Capítulo 36.

 

Victoria estava no estacionamento do prédio, onde morava com as primas. A jovem estava perdida em pensamentos. Vick ficou um tempo assim, até finalmente sair do carro. Distraída, não percebeu que alguém se aproximava. Estava fechando a porta do veículo quando percebeu que alguém corria em sua direção. 

 

-- Não grita! Passa tudo que tu tem aí!

 

Vick sentiu que tinham colocado algo em sua cintura, que parecia uma arma. A médica levou um susto tão grande que deixou cair todos os papéis que estavam em sua mão. 

 

-- Ai meu Deus! - disse nervosa. 

 

Gargalhadas altíssimas soaram sem parar e Vick percebeu que havia sido enganada. Respirou fundo e virou-se para encarar aquele ser pequeno que ria sem parar de sua cara. A jovem fechou a cara. 

 

-- Hahaha.... Muito engraçado, Ana Carolina. 

 

-- Ai Vick! Tu é comédia demais! - continuava rindo. 

 

-- Não vejo graça nenhuma. Você quase me matou do coração. 

 

-- Quem disse que era pra tu rir? - disse ainda rindo - Era para o meu divertimento, tua opinião não é importante. 

 

-- Palhaça! 

 

-- Sério que tu pensou que eu fosse bandido? 

 

-- Eu fiquei nervosa. 

 

-- Minha voz nem é grossa, mas eu consigo imitar bem né?

 

-- Nenhum pouco... Isso não se faz, Carol... É errado. Você não devia dá esses tipos de sustos nas pessoas, às vezes isso é muito feio e... -  Vick desandou a falar. 

 

Carol tirou a revista de caça palavra de seu bolso e ficou distraída, procurando as palavras. Vick andava de um lado ao outro e não parava de falar, até perceber que Carol não prestava atenção em nada que ela dizia. 

 

-- Carol! - gritou irritada. 

 

-- Hã? Oi? Já terminou a ladainha? - disse entediada. 

 

-- Sua idiota! - falou caminhando em direção ao elevador. 

 

-- Também te amo, Victoria! - a baixinha falou rindo e seguindo a prima - Cadê meu abraço? 

 

Victoria parou de andar e voltou-se em direção a baixinha. Vick abraçou Carol apertado por um longo tempo e depois beijou seu rosto. 

 

-- Como você está? - perguntou sorrindo. 

 

-- Eu tô bem - Carol também sorriu, franzido o nariz. 

 

Vick observou as sardas que a prima tinha sobre o nariz e a maçã do rosto, eram muito delicadas. O tempo só tinha feito bem a Carol. A adolescente tinha ficado para trás. A baixinha estava com alguns cachos, devido o tratamento contra o câncer, seu cabelo liso bagunçado havia mudado, mas continuava com a mesma cor, castanho clarinho, daqueles que já foram loiros um dia. Tinha o sorriso perfeito e sem aparelho, o rosto estava limpinho, sem os resquícios da adolescência, e o corpo era de uma mulher feita, apesar de magrinha. O sorriso continuava sapeca e seus olhos pretos, mantinham o mesmo brilho de antes. 

 

-- Tô morrendo de fome - disse baixinha. 

 

-- Vem... Vamos subir - Vick pôs o braço por cima do ombro do prima. 

 

-- Vamos... Espero que tenha sorvete de morango - disse animada. 

 

Vick revirou os olhos e riu. 

 

As duas entraram no apartamento e Carol viu que Murilo dormia no sofá. A baixinha aproximou-se dele e sorriu sapeca, olhando para Vick, que fez sinal negativo com a cabeça. 

 

Carol deu tapas na bunda do rapaz. 

 

-- Acorda seu corno manso! - gritou. 

 

Murilo acordou assustado.

 

-- Amor, eu não fiz nada juro, por favor, não jogue nada em mim! - disse rapidamente e tonto. 

 

Carol e Vick caíram na risada. 

 

-- Vish, esse daí pensa que vai ser espancado - Carol falou divertida. 

 

Murilo observou as primas e respirou aliviado. 

 

-- Graças a Deus é vocês duas... Pensei que eu tava sendo acordado pelo capeta Rosiléia... Já tava me preparando pra levar um tijolo na cabeça, daquele projeto de Hulk. 

 

As duas não paravam de rir. 

 

-- Sério, aquela mulher o que tem de gostosa, tem de violenta - disse fazendo uma careta. 

 

-- Claro né, com esse nome... Ela tinha que descontar a raiva em alguém e você foi o grande escolhido, meu primo canalha - a baixinha falou sarcástica. 

 

-- Credo, vocês mulheres têm problemas. 

 

-- Corrigindo... Sua mulher tem problema, primeiro por ter casado com você né... Só alguém muito louca mesmo - Carol. 

 

-- Isso não tem graça - disse sério - Um dia desses ela me jogou a frigideira... Só porque eu cheguei um pouquinho tarde. 

 

-- Um pouquinho? - Carol perguntou duvidando. 

 

-- Sim, duas horas da manhã nem é tão tarde assim né. 

 

-- Coitada dela... Recebeu umas galhadas. 

 

-- Claro que não, meu carro quebrou, por isso eu demorei. 

 

-- Ela acreditou nessa mentira? 

 

-- Não... - Murilo falou fazendo uma careta - Levei umas frigideiradas nas fuças e depois a gente se entendeu fazendo outras coisinhas... Se é que vocês me entendem - disse malicioso. 

 

-- Eca - Carol fez uma careta - Não quero saber dessas suas coisas intimidades... Cadê minha irmã linda e maravilhosa? 

 

-- Ela disse que ia dormir. 

 

-- Vou lá - Carol falou correndo em direção ao quarto da irmã. 

 

Vick aproximou-se de Murilo. 

 

-- Você está bem? - ela percebeu os arranhões no jovem. 

 

-- Eu vou sobreviver - respondeu sorrindo. 

 

****************

 

Rebecca ainda estava almoçando com Cassandra e sua mulher, agora estavam acompanhadas de Poliana e as outras enfermeiras.

 

-- De onde você conhece a Victoria? - Poliana perguntou curiosa. 

 

Rebecca encarou a enfermeira. 

 

-- Eu a conheci quando éramos apenas adolescentes, faz alguns anos... Desde que voltei para Nova York nunca mais a tinha visto. 

 

-- Ah, entendo. 

 

-- A Vick é enfermeira como você? - agora era a ruiva que tinha curiosidade. 

 

-- Não, Victoria é médica... Faz residência no hospital onde eu trabalho.

 

-- Nossa, que legal - Rebecca abriu um leve sorriso. 

 

-- Sim... Então você conhece as primas delas? - Poliana sorriu. 

 

Rebecca que tomava suco se engasgou e começou a tossir. Ficou vermelha. 

 

-- Você está bem, amor? - Amanda perguntou preocupada. 

 

-- Sim, apenas engasguei sem querer - a ruiva disse ainda vermelha e nervosa. Tinha medo de perguntar, seu coração estava batendo rapidamente - Quais primas? - perguntou depois que ficou mais calma. 

 

Poliana sorriu. 

 

-- A Érika e a Luiza. 

 

Rebecca sentiu a mão tremendo e a apertava forte, tentando se controlar. Amanda observava a expressão da esposa e sabia que ela estava diferente. 

 

-- Sim - Rebecca disse tentando controlar a voz. 

 

-- Elas são todas médicas. 

 

Rebecca ficou surpresa e ao mesmo tempo sentiu algo diferente. Não conseguiu entender. Amanda percebendo que a ruiva não conseguiria falar nada decidiu se pronunciar. 

 

-- Uma família de médicos, isso é lindo - disse simpática. 

 

-- Muito - Poliana estava animada e nem havia percebido a mudança em Rebecca - Aliás, quando vocês pretendem voltar para Nova York? 

 

-- Não sabemos - Amanda disse encarando a ruiva. 

 

-- Bom, se vocês estiverem aqui no sábado, estão convidadas para minha festa de aniversário, será uma prazer recebê-las - disse animada. 

 

-- Se nós ainda estivermos por aqui, iremos sim - Amanda continuava sendo simpática  - Agora precisamos ir... Nós ainda temos alguns assuntos para resolver. 

 

Rebecca pareceu ter voltado ao normal e se despediu das mulheres educadamente. O caminho para o hotel foi feito no mais profundo silêncio. Amanda sabia que a ruiva estava diferente e que Victoria havia despertado lembranças na empresária, e tinha quase certeza que a Luiza médica era mesma Luiza do passado de Rebecca. A garota que ela havia amado muito. 

 

*****************

 

-- Por que você não disse que estava vindo? - Luiza perguntou apertando a baixinha. 

 

-- Mas era surpresa, Luh... Eu não podia contar né. 

 

-- Hmmm... Sua chatinha - Luiza disse apertando a bochecha da irmã. 

 

-- Para, Luh!! - Carol falou se afastando e fazendo massagem na bochecha - Não sou mais criança - fez bico. 

 

-- Imagina - Luiza disse rindo - me diz o que você andava aprontando? 

 

Os olhos de Carol brilharam. 

 

-- Estava no Rio de Janeiro vendo as olimpíadas! Nossa foi um máximo! - disse alegremente. 

 

-- Gente, que irmã chique eu tenho. 

 

-- Tá vendo só - a baixinha falou se achando - Sou um máximo. 

 

-- E porque você já veio?

 

-- Fui expulsa da vila - disse naturalmente. 

 

-- O que?! - Luiza arregalou os olhos. 

 

-- Aff, aquele povo que não me compreende, Luh - disse fazendo biquinho. 

 

-- Jesus, o que você aprontou, Ana Carolina?! 

 

-- Tá, Vou confessar... Tentei correr atrás do Bolt - disse fazendo uma cara de inocente. 

Luiza riu. 

 

-- Tá brincando né? 

 

-- Não... Tentei invadir aquela pista que eles correm, mas o segurança me impediu. Fiquei gritando pelo Bolt, mas ele não me ouviu, eu hein parece surdo aquele boi - disse indignada - Depois me levaram para um sala e fui proibida de entrar lá... Uma absurdo total né. 

 

-- Sem comentários, Ana Carolina. 

 

-- Luh... Tem sorvete de morango aqui? 

 

-- Não... A gente não come essas coisas,. Carol. 

 

-- Poxa, vocês são tudo certinhas credo! 

 

-- Carol pede pra Vick te levar na sorveteira aqui perto. 

 

-- Tem uma aqui perto? - perguntou animada. 

 

-- Tem sim, só não vou com você porque tenho que terminar umas pesquisas, além disso, Vick é melhor companhia pra essas coisas do que eu. 

 

-- Verdade! Vou lá chamá-la! - disse animada saindo do quarto da irmã. 

 

*************

 

Rebecca estava no quarto e fingia que nada tinha acontecido. Amanda observava a ruiva, que estava lendo atentamente alguns documentos. 

 

-- Vamos ficar até quando? - Amanda quebrou o silêncio. 

 

-- Não sei... Os avós da Emily vem pegá-la amanhã. Provavelmente voltaremos na segunda - disse sem tirar os olhos dos documentos. 

 

-- Então vamos ficar sozinhas? - perguntou sorrindo. 

 

-- Parece que sim...

 

-- Ótimo! Teremos finalmente a nossa lua de mel - disse animada. 

 

Rebecca suspirou e deixou os documentos de lado. Tirou os óculos e encarou a mulher a sua frente. 

 

-- A quem você está querendo enganar, Amanda? - disse séria. 

 

-- O que? 

 

-- Você sabe que nosso casamento acabou há algum tempo - foi direta. 

 

Amanda abaixou a cabeça e ficou um longo tempo em silêncio. 

 

-- É... Eu sei... Apenas queria me enganar novamente, pensar que talvez pudéssemos tentar de novo... 

 

-- Não faria isso com você... Já fiz por muitos anos - Rebecca sentou-se ao lado de Amanda segurando sua mão apertado - Eu tentei, Amanda... Desejei de verdade que tudo desse certo, mas eu falhei... Sei que sou culpada de muitas coisas. Sei que meu jeito não ajudou em nada. Você é uma mulher especial demais para merecer migalhas... Eu gosto muito de você, mas esse "gostar"  não é mais suficiente... Te considero muito... Mas você não merece uma mulher pela metade, você merece alguém que te ame por completo e não apenas como amiga. 

 

Amanda chorava muito. Rebecca a abraçou apertado. As duas ficaram assim por um longo tempo, até a mulher ficar mais calma. 

 

-- Você não foi a única culpada, Rebecca... Eu já devia ter saído dessa relação há muito tempo. Sempre soube que você nunca me amou, não da forma como eu te amo... Mas eu estava cega, apaixonada... Não conseguia me imaginar longe de você. Agi como uma adolescente apaixonada - sorriu -  Mas o  amor é assim mesmo... Melhor sermos sincera agora, para evitar dores futuras... Afinal, ninguém morre de amor. 

 

-- Ninguém morre de amor mesmo - Rebecca disse sorrindo. 

 

-- Apesar de tudo, foi um enorme prazer te conhecer, Rebecca. 

 

-- Eu digo o mesmo, Amanda. 

 

As duas se abraçaram mais uma vez.

 

-- Vou pedi para reservarem um quarto para mim - disse a ruiva se levantando. 

 

-- Rebecca... 

 

-- Oi... 

 

-- Quem é aquela moça de mais cedo? 

 

Rebecca fixou os olhos em um canto qualquer e suspirou. 

 

-- Eu a conheci quando morei aqui. 

 

-- A Luiza prima dela... É a mesma Luiza...

 

-- Sim - a ruiva a cortou. 

 

-- Talvez você precise conversar com ela. Pelo menos para resolver as coisas. 

 

-- Não tenho nada para falar com aquela garota! - disse irritada. 

 

-- Não guarde mágoas Rebecca, isso só te deixa pior. 

 

-- Amanda eu não quero falar sobre isso...  Vou lá na recepção.

 

A ruiva não esperou resposta e saiu daquele quarto, deixando Amanda sozinha.  A mulher chorou mais algumas vezes. 

 

-- Acabou.... Acabou... Foi melhor assim, Amanda - sussurrava para si mesma. 

 

***************

 

-- Sorvete de morango é tudo de bom - Carol disse provando o sorvete. 

 

-- Prefiro chocolate - Vick falou sorrindo, provando o sorvete. 

 

Carol fez uma careta. 

 

-- Credo! Como pode gostar de chocolate. 

 

-- Você que tem problemas por não gostar dessa coisa maravilhosa - disse se deliciando. 

 

-- Não falo mais nada... Tu tem problema. 

 

As duas tomaram o sorvete em silêncio até terminarem. Ficaram conversando coisas banais. Carol contou de sua aventura nas olimpíadas. Vick se divertia com as maluquices da prima. 

 

-- E aí, Vick... Tem novidades por aqui? 

 

-- Poliana convidou eu a Érika e a Luiza para a festa dela - comentou e lembrou de Rebecca. 

 

-- Uau, a enfermeira gatona? 

 

-- Sim, ela mesma. 

 

-- Ela cerca a Luiza de todos os jeitos - disse divertida. 

 

-- Pois é... 

 

Carol percebeu que Vick estava tensa. 

 

-- O que aconteceu, Vick? 

 

A médica encarou a baixinha. 

 

-- Eu vi uma pessoa hoje...

 

-- Quem? A Daniela? 

 

-- Não né. 

 

-- Vai saber tu tá com essa cara de "indispessão" aí... Só pode ter visto algo muito ruim e só pode ser a Daniela, até eu estária com essa cara de desgraça. 

 

-- É indigestão, Carol... E não, não foi a Daniela. 

 

-- Então quem foi? 

 

-- A Rebecca... 

 

Carol ficou de boca aberta. 

 

-- Oi?? 

 

-- Isso mesmo que você escutou. 

 

-- Onde? 

 

-- Em um restaurante...

 

Victoria explicou como foi o encontro com a ruiva. 

 

-- Acho que devo falar pra Luiza? - Vick perguntou na dúvida. 

 

Carol ficou pensativa. 

 

-- Vamos deixar o destino agir... - disse a baixinha sorrindo. 

 

-- Será? 

 

-- Sim, Vick. 

 

-- Sei não... Esses seus conselhos são sempre bostas. 

 

-- Oras, me respeita! 

 

-- Acho melhor eu não me meter mesmo. 

 

-- Sim,  é melhor - a baixinha concordou sorrindo. 

 

As duas voltaram para a casa e decidiram não tocar mais no assunto. Mas Carol tinha outros planos em mente. 

 

 

Fim do capítulo