Capítulo 30 - Pragmatismo
Capítulo 30 - Pragmatismo
Apesar do acidente violento, que amassara a frente do carro, o homem de cabelos negros e bem vestido parecia goz*r de plena saúde, enquanto prendia Sam embaixo do seu corpo, que debatia-se.
Theo saiu do carro e mantinha sua arma apontada para baixo, apenas ouvindo os ruídos e grunhidos, andando de um lado para outro apavorada. O homem segurava uma arma eletrônica em uma das mãos, tentava apontá-la para Sam, que resistia.
- Atiro em alguma direção? - Theo perguntou.
- Não!
- Vamos, levante-se. Não prefere morrer de pé? - O homem falou, com uma voz suave.
Sam conseguia evitar que ele atirasse em sua direção, lhe dando socos e empurrando suas mãos, Theo apenas ouvia o barulho da luta sobre a lataria, os rodeando.
- Atiro agora?
- Não atire!
- Ok.
Rolaram pela lataria e caíram engalfinhados no asfalto, um caminhão em velocidade vinha no sentido contrário, para desespero de Theo.
- Sam, saia daí! - Theo gesticulava. - Saia da estrada!
Os poucos golpes que Sam conseguia encaixar não diminuíam em nada o ímpeto do homem em atingi-la, pareciam inofensivos. A buzina do caminhão já tocava e os dois continuavam deitados na pista, Sam conseguiu passar sua perna mecânica por cima das pernas do homem, as quebrando, rapidamente girou para cima dele. Soltou-se, ficando de pé, se atirou no acostamento enquanto o homem começava a se erguer do chão.
Não houve tempo, e o caminhão atingiu em cheio o indivíduo bem arrumado, causando um tremendo estouro, deixando Theo sem conseguir sequer respirar, boquiaberta. A seguir, um silêncio angustiante preenchia a noite, os ruídos cessaram, nenhuma voz era ouvida, nem ao longe.
- Sam? - Theo finalmente conseguiu balbuciar.
- Entre no carro! - Sam gritou.
Theo continuou paralisada, ao lado do carro.
- Theo, entre no carro! Vamos embora!
Agora a ordem foi prontamente obedecida, Sam olhou ainda alguns segundos para trás, conseguiu ver o corpo estendido no acostamento, distante dali. Após dar partida no carro, dirigia com as mãos trêmulas, parecia ainda em choque, com um corte no supercílio que sangrava de forma contida.
- Temos sorte que o carro continua funcionando. - Sam quebrou o silêncio.
- Você está bem?
- Sim. Acho que sim.
- De onde saiu esse pesadelo de gente?
- Não faço ideia, mas parece o mesmo homem que eu desviei na estrada assim que entramos no Brasil.
- Então ele está nos seguindo.
- Provavelmente. Mas está morto agora.
- Era um policial?
- Não, usava terno e gravata. Meu Deus, quem era esse louco? - Sam exasperou.
- Talvez algum investigador do exército europeu, que quer te levar de volta.
- Ele não queria me levar, queria me matar, estava armado e tentava mirar na minha cabeça. Sinta aqui. - Sam tomou a mão de Theo, colocando em seu peito.
- Corações artificiais também podem ter taquicardia?
- Acho que esse coração sofre mais que o de verdade. - Sam resmungou.
- Que homem difícil esse, hein? Você o atropelou e mesmo assim partiu para cima de você.
- Era um louco, isso sim. - Sam passou a mão na lateral do rosto, percebendo o sangue.
- Mas você foi mais louca, conseguiu se desvencilhar dele e pular da estrada a tempo, ele não.
- Dei sorte. Theo, não quero dirigir por horas a fio, esqueça o que falei sobre dirigir até tarde hoje, eu quero parar assim que encontrar algo.
- Como quiser. Até porque estamos sem para-brisas, esse vento está me despenteando.
Sam parecia agora menos aterrorizada.
- Quando essa loucura toda vai acabar? - Sam indagou. - Eu só quero a porcaria de um coração.
- No momento quero para-brisas no carro.
***
Não encontraram nenhuma construção abandonada, estavam em Patrocínio, numa cidade de pequeno porte em Minas.
- Se importa de dormir no carro? - Sam indagou, parando o carro no estacionamento de um posto de recarga fechado.
- Eu não, mas sei que você odeia dormir no carro.
- Mas não achei nada, e já são onze da noite.
- Eu sei, vou tentar não ser muito espaçosa. E também agora a realidade é outra, você não precisa mais se esquivar de mim a noite toda.
- Eu não me esquivei de você. - Sam rebateu.
- Parecia que eu era radioativa, eu percebia você se esforçando para não encostar em mim.
- Não queria que você achasse que eu estava dando alguma abertura.
- Ou carinho. - Theo sorriu arteiramente. - Porque isso seria altamente reprovável e impensável.
- E eu ainda nem sabia que você era lésbica, se soubesse teria dormido ainda mais afastada.
- Ah, então você evitaria ainda mais encostar em mim por medo que eu não resistisse e pulasse para cima de você? Porque lésbicas não se controlam quando estão perto de outras mulheres, não é?
- Não, não é isso. - Sam respondeu sem jeito. - Eu vou arrumar as coisas para dormirmos na carroceria, já que estamos sem vidro na frente.
- A carroceria é segura? E não mude de assunto, você precisa atualizar suas definições sobre homossexuais.
- É segura, talvez menos que no interior do carro, mas é mais espaçosa que o banco. - Sam saiu na direção da traseira do carro, Theo a seguiu.
- Cabe nós duas? - Theo perguntou.
- Cabe sim, com aperto, mas cabe.
- E agora você pode encostar em mim, eu prometo não te agarrar nem aliciar enquanto dorme.
Sam estendeu cobertores sobre o metal da carroceria, jogando os travesseiros por fim.
- Espero que faça isso. - Sam respondeu, com deboche.
- Não, de forma alguma, não quero que pense que não consigo me controlar por estar deitada ao lado de uma mulher bonita.
Sam riu e a puxou pela cintura.
- Eu não penso mais dessa forma, ok? - Sam a beijou.
- Até porque quem não controlou o ímpeto foi você. - Theo ironizou, após o beijo.
***
- Viu? Nem foi tão ruim dessa vez. - Theo comentou, na manhã seguinte, enquanto devorava biscoitos e Sam dirigia também fazendo o dejejum.
- Infinitamente melhor. Talvez pelo fato de você ter dormido nos meus braços.
- Devolva a Samantha.
- O que? - Sam a fitou com estranheza, enquanto mastigava.
- Você não é a Sam.
- Claro que sou.
- Não, você é um alienígena carinhoso que se apoderou do seu corpo. Devolva a Samantha.
- Você está falando sério?
- Meu Deus, onde fui me meter... - Theo respondeu dando risadas. - Tanta gente normal na rua, e fui encontrar justamente você.
Sam parecia confusa.
- Preferia ter encontrado outra pessoa? É por causa dessa minha busca pelo coração? Eu te levei para longe, dei tudo que você precisava, não tenho culpa se tenho compromisso.
- Sam, você me deu muito mais que abrigo e refeições. E precisa aprender a detectar ironia.
Sam parecia ainda mais confusa.
- Isso é uma reclamação?
- É um obrigada. Você me deu carinho, cuidado, um tiro, roupas limpas, atenção, bifes com batatas fritas, curativos, o que mais? - Theo suspirou. - Me deu uma chance.
Sam deu um meio sorriso, agora menos confusa.
- Eu me entreguei a você, como nunca havia feito antes. - Sam falou num tom confessional.
- Também. E essa é minha parte preferida.
- Tenho várias partes preferidas... - Sam suspirou.
***
Após um dia inteiro na estrada, dormiam agora num andar alto de um prédio abandonado em Montes Claros, Minas. Era um quarto completo, parecia ter sido abandonado às pressas. Já haviam completado quase dois terços da viagem até Salvador.
Sam acordou no meio da madrugada, preguiçosamente virou-se e percebeu que ainda estava sem roupas, subiu o lençol cobrindo-se. Deu uma olhada em Theo, que dormia virada para o outro lado, também nua.Teve o ímpeto automático de cobri-la, mas parou o movimento assim que tomou o cobertor.
Havia algo em Theo que a deixava em transe, ela não conseguia evitar aquela observação demorada e quase hipnotizada do corpo, das curvas, e das cores de Theo. Aproximou-se, encaixando-se em suas costas, subiu a mão pela frente, tocando carinhosamente seus seios, Theo despertou confusa.
- Ãhn?
Sam continuou com os carinhos, a mão deslizando e alguns beijos lentos no pescoço.
- Eu estava roncando?
- Não, não estava.
Theo deu um suspiro longo, como se acordando para o que estava acontecendo.
- Não conseguiu dormir? - Theo perguntou, ainda de olhos fechados.
- Dormi um pouco, acordei agora. - Sam respondia com uma voz mansa, beijando sua orelha.
- Então tente dormir de novo. Quer deitar aqui no meu peito?
- Theo, eu não quero dormir...
- Não?
- Quero fazer amor com você.
Aquele pedido arrancou um sorriso sonolento de Theo, que virou, ficando de frente para ela. Lhe deu um beijo, e deixou a mão em seu rosto.
- Se você quiser, é claro. - Sam disse timidamente.
- Parecemos coelhos. - Theo zombou.
- Coelhas. E você é uma linda coelhinha que quando vejo nua, eu fico louca.
- Coelhinha?
- Uma coelhinha tatuada.
- Sabe o que coelhinhas tatuadas fazem? - Theo a incitava.
- Não.
Num só movimento, Theo a beijou e girou para cima dela.
- Coisas más. - Theo sussurrou.
- Eu adoro suas coisas más.
- Todas?
- Todas.
- Você não conhece todas. - Theo provocou, com a boca em seu ouvido.
- Podemos mudar isso.
- Você não quer conhecer tudo.
- Eu quero tudo que vier de você. - Sam falava, com uma voz maliciosa.
Theo beijou sua boca com luxúria, a seguir fez o mesmo com seus seios, e a esta altura Sam já dava sinais claros que queria algo mais. Voltou a beijá-la e desceu sua mão, a movimentando conforme o corpo de Sam respondia.
Enquanto beijava seu pescoço, prestava atenção na crescente excitação de Sam, e no momento certo deslizou um dedo para trás.
Sam chegou ao orgasmo com espasmos fortes, cravando as unhas nas costas de Theo, correndo a mão lentamente.
- Saaaam... - Theo grunhiu entre os dentes.
Assim que Sam relaxou o corpo, Theo saiu de cima dela, deitando-se ao seu lado. Após recompor o fôlego e seus pensamentos, Sam olhou para o lado com uma sobrancelha baixada.
- Você fez o que eu estou pensando?
Theo riu.
- Uhum. Bem-vinda ao fio terra. Você perguntou o que era, fiz a apresentação formal. - Respondeu com um risinho irônico.
- Isso é o fio terra?? - Sam perguntava atônita.
- É sim, esperava que fosse o que?
- Não sei, pensei que tinha a ver com algum eletrônico.
Theo riu ainda mais.
- Que Deus nunca tire sua inocência. A propósito, corte suas unhas.
- O que? Minhas unhas são curtas, do que você está falando?
- Nem tão curtas. - Theo levantou-se sentando-seno colchão, que estava em cima de uma cama grande.Mostrava as costas para Sam, onde haviam arranhões sujos de sangue.
- Eu fiz isso? - Sam ergueu-se rapidamente, olhando de perto.
- Fez.
Sam olhava boquiaberta.
- Nossa... me desculpe, foi involuntário.
- Relaxa, está tudo bem. Mas corte as unhas.
***
- Que cidade é essa? - Theo perguntou quando percebeu que haviam saído da via rápida, já a noite.
- Vitória.
- ES?
- Não. - Sam conferiu na visão do seu localizador interno. - Vitória da Conquista, estamos na Baia.
- Baia! Gosta de praia? - Theo perguntou, despretensiosamente.
- Na verdade nunca fui a praia.
- Mas Kent não é litoral da Inglaterra?
- Sim, é uma província que tem litoral, minha cidade fica a setenta quilômetros da praia mais próxima.
- Setenta quilômetros não é nada, isso não é desculpa.
- Eu já fui a praia algumas vezes, mas apenas para visitar, ver, tirar fotos. Nunca passei um tempo lá.
- Mas entrou no mar.
- Não. - Sam respondia encabulada.
- Nunca entrou no mar?
- Não. As praias da Inglaterra não são muito atrativas, água gelada, praia de cascalhos... Poucos se aventuram a mergulhar naquelas águas, a maioria vai para pescar. - Sam disse olhando pelos retrovisores.
- Que pena. As praias aqui são bem diferentes. Principalmente as da Baia.
- Quem sabe um dia eu volte com tempo para cá, e você me apresenta uma praia. Mas não entrarei no mar.
- Por que?
- A perna... - Sam disse em voz baixa.
- Mas ela é a prova d'água.
- Mas não vou sair por aí exibindo uma perna mecânica.
- Por que não?
- Ah... Não me sinto à vontade exibindo uma perna artificial.
- Que bobagem, Sam.
- Depois conversamos sobre isso. Bom, vamos jantar qualquer coisa e procurar um hotel barato, o dinheiro precisa render.
- Por que não ficamos em algum lugar abandonado? Cidadesmaiores costumam ter prédio comercial abandonado.
- Quero ter uma noite decente com... Uma noite decente de sono.
Theo deu um sorrisinho malicioso.
- Uma noite decente comigo.
- Também. - Sam respondeu com timidez, a simples menção lhe causou um arrepio.
- Eu criei um monstro... - Theo se dava conta.
- Como assim?
- Nada, deixa pra lá. Cama de verdade então?
***
- Acho que estamos sendo seguidas. - Sam disse, com apreensão. Voltavam a pé de uma pequena lanchonete, para o carro.
- Onde? Quem?
Sam segurou com firmeza a mão de Theo, pousando a outra mão sobre o coldre na perna.
- Você não vai acreditar.
- Mike??
- Não, claro que não. Aquele homem de terno que foi atropelado pelo caminhão.
- Você acha que ele sobreviveu ao acidente?
Sam entrou numa rua maior e mais iluminada, no caminho oposto ao do carro.
- Ninguém sobreviveria àquele choque.
- Então não pode ser o cara, pode ser apenas alguém vestido de forma parecida. - Theo falava, enquanto caminhavam. - Estamos indo para o carro?
- Não.
- Por que?
- Se for alguém me seguindo eu quero pegá-lo, ele está sozinho, é um contra um.
- Eu não conto nem como metade?
- Aja naturalmente.
Sam sussurrou e entraram num casarão do século XX, uma grande casa de cor salmão com janelas brancas rebuscadas, que era agora o museu do imigrante americano.
- Onde estamos?
- Ãhn... Parece um museu. Droga.
- O que foi?
- Eu tinha razão, ele entrou aqui. - A dupla estava numa sala mais adiante, Sam espiava o primeiro ambiente discretamente.
- O que você vai fazer? Pedir suas credenciais?
- Por Cristo, é o mesmo cara! - Sam dizia com espanto.
- Um clone talvez? Acho que a Europa já fabrica clones humanos.
- Acho difícil. Se importa de ficar sozinha um instante? Eu quero abordá-lo por trás.
- Se você prometer voltar. Viva e inteira, de preferência.
- Saque sua arma e encoste aqui do lado desse armário, e não...
Antes que Sam terminasse a frase, ouviu os passos fortes no assoalho, virou-se e viu o mesmo homem de gravata amarela e azul já sacando duas pistolas.
- Abaixe-se! - Sam gritou.
Theo paralisou e não se abaixou, o homem de cabelos negros começou uma série de disparos na direção de Sam, que pulou na direção dele, já com sua arma em punho. Ambos caíram no chão, derrubando a escultura de uma estátua da Liberdade de dois metros de altura.
Sam correu para trás de uma réplica da Casa Branca, uma maquete que ocupava boa parte da sala em cima de um suporte metálico. Os tiros estraçalharam a obra, mas não ultrapassavam o metal, porém o homem caminhou na direção dela, obrigando Sam a encontrar outro abrigo.
Enquanto corria para trás de uma escultura que replicava em menor escala o Monte Rushmore, Sam disparou alguns tiros na direção dele, que parecia não temer seu ataque. Ele caminhava devagar em sua direção, enquanto levava quatro tiros no peito, para horror de Sam.
Sam atirou-se para trás do monte, caindo de costas. Ergueu-se e deu uma olhada por cima daquela grande peça de pedra. Ele continuava caminhando lentamente, ergueu as armas e abriu fogo, os tiros faziam furos e estragos nas faces dos quatro presidentes, levantando uma nuvem de pó. Em segundos nenhum dos quatro rostos eram reconhecíveis.
Ela aproveitou a poeira para correr para outro cômodo, desviava e desvencilhava-se de flâmulas com as cores da bandeira americana, azuis, vermelhas e brancas, repletas de estrelas. Encontrou um porto seguro momentâneo atrás de uma réplica do monumento de mármore de Abraham Lincoln, onde o presidente está sentado com as mãos sobre os encostos. Antes, derrubou uma grande águia marrom e branca, na tentativa de dificultar o acesso até seu esconderijo.
Enquanto ele se aproximava, Sam ousou ficar de pé por alguns segundos, mirando em sua cabeça. Disparou cinco vezes, empunhando a arma com ambas as mãos.
- Morra, desgraçado! - Bradou enquanto atirava.
O homem de feições suaves caiu para trás com os tiros, não sem antes disparar algumas vezes para cima. Sam permaneceu onde estava, o observando, ainda ofegante e com a testa enrugada.
Andou até o corpo no chão, abaixou-se e percebeu que suas balas haviam acertado em cheio a cabeça dele, mas não havia sangue, apenas deformações na estrutura do seu rosto, como se os projéteis não tivessem penetrado, apenas amassando sua face. Ajoelhou-se ao seu lado, perplexa e boquiaberta, tentando entender o que havia acontecido.
Ele parecia não respirar, Sam aproximou sua mão do pescoço, queria detectar algum batimento, assim que tocou sua pele fria, o homem segurou sua outra mão, a assustando. Mirou rapidamente na testa dele, efetuando dois disparos, ele continuava segurando seu braço, porém conseguiu soltar-se com facilidade. Seus tiros também não o penetraram, apenas o deformaram mais.
Sam levantou-se, o fitou ainda mais alguns instantes, esperando algum movimento ou reação, mas nada aconteceu. Guardou a arma no coldre e saiu à procura de Theo.
Chegando no pequeno salão onde havia deixado Theo, não a encontrou em canto algum, mas havia um rastro de sangue no chão. Foi o suficiente para ter maus pressentimentos e um arrepio ruim, continuou andando pelo ambiente, mas não havia sinal dela.
Foi para a sala ao lado, onde haviam estátuas de nomes americanos célebres, passou por uma esvoaçante Marilyn Monroe, uma Miley Cyrus seminua e com a língua para fora, Martin Luther King atrás de um púlpito, Bill Gates apoiado no ombro de Steve Jobs, Brad Pitt com a camisa aberta, seguindo por um corredor de presidentes, Kennedy, Nixon, Barack Obama, Hillary Clinton.
- Theo? Está aí?
- Aqui. - Ouviu uma voz abafada.
- Onde?
- Atrás do Ronald McDonald.
- Quem é esse?
- O palhaço amarelo. - Theo disse com uma voz sofrível, saindo de trás da estátua, para alívio de Sam.
- Vamos embora, não sei se essa coisa está realmente morta, e nem quero.... Ah não, ah não, ah não... - Sam movia a cabeça incrédula.
- Sim, de novo. - Theo segurava sua mão esquerda ensanguentada, curvada para frente e com dor.
- Levou um tiro na mão?
- Levei. - Theo disse, estendendo a mão.
- Eu mandei você se abaixar, você não me obedeceu. - Sam disse olhando sua mão.
- Eu sei, eu paralisei.
- Ok, podia ser pior, pelo menos foi na mão, vamos embora e eu cuido disso no hotel. - Sam falou tomando sua mão direita.
Saíram rapidamente do museu, uma senhora, funcionária local, saía de trás de uma estátua em bronze do Tio Sam, parecia apavorada.
- Foi mal. - Sam disse à senhora, e caminharam com pressa até o carro.
- Enrole isso na mão. - Sam entregou uma toalha para Theo, já dentro da caminhonete.
- Ele acertou você? - Theo perguntou, fechava os olhos com força, por conta da dor na mão.
- Não, não acertou, mas eu o acertei algumas vezes, e parecia estar atirando balas de borracha.
- Como assim?
- Talvez seja um bom colete a prova de balas, mas eu não consegui ainda encontrar explicação para os tiros na cabeça, as balas pareciam não o perfurar.
- Você atirou na cabeça dele, e foi como se nada tivesse acontecido?
- Não, a cabeça dele virou um grande amassado disforme, mas acho que não perfuraram, nunca vi nada parecido antes.
- Nem eu, mas é um bom momento para começar a acreditar em assombrações.
Antes de fechar a porta na hospedaria, Sam olhou atentamente para todos os lados no corredor daquele andar alto. Entrou no pequeno quarto com forte cheiro de mentol, largando as bolsas e a caixa médica, em cima da cama.
- Isso está doendo demais, Sam, me dê alguma coisa, pode ser aquela coisa do cavalo, me apague, mas me ajude. - Theo disse, sentada na cama.
- Eu vou fazer alguma coisa, mas não quero mais dar aquele tranquilizante de cavalos, não quero matar você. Vou dar dois analgésicos e limpar a ferida, ok?
- Que merd*... é muito azar... a mesma mão - Theo resmungou.
- Fique calma. - Sam disse, lhe beijando a testa antes de abrir a caixa médica ao seu lado.
- Lavou as mãos?
- Lavei. Repouse o braço em cima da minha perna.
- Me dê os analgésicos antes. - Theo disse, com dor.
Sam deu os comprimidos para Theo e voltou a dedicar-se a sua mão, que estava num estado lastimável por conta de mais um ferimento grave, este mais para o lado, próximo do dedo mínimo. Tentava não transparecer sua preocupação com aquela situação crítica, para não preocupar Theo.
- Terminado. Poupe sua mão, tente não mover os dedos nem segurar coisas, ok?
Theo segurou sua mão, erguendo a cabeça, tentando fitar Sam.
- Espera.
- O que foi?
- Eu quero pedir uma coisa a você.
- Pode falar.
- Não é um pedido fácil.
- Assim você me assusta, melhor pedir logo.
- Você pode comprar hidrometa para mim? - Theo pedia com a voz comedida, um tanto amuada.
- Hidrometa? Você quer que eu compre drogas?
- É uma droga leve, é fácil de achar.
- Para que isso?
- Entre outras coisas, ela tem um efeito relaxante que deixa a dor suportável, eu preciso de um pouco disso para dormir hoje.
- Eu te dou mais analgésico, não quero que você se drogue.
- Sam, é só hoje, não vai me fazer mal algum. Eu usava as vezes no Circus, deixava as coisas mais fáceis. Só uma dose, por favor.
- Theo... - Sam levantou-se, movendo-se de forma indecisa. - Onde vou arranjar drogas essa hora?
- Pergunte na recepção da hospedaria, se não souberem lá, entre em algum bar e pergunte ao garçom, eles sempre sabem como conseguir. É uma droga barata, não vai impactar em nosso orçamento.
- Você é bem prática, não?
- Pragmática.
- Ainda não sei se amo ou odeio seu pragmatismo.
- Se você voltar em alguns minutos com hidrometa eu deixo você odiar tudo que quiser.
Sam deu um sorrisinho resignado.
- Não abra a porta para ninguém. - Disse, já vestindo sua jaqueta marrom.
Pragmatismo: s.m.: Fil. Corrente de pensamento que considera a utilidade prática de uma ideia como o critério de sua verdade; filosofia utilitária. Comportamento ou atitude, de pessoa ou grupo, que sempre busca resultados práticos, materiais, concretos.
Fim do capítulo
Obrigada pelas leituras e carinhosos comentários, responderei tudo assim que possível ;)
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