Capítulo VIII
Luciana olhou um tempo para a campainha, calculando o quanto de força usaria com seu dedo no pequeno dispositivo. Ela não conhecia aquele modelo, então não tinha certeza se acabaria produzindo uma quantidade desnecessária de barulho ao apertá-la. Em contrapartida, também temia acabar apertando pouco e acionando um ruído que não fosse suficiente para fazê-la ser atendida, tendo que repetir aquela ação mais uma vez.
Fez mais algumas reflexões até perceber que estava demorando demais para realizar uma tarefa simples. Suspirou e resolveu agir ao invés de pensar, apertando a campainha a meia força. Aguardou alguns segundos, já pensando que não tinha aplicado força suficiente, até que ouviu a porta ser destrancada. O alívio tomou conta de Luciana quase que imediatamente e ela conseguiu sorrir.
— Ei, você veio!
Marina recebeu Luciana com um sorriso nos lábios e uma taça em mãos, repleta de um líquido vermelho translúcido.
— Você acha mesmo que ia perder a comemoração do seu aniversário? — Luciana afirmou, feliz por ver a descontração da amiga.
Luciana se inclinou na direção de Marina, encontrando-a no meio do caminho em um abraço demorado e confortável demais, do qual ela não desejava se desvencilhar. Elas se separaram eventualmente, e Marina indicou com a mão livre a entrada.
— O pessoal ainda ‘tá chegando — Marina disse, fechando a porta atrás de si. — Então pode ficar à vontade. Vou chamar a Cláudia na cozinha, estou ansiosa para apresentar vocês.
Marina se retirou da sala, deixando Luciana com uma sacola nas mãos.
— Acho que cheguei meio cedo demais…
A frase foi murmurada por Luciana, em um daqueles momentos em que ela falava consigo mesma. Então ela olhou ao redor, pensando se deveria esperar que a amiga retornasse ou se era melhor sentar logo no sofá. Antes que chegasse a uma conclusão definitiva, Marina acabou retornando, acompanhada por outra mulher.
— Então essa é a famosa Luciana?
— É ela mesma — afirmou Marina, sorrindo.
Luciana deu dois passos curtos na direção da companhia de Marina.
— Isso só pode significar que você é a Cláudia.
A mulher ao lado de Marina assentiu, andando na direção de Luciana e se inclinando para cumprimentá-la tocando-lhe o rosto e fazendo barulho de beijo estalado com os lábios.
— Espero que a gente tenha várias oportunidades para conversar hoje — Cláudia disse, indicando o sofá para Luciana. — Quero muito conhecer você.
O olhar de Luciana encontrou o de Marina.
— Não sei se isso significa que você falou bem ou mal de mim.
Marina apenas deu de ombros, brincando de fazer mistério, mas sendo traída pela própria risada.
— Depois você me dá o veredicto.
Luciana sorriu e já se preparava para sentar ao lado de Cláudia quando percebeu que ainda tinha o presente de Marina em mãos.
— Comprei pra você.
A voz de Luciana saiu dois tons abaixo do normal e ela estendeu a sacola, sem dar nenhum passo na direção de Marina.
— Não precisava, Lu…
Marina disse com um sorriso largo nos lábios, indo na direção da amiga e pegando a sacola. Os dedos ágeis brigaram com o embrulho, até perderem a paciência, rasgando o papel de presente.
— Espero que goste — Luciana sussurrou.
Marina continuou sorrindo, passando a mão pela capa do exemplar de Comer, rezar e amar que tinha acabado de ganhar.
— Você lembrou?
Luciana apenas assentiu, antes de receber um abraço da aniversariante.
.::.
Quando Cláudia retornou com mais um copo, Luciana pensou que tinha que colocar o pé no freio, mas não conseguia.
A festa estava tranquila, com a quantidade certa de pessoas e um som ambiente agradável. Marina andava de um lado para o outro, tentando dar atenção a todos os convidados, como se esperava da aniversariante. Luciana às vezes a procurava com os olhos, encontrando-a e retornando em seguida para a conversa com Cláudia, que era uma pessoa mais agradável e espontânea do que ela poderia imaginar.
— Esse vai ser o último — Luciana disse, pegando o copo da mão da Cláudia. — Preciso conseguir chegar em casa. Quer dizer, achar o caminho até lá.
Cláudia soltou uma risada, sentando-se ao lado dela no sofá.
— Qualquer coisa a gente banca um táxi, não se preocupe. Marina disse que você não mora assim tão longe.
Luciana deu um gole em sua bebida.
— Não mesmo.
— Então ‘tá fácil resolver isso.
Luciana sorriu, buscando mais uma vez Marina com o olhar e vendo que ela conversava com alguém, um sorriso franco nos lábios.
— Que bom que ela está feliz hoje — Luciana comentou, voltando a olhar para Cláudia. — Parece feliz.
O sorriso de Cláudia desmanchou e seu semblante ganhou seriedade.
— Ela ‘tá dando passos importantes. Tirou da vida dela o que fazia mal e agora ‘tá fazendo terapia e lidando com as questões que ficaram disso tudo.
Luciana tomou mais um pouco do conteúdo do copo, lembrando que Marina tinha comentado do psicólogo chamado Jonas, que tinha uma paciência que transparecia no olhar e óculos que insistiam em escorregar pelo nariz.
— Eu não queria que ela tivesse encontrado… essa pessoa que fazia mal a ela por minha causa.
Cláudia se ajeitou na poltrona.
— Não é sua culpa, ela queria ajudar.
— Eu sei.
Luciana olhou para o chão e ouviu Cláudia suspirar.
— Ele não vai ser mais problema, Luciana, não se preocupe. Ela ‘tá no caminho certo agora. Já ‘tá entendendo o tipo de relacionamento que ela tinha com o Pedro. Quem sabe até se anime em retomar a faculdade de Direito?
— Não sabia que ela queria voltar. Achei que não era o que ela queria.
Cláudia suspirou mais uma vez e Luciana voltou a olhar para ela.
— Ela queria e eu acho que ainda quer. Tenho a impressão que a mente dela nunca perdeu esse sonho na verdade, mas… às vezes a gente desiste das coisas por achar que vai ser tudo melhor assim.
Luciana mordeu o lábio inferior, trazendo à memória o momento em que se encontrou na mesma situação de Marina. Tinha deixado um sonho para trás, tentando se convencer de que não era algo que desejava. Mas, no fundo, sabia bem que nunca tinha perdido a vontade de tentar.
Se não fosse por Marina, Luciana nunca teria tirado aquele sonho do fundo da gaveta, sacudindo a poeira sobre ele e trazendo-o de volta à luz do sol.
— Talvez ela só precise olhar para ele outra vez e perceber que não quer deixar esse sonho escondido.
.::.
A casa de Marina se esvaziou em uma velocidade que impressionou Luciana e logo ela se viu apenas na companhia da aniversariante e de Cláudia. As três moças terminavam de coloca uma ordem na casa, que não estava exatamente bagunçada, mas dava mostras de ter sido ocupada por uma quantidade considerável de pessoas.
— Vocês não precisavam me ajudar, sabem disso — Marina protestava, terminando de ajeitar uma vaso sobre a mesinha de centro na sala.
Cláudia estava na cozinha e apenas deu de ombros, terminando de guardar alguns copos no armário da cozinha.
— Pode até ser que a gente não precisava — Luciana comentou, terminando sua parte e sentando no sofá. — Mas fizemos do mesmo jeito.
Marina levantou a sobrancelha.
— Não fiz bom negócio em juntar vocês duas — Marina disse, rindo e sentando ao lado de Luciana.
— Você se divertiu bastante — Luciana afirmou, olhando no fundo dos olhos de Marina, como se pudesse ler o que estava ali.
Marina assentiu, sorrindo.
— Sim, muito.
— Que ótimo — Luciana olhou para o outro lado e depois voltou a encarar a amiga. — Eu queria dar outro presente pra você.
Marina franziu o cenho.
— Você não parece ter outro embrulho.
Luciana riu.
— Não tenho. É que… lembra que você fez eu tirar o meu sonho do limbo? Eu gostaria de oferecer uma ajuda pra reviver o seu… se você quiser que eu ajude, claro.
O semblante de Marina ganhou seriedade.
— Nossos sonhos são diferentes, Lu.
— Eu sei que são. Mas não quer dizer que o seu não seja importante, pelo contrário.
Marina desviou o olhar.
— Talvez não tenha que acontecer, sabe?
Luciana colocou sua não sobre a de Marina, fazendo com que a amiga voltasse a olhar para ela.
— Você não vai saber se não tentar.
Marina mordeu o lábio inferior, suspirando.
— Vou pensar sobre isso. Eu…
— Sim, pense o tempo que precisar.
Marina assentiu, levantando e caçando o celular em algum lugar.
— Vou chamar um táxi pra vocês.
Cláudia esperou que Marina fosse para o outro cômodo para se sentar ao lado de Luciana.
— Acho que agora ela vai olhar pra esse sonho.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
rhina
Em: 20/09/2016
Olá.
Bom dia.
Mais um passo importante.
Tudo indo bem e com cautela.
Perfeito linda autora.
Carinhoso. ...gentil....calma mas cheio de emoções e intenções.
Beijos.
Rhina
Resposta do autor:
Heeeey,
Desculpa a demora em responder seu incrível comentário, são dias muito corridos ultimamente.
Fico feliz que esteja gostando.
Bjos :*
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