Capítulo XIV
Os ponteiros do relógio se mexiam diante dos olhos de Marina e tudo o que ela queria era impedir que eles continuassem andando. Queria que o tempo parasse o suficiente para que ela pudesse colocar os pensamentos no lugar. Mas não adiantava; o mundo continuava a girar contra a sua vontade e tudo parecia mais confuso a cada segundo que passava.
Ela atendeu o telefone celular, sem deixar de encarar o relógio que a hipnotizava.
— Ei, Cláudia.
— Tem compromisso hoje?
Marina moveu a cabeça para a esquerda e para a direita.
— Não…
— Bom, estou prestes a mudar a sua resposta. ‘Tô esperando você abrir a sua porta.
Quando o telefone desligou, Marina o tirou de perto de seu ouvido, olhando para a tela e tentando ver se ela conseguia ter alguma resposta para o que tinha acabado de acontecer. Como seu objetivo não se cumpriu, ela resolveu que iria então abrir a porta.
— Achei que você ‘tava ligando da livraria e que ia me chamar pro lançamento.
Cláudia deu um sorriso de lado.
— Pessoalmente sempre dá mais certo pra você.
Marina deu de ombros, sentando no sofá.
— Ela não precisa de mim. Você pode fazer companhia. E… bem, ela pode sempre chamar a ex, atual ou sei lá o que ela é.
Um suspiro profundo e Cláudia já estava sentada ao lado de Marina.
— Se ela tivesse voltado com a tal moça, não acha que teria ido com ela ao lançamento, e não comigo?
Ela olhou para Cláudia.
— Você tem razão. Mas…
— Nada de mas - ela interrompeu Marina, segurando a mão dela. — Só vamos lá apoiá-la e deixa o resto acontecer.
Cláudia levantou, ficando de frente para Marina, estendendo a mão. Marina olhou para os olhos da amiga, pegando a mão e resolvendo que não deveria ficar ali parada, deixando o tempo continuar a andar.
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Quando os olhos de Marina cruzaram com os de Luciana, ela soube que deveria estar naquele lugar e nenhum outro. Não se perdoaria se perdesse aquele dia.
Marina piscou para Luciana, antes de ir para o caixa pegar um dos livros da amiga. Depois de pagá-lo, andou para a fila, entortando o nariz para o tanto de gente na sua frente. Contou em sua mente o tempo que a separava de Luciana e, a cada movimento da fila, seu sorriso aumentava.
— Você sabe que não precisava pegar essa fila, não é?
Marina sorriu, deixando que Luciana pegasse o livro de suas mãos e lhe indicasse o lugar para se sentar, bem ao lado dela.
— E me privar do ritual de fã? Nem pensar.
O riso de Luciana trouxe o seu. Era sempre assim para Marina quando estavam juntas: alguma coisa fazia com que elas estivessem em constante sintonia.
Marina observou enquanto Luciana abriu o livro em uma página qualquer, encostando a ponta da caneta na folha de papel.
— Vamos sair amanhã à noite?
A frase fez com que Marina perdesse o fôlego no mesmo segundo. Ela então se lembrou de respirar, continuando a sorrir.
— Claro, a gente combina com o pessoal pra ver aquele filme…
— Não, Marina, você não entende – Luciana a interrompeu, colocando a mão sobre a sua na mesa. — Só… eu e você.
O calor da mão de Luciana percorreu cada centímetro do corpo de Marina em um único segundo. Elas tinham saído juntas tantas vezes, sim, mas o significado daquelas palavras mostrava que aquele seria um momento diferente de todos os outros. Marina respirou devagar, tentando colocar os pensamentos em ordem. Havia uma pressão para que a resposta, algo que a deixava ainda mais tensa. Ela indicou o livro, tentando fazer com que os olhos de Luciana se desviassem, assim ela poderia fazer com que as palavras saíssem com alguma coerência.
— Sim, eu quero sair com você.
Luciana interrompeu a escrita, olhando para Marina.
— Sim?
— Sim.
Marina achou graça ao ver Luciana apressar o autógrafo e pegou o livro assinado em mãos.
— Mal posso esperar.
As duas se levantaram, e Luciana indicou a câmera da pessoa da editora que estava responsável pelas fotos dos leitores com a escritora. Ela olharam para a lente e fizeram a pose, juntando os seus rostos para que o rapaz tirasse a sua fotografia.
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Marina observava Luciana à distância, conversando, rindo e interagindo com todas aquelas pessoas que estavam ali para vê-la e prestigiá-la.
— Você já viu Luciana tão confortável cercada de tantas pessoas?
Olhando para Cláudia, Marina colocou a mão na boca.
— Não, nunca.
— Ela ‘tá no lugar onde pertence.
Marina voltou a olhar para Luciana, um sorriso se abrindo em câmera lenta.
— Sim, ela está. Mas acho que falta uma coisa ainda.
Ela então olhou para Cláudia, deixando que o silêncio entre as duas desse o significado das palavras.
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A livraria estava se esvaziando, deixando apenas uns poucos compradores para trás, além dos funcionários que estavam colocando todas as coisas no lugar. A tranquilidade contrastava com o intenso movimento que tinha tomado conta do lugar meia hora antes.
Marina estava encostada em uma prateleira, folheando o livro em suas mãos. De vez em quando seus dedos selecionavam de propósito a página do autógrafo, lendo as letras cursivas mais uma vez. O coração acelerava mais uma vez e ela sorria.
Em algum momento Luciana, que conversava com alguém da editora, se aproximou dela, e Marina fechou o livro num piscar de olhos, como se ele fosse um diário repleto de segredos que desejava manter longe do conhecimento da humanidade.
— Que dia corrido.
Luciana parou ao lado de Marina, olhando para a frente.
— Você parecia feliz hoje. Realizada.
Marina olhou para Luciana quando ela riu alto.
— Então eu consegui disfarçar meu nervoso?
— Muito bem, nem deu pra perceber.
Luciana começou a olhar para os próprios pés e Marina respirou fundo.
— Mas acho que consegui ficar mais calma quando você apareceu.
Os olhares se encontraram e Marina pensou que poderia se perder na imensidão daquelas orbes verdes.
— Eu não podia perder isso, Lu.
Luciana se aproximou dois passos.
— Então você não estava mais brava comigo?
— Eu não estava brava.
— Não foi o que pareceu do meu ponto de vista.
Marina deu de ombros e Luciana riu.
— Eu achei que você tinha voltado com a sua ex.
Luciana ficou séria de repente.
— Mas eu não voltei. Dei um ponto final em tudo.
— E ela aceitou numa boa?
— Ela não teve muita saída — Luciana se aproximou mais um pouco, tocando o rosto de Marina. — Quando eu disse que estava apaixonada por você.
Marina viu quando Luciana mordeu o lábio inferior e ela soube que a pressão estava ao seu lado. Sua respiração ficou pesada e as faces esquentaram.
— Foi um bom argumento, de fato.
Os olhos de Marina se fecharam quando Luciana começou a acariciar seu rosto com o dedão. Esse gesto de Luciana pareceu durar uma eternidade, até que parou de repente. Então ela sentiu o toque dos lábios de Luciana nos seus.
Fim do capítulo
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