com um sorriso forçado, abraçando a ela é Hanna. - Obrigada por ficarem comigo hoje, meus amores- despedi das duas com abraços e saí do carro rumo ao portão de casa. -- Graças a Deus Ash! Tava quase enlouquecendo de ansiedade com o teu sumiço. - falou através de um abraço que que eu não correspondi, não me sentia motivada para isso. ----------------------------------------------------------- Depois de Ash entrar Anne foi até o carro agradecer a Hanna e Liz. -- Obrigada por cuidarem da Ash pra mim. A essa altura sei que ela conversou com vocês, mas eu juro que tudo não passa de um mal entendido. -- Olha ruiva, eu acredito que você ama Ash, mas não dá vacilo porque eu boto em prática minhas aula de boxe para defender minha amiga e quebro teu nariz! Sem esperar resposta, Liz arrancou com o carro, deixando Anne desconcertada. ----------------------------------------------------------- Quando Anne entrou eu já estava sob o chuveiro, precisava tirar o peso daquele dia e nada melhor que um banho frio. -- Preparei uma sopa leve para o jantar, depois que você comer a gente pode conversar.- falou sentando na tampa do vaso e passando a observar meus movimentos. Após o banho, recusei o jantar e chamei Anne para conversar. -- Anne, você tem algo para contar e eu preciso que seja sincera comigo. – era hora de acabar com a tortura. -- Eu sinto muito pelo que aconteceu hoje. – pegou minha mão – Nunca quis te magoar, apenas não tive coragem para contar sobre Júlia. Por medo de você ficar insegura, terminei fazendo uma besteira enorme. Pequei por omissão. -- E porque a bebida? Aquelas dúvidas sobre o futuro? -- Não vou mentir pra você. Fiquei muito feliz ao ver Júlia, a perspectiva de recuperar nossa antiga amizade me animou e naquele fim de tarde, nós fomos a um barzinho para comemorar. – ao perceber meu rosto se transformar numa expressão desconfiança a ruiva tratou de me abraçar. -- Ash, escuta. Foi apenas um chopp, não houve segundas intenções da minha parte e acredito que de Júlia também não. – permaneci calada ouvindo o que ela teria a dizer. --Toda minha confusão naqueles dias veio de uma briga que tive com Kelly. Reencontrei Júlia há apenas dois dias, mas ela e Kelly não, há algum tempo, se reencontraram através de amigos em comum e se tornaram grandes amigas. -- Então elas conviviam há muito tempo? -- Sim, meses. E ela sabia que sua amiga era também a minha amiga de adolescência, pois a mesma lhe contou. -- Eu não entendo... -- Deixa eu terminar por favor. Kelly confundiu a minha alegria no reencontro com um interesse a mais e acabou brigando comigo, acusando injustamente. Me bateu um medo de você descobrir sobre a nossa saída e interpretar da mesma forma. Me senti culpada por sair com Júlia, senti como se tivesse traído a tua confiança. – eu via verdade nos seus olhos porém algo ainda me incomodava. -- Anne naquela noite você fez sex* comigo pensando nela? -- Jamais, eu fui totalmente sincera quando falei sobre minha emoção ao reencontra-la, mas é só. Me ofende essa pergunta. Você pensou isso mesmo sobre mim? – perguntou já com os olhos rasos. -- Desculpa, missão sei o que deu em mim. Nunca senti esse ciúme, me fez mal e agora tá te machucando também. - não lido bem com pessoas chorando, pior quando se trata da mulher que amo e é provocado por mim. -- Vem aqui amor. Prometo nunca mais te fazer passar por algo assim. Vamos conversar como sempre fizemos e evitar que a falta de diálogo crie situações como essa – nos seus braços eu liberei toda a tensão acumulada após o fatídico encontro. -- Foi tão ruim a sensação de perda iminente, a dor somente de pensar na possibilidade de você estar arrependida de tudo que vivemos nesse tempo. Lembra o que sempre te falei sobe Lealdade? – a ruiva assentiu enquanto segurava minhas mãos- Então. Espero que você seja sempre sincera comigo em relação aos teus sentimentos, se algum dia sentir que já não me ama mais da mesma forma, que está se apaixonando por alguém, quero que seja sincera comigo. Sei que será muito difícil viver sem você, porém vai permanecer o respeito que tenho por ti e um dia, quando eu tiver colado os pedaços do meu coração, talvez possamos ser amigas. -- Amor, jamais partirei teu coração. Eu amo você e jamais mais vou querer outra pessoa. Ninguém mais será capaz de me fazer feliz como você tem me feito nesses anos que estamos juntas. Jamais vou cansar de dizer que te amo. Eu amo você Ashley Grace, há muito tempo te dei meu coração de presente e não aceito devolução. --------------------------------------------------------------- Kelly: Climão o encontro de Ash e Jú. Há dois dias eu temi que essa história não acabasse bem, mas Anne convenceu de que Júlia era coisa do passado, agora sinto culpa pela contratação de Júlia, apesar de não ter feito esforço algum para trazê-la ao nosso convívio. Torço muito por Anne e Ashley, não gostaria de ver o relacionamento que elas construíram abalado por culpa de minha amiga. Há meses talvez até desejasse isso, mas não agora. Cresci com homofóbicos país de uma lésbica, então ouvi toda sorte de coisas a respeito dessa “falta de vergonha” e infelizmente reproduzi tal atitude, inclusive com minha irmã. Fui cruel, egoísta, preconceituosa. Descobri muito tarde quem realmente tinha valor entre meus pais e irmã e infelizmente perdi um tempo precioso com ela. Para minha sorte Anne é uma pessoa com grande capacidade de amar e nunca desistiu de mim, com ela aprendi muito sobre amor e respeito incondicionais. No mundo de Anne encontrei pessoas que também me ensinaram bastante sobre a vida, totalmente distinta daquela realidade paralela na qual eu vivia alienada junto aos meus pais e marido. Foi doloroso o despertar, mas no fim valeu a pena, pois agora tenho amigos verdadeiros e uma família que me ama acima de tudo e com quem aprendo cada dia a ser um ser humano melhor. Ash é uma dessas pessoas que a vida me presenteou, não tenho a facilidade de minha irmã para expressar sentimentos, por isso talvez ela nem saiba da admiração que lhe tenho enquanto mulher, profissional e esposa. Ela e Anne me inspiraram a buscar minha independência financeira, fizeram ver que poderia tomar as rédeas da minha própria vida, ser uma mulher independente. Por elas também voltei a acreditar no amor e na possibilidade de um dia encontrar alguém que me ame de verdade, após minha experiência desastrosa com Orlandinho passei a ver tudo isso como fantasia de garotinhas românticas. A primeira vez que vi Ash, estávamos na véspera do meu casamento, naquela época sabia quais as motivações do matrimônio, mesmo assim nutria a esperança de viver com meu noivo uma vida de contos de fadas, porém ele não se esforçava e apesar de tentar me enganar sentia o peso de sua rejeição. A morena com aquele sorriso fácil e exuberância consegue chamar atenção das pessoas sem dificuldade, com Orlandinho não foi diferente, por despeito a tornei alvo de todas as minhas frustrações. Dois anos depois, quando descobri que justamente a fotógrafa metida era a namorada de minha irmã, fiquei muito contrariada. Não bastava conviver com esse tipo de coisa, ainda teria que ser com a pior de todas as escolhas, com certeza ela iria monopolizar Anne e eu continuaria abandonada depois de pensar, que teria minha irmã comigo. Tentando de uma forma bem sutil sabotar o namoro das duas, comecei a prender Anne comigo o máximo que pudia, a grandona que se virasse sozinha. Quem sabe com o tempo Anne aprenderia comigo a gostar de garotos novamente? Eu só não imaginava que o sentimento que as unia fosse tão forte, percebi logo que sabotando o namoro das duas estaria minando a felicidade de Anne. Quando minha irmã pediu Ashley em casamento, resolvi cuidar de minha vida e deixar que elas seguissem com a sua. A partir do momento que deixei de ver Ash como rival,descobri o quão perfeitas elas são uma para a outra, dá gosto ver o quanto se empenham a cada dia para merecer o amor da outra, incentivam o crescimento pessoal e profissional da esposa e estão sempre lá para aplaudir ou confortar independente dos resultados, tão diferente do que eu vivi e vi se desenvolver no meu entorno.Espero, sinceramente que a união delas não fique estremecida. Júlia tem me feito muito bem ultimamente, é uma amiga leal que me escuta e aconselha sempre que necessito, a considero minha mentira profissional, junto à minha irmã. A reencontrei alguns meses atrás no coquetel de inauguração da filial da L&M, escritório que presta acessoria à Vibe's. Luís e Marcela, futuros herdeiros do empreendimento são amigos da época da escola e Júlia uma das mais recentes contratadas, com um currículo invejável, que administraria justamente a nova filial. Não lembrava exatamente dela, ao contrário da mulata que me reconheceu de cara. A própria se aproximou e tivemos uma noite muito agradável. Depois desse primeiro encontro, passamos a nos ver com frequência, eu ainda aprendendo a caminhar com meus próprios pés e ela voltando de um longo tempo fora do Brasil. Contei a ela minha vida, foi inevitável não falar sobre Anne e uma surpresa grande quando ela me confidenciou saber que Anne a amava na adolescência. Segundo a mesma, na época, era muito imatura para entender o que acontecia entre elas. Depois dessa confidência notei que Ju, sempre dava um jeito de incluir Anne em nossas conversas, dando a impressão de que se minha irmã a quisesse agora, não deixaria a oportunidade passar. Por isso até, evitei contar a Anne sobre Júlia, sabia que ela procuraria a amiga e não quero que a mulata se sinta motivada a investir nela, pois sei do seu poder de sedução e tenho medo que Anne cometa um erro do qual se arrependerá depois.

Fim do capítulo