- Bruna... Bruna, acorda! 

Bruna abriu os olhos sem entender muito o que estava acontecendo ao ver seu marido parado ao lado da cama a chamando. Olhou em volta e enfim situou-se, estava no quarto de hóspedes de sua casa, Eduardo não tinha uma cara muito boa. 

- Oi, Edu, bom dia! 

- Por que dormiu nesse quarto, Bruna? - o homem estava irritado, pôde perceber. 

- Não estava me sentindo bem e não queria te acordar! - afirmou esperando que o marido acreditasse naquela desculpa. 

- E o que estava sentindo de tão ruim que não podia dormir na nossa cama? 

- Ânsia de vômito - falou a primeira coisa que veio a cabeça. 

- Bruna, você está cada dia mais estranha, mais distante, estou ficando cansado disso! - a ruiva ainda estava sonolenta mas acabou se irritando com o marido que agora já falava em tom mais alto com ela. 

- Não vou nem me dar o trabalho de discutir isso contigo, Eduardo! - Levantou da cama e foi em direção a porta do quarto, parou quando sentiu o marido segurar seu braço com certa força. 

- O que está acontecendo, Bruna? Não tente me enrolar! - Eduardo parecia enfurecido, dava para notar a raiva em seu semblante, mas Bruna nunca aceitou ser tratada daquela forma e agora não seria diferente. Puxou o braço se desvencilhando do aperto que o homem dava e o encarou séria antes de responder. 

- Não venha com esse papo para cima de mim, se alguém cansou aqui, fui eu! Cansei de passar os dias vegetando nessa casa, sem encarar a vida, sem viver. Estou voltando a minha vida, Eduardo, e se isso lhe incomoda, o problema é seu! - andou até a porta do quarto e parou, voltando-se ao marido antes de sair - E não venha me falar de distância ou "enrolação", antes olhe para si mesmo! 

Bruna foi para seu quarto e lá se trancou, não queria ver ou conversar com Eduardo naquele momento. Enquanto isso, o homem sentou na cama onde a mulher estava e começou a pensar nos últimos acontecimentos. Não iria permitir ser enganado pela esposa, tinha essa certeza. Lembrou-se do comportamento de Lívia na noite passada e ficou ainda mais irritado ao recordar a forma como a mulher o deixou falando sozinho. Pegou o celular e ligou para ela, já deveria ser a décima ligação desde a noite anterior, mais uma vez, chamou até que a ligação caísse. Saiu do quarto e resolveu ir trabalhar, mas continuava decidido a descobrir o que estava acontecendo com sua esposa e se existia alguma ligação com o surto da amante. 

No quarto, Bruna pensava em todas as coisas que estavam acontecendo em sua vida. Estava feliz por ter conhecido as crianças do orfanato, principalmente Afonso, e também sentia-se alegre pois voltaria a estudar na semana seguinte e sentia muita falta da faculdade. Por outro lado, seu casamento estava indo de mal a pior, parecia não se entender mais com o marido e sabia que isso estava acontecendo por culpa sua, uma vez que nos últimos anos aceitou tudo que ele impôs e simplesmente se acomodou com a vida que tinha. E tinha Lívia, era só pensar na mulher que sentia-se melhor, mais leve, e um sorriso aparecia em seu rosto. Lembrou do beijo que trocaram na noite anterior e sentiu seu coração acelerar, era como se pudesse sentir o gosto dos lábios de Lívia outra vez. Sabia que queria aquilo tanto quanto a morena mas a situação em que se encontravam era complicada demais para simplesmente se entregar àquele sentimento novo. Resolveu ligar para ela, apesar do ocorrido no dia anterior, não queria se afastar dela.

Lívia estava sentindo que sua cabeça iria explodir a qualquer momento. Depois que Bruna saiu de sua casa, ficou dividida entre o medo de ter se precipitado e afastado a ruiva e a felicidade por ter finalmente beijado aquela mulher. Estava disposta a deixar todos os impedimentos de lado e deixar-se levar pelo sentimento que a cada dia vinha crescendo em seu íntimo. E por falar em impedimento, Lívia já estava agoniada com tantas ligações de Eduardo, o homem parecia não desistir de falar com ela. Desde a hora em que saiu do hotel ele estava ligando incansavelmente para ela. Escutou o celular tocando e já estava com vontade de jogá-lo na parede mas quando notou quem ligava dessa vez, tudo que sentiu foi seu peito ficando mais leve, como se tirasse um peso de cima dele.

- Alô - falou insegura, não sabia como agir depois do modo como Bruna deixou sua casa.

- Oi, Lívia, como você está?

- Tudo bem, você?

- Também. Liguei para saber se nosso encontro ainda está de pé, é muito importante para mim que você vá!

- Claro que tá, Bruna. Você passa aqui?

- Sim, me espere depois do almoço. - falou feliz por saber que a mulher iria, sabia que o clima ainda não estava dos melhores mas iria fazer tudo para que tudo voltasse ao normal - e muito obrigada, viu?

- Não precisa agradecer, você sabe que não é esforço nenhum.

- Eu sei - respondeu sincera - nos vemos mais tarde, então?

E assim que desligaram a ligação, Lívia conseguiu respirar mais aliviada. As coisas não seriam fáceis, tinha certeza, mas não iria simplesmente esconder o que sentia dentro do peito, ainda mais sabendo que era correspondida, usaria isso para atrair Bruna, sabia que causava efeitos sobre ela.

Bruna também se sentiu melhor no final da ligação, tudo que não queria era se afastar de Lívia e, por mais que fosse difícil estar perto dela sem lembrar ou sentir vontade de repetir o beijo, não abriria mão de sua companhia. Resolveu conversar com a mãe, sempre a acalmava quando estava mal, mandou uma mensagem sugerindo um almoço e poucos minutos depois ouviu seu celular tocar.

- Oi, mãe!

- Oi, meu amor, tudo bem? Estou ligando para dizer que não vou conseguir almoçar contigo, mas posso passar na sua casa mais tarde.

- Poxa, mãe, já tinha até pedido para a Nina preparar algo especial, mas tudo bem! Não estarei em casa mais tarde, mamãe, irei levar uma amiga para conhecer o orfanato que te falei.

- Filha, isso é ótimo! Será que eu posso ir com vocês?

- Claro, mãe, eu te mando o endereço por mensagem e você nos encontra lá, pode ser?

Bruna não tinha pensado nisso e não sabia se Lívia gostaria de conhecer sua mãe, mas ficou feliz com a ideia da mãe também conhecer Afonso, já sentia um enorme carinho pelo menino e sabia que as duas mulheres se encantariam por ali, assim como aconteceu com ela. Quando chegou a hora de buscar Lívia, a ruiva começou a sentir-se nervosa, não sabia como seria estar com ela depois da noite anterior, não queria magoá-la e estava decidida a não se deixar levar pela atração que sentia. Em sua cabeça, era o certo a ser feito. Parou o carro e avisou que já estava a esperando. Lívia não demorou mais que dois minutos para descer ao encontro de Bruna, mas para a ruiva parecia demorar uma eternidade. Todo o nervosismo se dissipou quando viu a morena se aproximando do carro, o sorriso das duas entregava o quanto ficavam felizes apenas por se verem.

Lívia entrou no carro um tanto apreensiva, por mais feliz que estivesse por ver a ruiva sorrindo enquanto a esperava, não sabia como ela agiria. Para sua surpresa, assim que ela fechou a porta do carona, Bruna se aproximou e deu um beijo rápido em seu rosto.

- Você está linda hoje! - Bruna falou sorrindo para a morena.

- É... Obrigada - por mais acostumada que estivesse, receber elogios de Bruna sempre a deixava um pouco sem graça.

- Olha, Lívia, sobre ontem... - começou apreensiva, tinha medo de falar algo que a magoasse - espero que isso não afete a nossa amizade, não quero me afastar.

- Bruna, você tem os seus motivos para achar certo fugir do que está sentindo, mas eu não farei a mesma coisa. Eu sei o que quero e quando quero! - falou séria, observando a expressão da morena.

- Lívia, eu...

- Você não precisa falar nada - Lívia a interrompeu - não estou dizendo que vou forçar alguma coisa, apenas sei o que sinto e não pretendo fugir. Agora vamos deixar isso pra lá, liga logo esse carro que estou louca para conhecer o Afonso!

Bruna sorriu e deu partida no veículo, estava mesmo ansiosa para ver Afonso e para saber se ele e Lívia se dariam bem, isso era importante para ela. O clima entre as duas estava bom, Lívia percebeu que ela agia como se nada tivesse acontecido e não insistiu no assunto, iria se aproximar dela mas não a deixando acuada. Passaram o caminho todo conversando animadas, Bruna estava tão feliz com aquele encontro dela com Afonso que isso também a deixou empolgada. Quando já estavam chegando lá, Bruna avisou que encontrariam sua mãe para que ela pudesse também conhecer Afonso. Lívia teve receio a principio, tinha medo que a mulher perguntasse coisas demais, que descobrisse sua profissão e deixasse de aprovar a amizade da filha, mas Bruna tranquilizou-a dizendo que sua mãe apenas ficaria feliz por Lívia fazer tão bem a ela. Quando estacionaram em frente ao orfanato, a mulher já estava lá e Lívia não conseguiu evitar o nervosismo.

- Vamos lá, ela não morde - Bruna falou rindo da situação de Lívia.

Saíram do carro e andaram até a mulher. Lívia apenas esperou afastada enquanto as duas se abraçaram.

- Ei, vem cá! - Bruna chamou - mamãe, essa aqui é a Lívia, a amiga que falei que traria.

- Então é você que tem roubado toda a atenção da minha filha? - a mulher falou séria, apenas para provocar Lívia, já havia percebido que ela parecia receosa - Só te perdoo porque ela está feliz como nunca esteve e você parece fazer parte disso! - e então ela abraçou a morena, que sentiu um enorme alívio ao ver que a mulher gostou dela.

Cristina e Lívia se deram bem logo de cara. A mais velha havia gostado da outra mesmo antes de conhece-la, apenas por saber que ela fazia bem a sua menina, sabia que parte dessa nova etapa da filha era por conta de Lívia, pôde notar o quanto Bruna ficava feliz quando estavam juntas. Lívia, por outro lado, esqueceu todo o nervosismo depois de cinco minutos ao lado de Cristina, a mulher era tão encantadora quanto Bruna, entendeu de cara de onde a ruiva havia puxado a beleza e o carisma e não conseguiu evitar que pela semelhança entre elas, a ruiva continuaria linda dali a alguns anos.

Depois que entraram no orfanato, Bruna cumprimentou as pessoas que já a conheciam. Encontraram Tiago e Joyce, a menina que havia conversado com ela da última vez. Enquanto Bruna e sua mãe conversavam com Tiago, percebeu que Joyce se aproximou de Lívia e se esforçou para escutar o que elas falavam.

- E então, nunca tinha te visto por aqui, você pretende adotar um deles? - perguntou a mulher toda cheia de sorrisos para Lívia, o que deixou Bruna ainda mais atenta à conversa.

- Não, não estou pensando em adotar, apenas vim acompanhar a Bruna mesmo. Mas gosto muito de crianças, não descarto uma nova visita.

- Eu vou adorar te ver novamente, aqui ou em outro lugar, se você quiser...

- Lívia, você não estava ansiosa para conhecer o Afonso? - Bruna percebeu o convite implícito na frase da mulher e acabou se irritando, entrou na conversa sem dar tempo para uma possível resposta. Lívia a olhou e apenas assentiu - Vamos então?

Bruna deu um sorriso forçado para Joyce e saiu puxando Lívia pela mão, sem dar a ela chance para dizer algo ou se despedir da moça. Pela cara da ruiva, Lívia sabia que provavelmente aquela tinha sido mais uma cena de ciúmes e, por mais que não apreciasse tal sentimento, sentia que isso era um bom sinal. Cristina apenas as seguiu, ainda conversava com Tiago, sem entender muito o que tinha se passado anteriormente.

Dessa vez, Afonso não estava sozinho como da última, estava jogando bola com outros garotinhos e Bruna por um momento apenas ficou o admirando antes de interromper a brincadeira das crianças. Entretanto, quando tomou coragem e o fez, sentiu seu coração querer sair do peito ao ver o menino correndo em sua direção e feliz por vê-la mais uma vez.

- Eu estava com saudade, tia! - o menino falou a abraçando, antes mesmo de dizer oi.

- Eu também estava, Afonso! Gostei de ver que hoje você não está sozinho, aqueles são todos seus amiguinhos?

Enquanto os dois conversavam tranquilamente, Lívia e Cristina se olharam assustadas pela semelhança entre eles. As duas notaram que o garoto era uma versão masculina e miniatura de Bruna, com exceção do cabelo que tinha um tom castanho claro ao invés do ruivo da moça. Nenhuma das duas fez qualquer comentário a respeito, mas em pensamento estavam tentando entender.

- Ei, vocês duas venham aqui. - Bruna chamou depois de dizer para Afonso que duas pessoas queriam o conhecer.

As duas mulheres se aproximaram do menino, reparando cada detalhe possível. Cristina estava ainda mais abismada que Lívia, não sabia explicar o que sentia naquele momento mas era como se tivesse vendo sua filha quando mais nova naquela criança. Conversaria aquilo com seu marido o mais rápido possível.

- Então, Afonso, essa aqui é a minha mãe Cristina e essa é a Lívia. - o menino olhava curioso para as duas mulheres.

- Olá, Afonso, estou muito feliz em te conhecer! - Cristina se abaixou para ficar na altura dele e foi a primeira a se pronunciar.

- Obrigada! - o menino falou e então se aproximou da mulher, depositando um beijo em seu rosto - a senhora é muito bonita igual a tia Bruna, acho que puxou a ela! - Todos riram do comentário inocente do menino.

- Mas olha só como ele está galante hoje! - Tiago que até o momento estava em silêncio, se pronunciou e explicou para o menino - Na verdade, foi a Bruna que puxou a mãe, Afonso.

- Ah, entendi - o menino falou e então se aproximou de Lívia, que também se abaixou para falar com o menino - Oi, tia - falou e repetiu o beijo dado em Cristina.

- Oi, Afonso, tudo bem? A Bruna me falou tanto de você que fiquei doida para te conhecer e jogar bola com você também.

- Você joga bola? - pela expressão do menino, Lívia reparou que já havia o conquistado só por isso.

- Eu jogo, e vou logo avisando que sou boa, viu?

- Você também é muito bonita, e joga bola, então é minha tia preferida - mais uma vez todos riram do menino, que já havia conquistado as duas mulheres com sua simpatia - Vamos jogar então!

Depois que Afonso saiu puxando Lívia pela mão, Bruna e sua mãe ficaram observando a cena enquanto conversavam com Tiago sobre o menino. Na verdade, Cristina estava enchendo o rapaz de perguntas, estava realmente intrigada com aquela criança. Enquanto isso, Bruna observou Livia tirar suas sandálias e correr para jogar bola com os garotos sem se preocupar se sairia dali imunda. A ruiva não conseguia tirar um sorriso imenso do rosto. Enquanto assistia tudo, teve certeza que aquela era a cena mais linda daquele dia e, talvez, dos últimos anos de sua vida.

Fim do capítulo