Capítulo único
Dinara olhava para as mãos.
Fazia um longo tempo que estava assim, totalmente absorta, alheia. Na verdade, nos últimos três dias passava longos minutos, quem sabe horas, olhando para as próprias mãos.
Mãos vazias, sobrecarregando o peito com o fardo que antes levavam.
Já não trazia Rosana pelos braços como fizera por seis anos. Já não a tinha nos seus planos de futuro. Dinara sabia que não a amava mais. O vazio oprimia seu coração há tanto tempo!
Por que, então, agora que poderia goz*r a liberdade - liberdade de voltar a amar, de se apaixonar - por que a dor tão grande?
Dinara se dilacerou ao pronunciar as palavras que selavam um fim que já se arrastava dissimulado por anos.
Ver Rosana chorar tinha aberto crateras em seu coração. Ela sempre só quis o bem para a mulher que amava de tão diversas maneiras. Brigaria com o mundo para defendê-la de qualquer ofensa, para que nunca sofresse. Via agora lágrimas, desespero, uma dor profunda... E sabia ser de suas mãos que partiram os golpes.
Sofria pela companheira de tantos momentos, mas a dor era também por si.
Naqueles anos de tanto desacerto, se sentia protegida e confortável ao dormir abraçada com a mulher que sabia que a amava.
As mãos... Elas estavam se esvaziando de todas as pequenas coisas do cotidiano que construíram juntas. Vazias das conversas, da companhia, dos hábitos e rotinas. Vazias do escolher filmes nos finais de semana, de preparar o jantar, do passeio ao shopping, da troca cúmplice de olhares.
Não sobrava nada, não levava nada. A não ser a amarga liberdade...
Pelo menos era o que Dinara pensava, cega que estava no interior de uma tempestade de areia.
As várias horas que passara meditando sobre o melhor caminho a tomar, pareciam gotas d’água no oceano que contemplava enquanto chorava sua dor e a dor de Rosana. A dor de retirar um amor a fórceps, extrair as raízes profundamente expandidas, mas que mesmo assim não garantiram uma árvore sadia, viva, apta a suportar a incontrolável ventania.
No tempo que observava as mãos, entretanto, não percebeu que a tempestade passava, levando com ela a dor, desvendando seus olhos para enfim notar que não, suas mãos não estavam vazias como imaginava.
Não fora um desperdício o tempo que compartilhara com Rosana. Para nenhuma das duas.
Havia aprendido tanto, se transformado por e pelo amor que sentiam, havia se doado completamente em cada um dos dias que ficaram juntas... E recebido muitos e incontáveis tesouros de volta.
Sabia que Rosana merecia e encontraria mais do que ela poderia oferecer. Amava-a de várias maneiras, mas não completamente, não como ela deveria ser amada para ser feliz.
Compreendeu que a caminhada que fizeram juntas não havia sido em vão. Eram infinitamente melhores por terem se amparado, por terem se doado, por terem exercitado o amor.
Sentiu-se feliz. Sentiu-se pronta. E a liberdade se tornou leve, como uma pluma ao sabor da brisa de primavera.
Estava enfim pronto, limpa e renovada para receber as dádivas que sabia que viriam no novo amor que despertava em forma de safira em seu coração.
Fim do capítulo
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Monica Franca
Em: 30/05/2017
O amor é aprendizado , é transformação...e nos ensina mesmo no fim, mesmo na dor, mesmo na distância. Se todos enxergassem isso dessa maneira a dor se transformaria mais rápido em liberdade.
Resposta do autor:
Muito lindo isso, dona Monica! Muito lindo!
rhina
Em: 01/08/2016
Olá.
A dor da separação esta não conheço pois nunca tive alguém para perder. Mas imagino a insuportável.
Um novo recomeço dizem que é muito bom... Também não sei...
Experiencias adquiridas... isto fortalece o caráter e amadurece a alma... acredito eu.... mas muito pouco sei sobre isto.
Só sei que seu conto é lindo
Gostei muito.
Até.
Rhina.
Resposta do autor:
Tudo a seu tempo... É só vc deixar as portas abertas que a paixão, suas glorias e suas dores (mal necessário), chegarão.
Obrigada, por ler, por comentar, pelas palavras sempre amáveis
Um abração,
Carla
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