Entre Rãs e Martinis
Tudo o que eu precisava era daquela linda, deliciosa, confortável e desejável poltrona pra poder desabar. Tinha tomada uma ou outra além da conta. Aliás, já nem sabia mais se tinha alguma conta. A vida distorcida estava se tornando muito habitual, eu já estava íntima da privada, de tanto que conversávamos cara a cara no meio das noitadas sem fim.
Eu tinha uma vida de sonho, tinha um enorme sucesso no trabalho que todas invejam, estava cercada de gente festeira, alegre, martinis eram mais comuns do que água e o sex*, ah o sex*, como era fácil, rápido e indolor. Naquele instante, jogada na mais confortável, e cara, poltrona que se pode comprar eu me sentia privilegiada.
Tentei lembrar o lado ruim, porque sempre existe o lado ruim. Na verdade, tinha pensado sobre isso ainda naquela tarde, quando, logo após acordar, estava sentada na varanda do quarto, ouvindo o pessoal na piscina conversando e rindo. Gargalhando, pra ser mais exata. Mas naquele momento eu já não podia lembrar o que tinha pensado antes, o mundo rodava agradavelmente e eu não tinha muito controle sobre meus músculos. Só me lembrava do som dos risos e deles terem me provocado uma sensação muito forte, muito ruim, mas certamente efêmera, pois sumiram logo em seguida, quando a Ju apareceu com uma taça de Martini.
Já fazia vinte e cinco meses que eu morava na casa dela. Interessante que ainda naquela poltrona, no meio de uma festa e quase “alta” demais, não conseguia chamar aquela belíssima casa de “nossa”, ou mesmo de “lar”. A Ju me chamaria de tonta pela primeira e de tola pela segunda. A ideia de lar não a agradava, mas ela fazia questão de dizer que tudo o que tinha era meu também.
Era meu o seu quarto, algumas gavetas, um closet, seus amigos. Ju dividia comigo desde um pedaço de seu filé até as pessoas que conquistávamos, ela tinha me ensinado a simplesmente aceitar as coisas assim, sem posses, porteiras ou redomas.
Confesso que não foi fácil pra mim. Eu era bicho do mato, ela tinha me descoberto, literalmente, no brejo. Suas amigas adoravam ouvir essa e outras histórias das minhas aventuras de mocinha do sítio, de uma vida que pra elas era exótica, mas que tinha gosto de dura realidade no meu agora nebuloso passado. As rãs que eu caçava matavam a fome dos ‘barrigudinhos’ de casa, mas também tinham presença em alguns restaurantes da cidade, nos quais eu entrava pela porta dos fundos, como fornecedora de quinta categoria.
Ju viu beleza em mim, seu olho era muito bom pra identificar um produto bem aceito no mercado. Tinha trabalhado algumas décadas como agenciadora de modelos antes de ter sua própria empresa, seu feeling era matador. Ela, mais do que conservar belos traços que lembravam sua juventude, se agarrava a eles, se agarrava à beleza, à convulsão de corpos, às coisas que podia exibir, que a tornavam mais poderosa, mais respeitada, mais dominadora. Exibia ao mundo seus troféus e suas glórias, tudo e todos que o dinheiro pudesse comprar. Inclusive a mim.
Talvez fosse o efeito da bebida passando, ou o mesmo frio no estômago que sentira mais cedo ao ouvir aqueles risos estridentes que agora se repetiam, mas a sensação de estar enrolada, mumificada, presa em uma teia esperando que as aranhas viessem sugar minha essência para obter sua vida eterna, me fez levantar de um salto, colocar algumas roupas em uma mochila e sair daquele quarto quase correndo.
Precisava ir e não sabia para onde. A estrada de tijolos dourados tinha me levado para aquela vida e minha bagagem era pesada demais para se carregar. Agora eu tinha uma carreira de sucesso, tinha fama, tinha cobiça, tinha dívidas morais tanto com as pessoas do presente quanto com as do passado. Não sabia se poderia voltar para o brejo, para as rãs, para a lama, para a família que recebeu de mim algum dinheiro, mas nenhuma visita naqueles dois anos.
Eu já não era mais a mesma, não tinha mais um rosto próprio, me sentia como uma maquiagem mal feita que se decompõe com a chuva e meus pés escorregariam no lodo.
Cruzei com Ju na saída, ela me segurou o braço, pediu entre risos quase soluçados que eu contasse aos seus novos amigos a história verídica da vaca que foi para o brejo. Eles riam, ela me serviu um Martini e levou para o quarto a mochila que deixei no chão ao pegar a taça.
Fim do capítulo
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Zaha
Em: 03/06/2017
Oiee
A figuraça (eu) chegou aqui!!
Mira vos, me gustó mucho!
Pena que a personagem en medio a tanto dinero estaba mas pérdida que turco en la nieve.
Hablaré como vos..este pequeño texto y que es probable que muchas personas que pasaron por aquí no lo entienderon lo q quisiste transmistir por trás de las palabras, daría una buena tesis....
No me extrañes, cada día voy a ler un textinho tuyo lleno de cosas para se pensar! !
Besitoss
Resposta do autor:
Pensa mesmo, pensar é um exercício interessante. Vc ouviu a música que indiquei? Na música o guri consegue retornar pelo caminho dourado e vai reencontrar o seu sapo de casco duro. No conto ela ainda se perde entre martinis, quem sabe um dia a estrada grite com tanta força que ela não consiga fugir, não é?
Besitos o/
Zaha
Em: 12/06/2017
Pensar sempre é benéfico,claro o pensar que vc apontou aí!
Quando li nao tinha visto o vídeo, mas quando vc respondeu eu fui ver. É pq li no celu e gosto de tá com as duas janelinhas abertas! Faz frio aqui,no quarto onde se encontra o pc. Trato de usar mais o celular e meu note quebrou há muito tempo!
Fala que o caminho dele nao se encontra ali,tinha que buscar outra versao,que n sei se se tratada da mesma musica pq n sei inglês... mas tudo bem. Ainda que tivesse visto o mesmo vídeo n consigo escrever lindo como vc ou dá essa interpretaçao...vc fala difícil mts vezes ...desculpa! ;(
Besitos
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