"Você sente a ressonância?"

      A chuva estava impiedosa. As aulas tinham acabado mais cedo na faculdade e o campus já estava quase deserto.

      "Ei... Está sentindo?"

      Minha amiga me chamava o tempo todo pelo Whatsapp, mas eu não me importava. Nada mais me importava no momento, pois eu estava totalmente presa àquela garota.

      "A nossa ressonância, que nos faz vibrar na mesma frequência..."

      A cada nota que ela tocava ao piano, eu me sentia cada vez mais atraída por ela. Era a primeira vez que eu via alguém tocando daquela forma, daquele jeito tão intenso... Sem dúvidas, ela era um gênio, mas mais do que isso: A música dela mexia comigo de uma forma... Inexplicável.
     Não sei por quanto tempo eu fiquei ali, mas logo pude perceber um par de olhos cor de mel me encarando, com um sorriso.

      "Ei..."

      - Gosta de Chopin?
     Sua voz era fina, parecia de criança, mas sem ser aquela coisa esganiçada. Ao contrário, sua voz era extremamente doce e agradável aos ouvidos. Parecia até música.

     - Eu...

     "Está sentindo?

     O que ela tinha me perguntado mesmo?
    - Chopin. - disse, dessa vez rindo. - É o compositor dessa peça.
     - Peça? - eu me sentia cada vez mais estúpida.
     - É como a gente costuma chamar as composições de música erudita. - explicou, com um sorriso. - Mas é claro que você não precisa saber disso, então não se preocupe.
      Eu não estava nem um pouco preocupada, na verdade. O sorriso dela tinha arrancado todos os sentimentos ruins de mim.
     -  Eu me chamo Júlia. - ela disse, tranquilamente, ainda sentada ao piano. Aqueles olhos me deixavam tão hipnotizadas que eu demorei para perceber que eu também deveria dizer meu nome, caso eu tivesse o mínimo de educação.
      - Eu... Sou Clarisse. - olhei para tudo, menos ela. Estar mais vermelha do que eu no momento era tarefa quase impossível.
      Ela riu mais um pouco.
    - Você é muito fofa. - seus olhos demonstravam sinceridade. E eu me derretia toda com eles.
      Trocamos mais algumas relevâncias. Nos despedimos - já era tarde mesmo - e cada uma foi pegar o seu ônibus. A viagem toda eu fiquei pensando na menina do piano. A semana. O mês. Cadê que nos encontrávamos? O destino brincava de esconde-esconde. Eu já não era mais a mesma. Só pensava na menina do piano.

       "Onde está a nossa vibração?"

      Eis que então eu a encontro. Sorrindo, conversando com os amigos delas. Todos homens. Aquele diabinho de olhos verdes que se chama ciúmes começou a me cutucar. Fui me tornando mal-humorada, os outros já me estranhavam. É, eu já não era mais a mesma.

      "Não deixe que a interferência atrapalhe..."

      Surge um recital de piano e eu já sabia que ela estaria lá. Mesmo que soubesse que em um túnel sem saída eu poderia estar entrando, não pude deixar de tentar ver se haveria como chegar ao outro lado. Porque nada é mais forte do que o fogo que arde sem se ver. Não é isso que o amor é, segundo Camões?
      Mas seria mesmo isso amor?
      O dia chega e lá estou eu, na última fila. Não quero que ela me veja, ao mesmo tempo em que tudo o que eu queria era que ela me notasse. Ambiguidade, um turbilhão de pensamentos. Já não penso mais racionalmente, e nem por instinto. Se isso não for amor, uma doença talvez será?

       "Ei..."

     O recital foi um sucesso, ela tocava como o próprio Chopin. Talvez até melhor que ele. Tudo nela era perfeito: seu sorriso, suas mãos. Mãos essas que meus sonhos mais selvagens insistiam em fazê-la aparecer.

       "Onde está a sua vibração?"

       No final, todos foram falar com ela, menos eu. Cadê a coragem? Medo. Eu tinha medo. E se ela não quisesse me ver? E se ela não gostasse de mim? Tolice. Eu tinha que fazer algo. Fazer a diferença, não é isso o importante na vida? Quem sabe, talvez. O medo...

       "Não deixe essas interferências, não...!"

      De repente, ela aparece perto de mim. Eu já engulo em seco, não estava preparada. Ela pega em minha mão e murmura um “vem”. Eu começo a me tremer. Será uma luz pequenina aparecendo? Entramos em uma sala vazia e ela trancou a porta. Júlia me encarava, sorrindo. Eu não pude deixar de sorrir também.
     - Como eu fui? - seus dedos foram rapidamente passados em seus cabelos. Eu sabia que aquilo era sinal de que ela estava nervosa. Tinha a observado bastante para perceber isso. Eu era uma ótima stalker.
      - Chopin deve se sentir orgulhoso. - eu como sempre dizendo alguma besteira. Ela riu. Eu não me importava se ela me achasse uma idiota, contando que eu visse aquele sorriso todo dia...
      - Você é incrível. - ela caminhou até mim e passou seus dedos pelos meus cabelos, imediatamente fazendo uma pequena corrente elétrica chamada prazer percorrer meu corpo.

         "Você sente minha vibração?"

       - Não tanto quanto você. - simplesmente saiu, eu já não conseguia mais me controlar. Se aquilo não era amor, eu já não me importava mais. Ela sorriu, e aproximou seus lábios dos meus. Eu fechei os olhos. Aconteceu de forma natural, espontânea.

       Como fogos de artifício, cliché. Mas somente a verdade.

       "Está sentindo a ressonância?"

      "Só ocorre quando duas almas vibram na mesma frequência..."

        "Onde está a sua?"

Fim do capítulo