Última Noite de Amor -- Capítulo 74
-- Oi meu amor! -- Isabel falou com o menino numa voz muito meiga -- O seu cachorro é muito bonito -- fez um carinho na cabeça do animal.
-- Não mente pra criança que é pecado.
-- Xanda, menos tá.
Alexandra revirou os olhos para a cena e engoliu a vontade que lhe invadia de responder.
-- Olá Alex -- Victória se aproximou e deu um beijo no rosto de Alexandra.
-- Vocês já se conhecem? -- Isabel perguntou admirada.
-- Quem você acha que ajudou essas duas desajeitadas com as crianças? -- Victória sorriu simpática e Isabel sorriu de volta -- Meu nome é Victória e você deve ser a Isabel, não é mesmo?
Cumprimentaram-se com três beijinhos, como se já fossem íntimas. Em seguida Victória deu um beijinho em cada um dos irmãos.
-- Vamos entrar. A Bruna está cuidando da Letícia para mim. Estou acompanhando os trabalhos na cozinha -- Entrem e sintam-se em casa.
Naquele momento Valéria e Janaína tomavam o café da manhã em pleno clima de romance.
-- Quer mais um pãozinho de queijo? -- Valéria ofereceu sorrindo. A alegria iluminava o seu rosto.
-- Não Val, muito obrigada -- Com Janaína não era diferente. Sentia-se uma menina amando pela primeira vez.
Valéria colocou os cotovelos sobre a mesa, apoiou o queixo nas mãos, e olhou séria para Janaína.
-- Como você é linda, meu amor; eu te amo muito.
A morena enrubesceu diante do elogio e ficou sem palavras.
-- Se você ficar vermelha cada vez que eu lhe chamar de linda, vai viver vermelha, pois eu vou lhe chamar todos os dias.
Risos.
-- Jana -- Valéria suspirou fundo antes de continuar a falar -- Você continua sonhando com a Giovana?
O brilho no olhar de Janaína foi embora e seu semblante ficou triste.
-- Sim, continuo. Com menos frequência, mas continuo. A tristeza ainda é forte, mas agora, pelo menos, descobri o motivo do sofrimento do espírito de Giovana e posso ajudá-la a encontrar a paz.
-- Que bom! E qual é o motivo meu amor?
-- Um dia ouvi uma amiga dizer que ela estava sendo perturbada por um encosto. Na época achei muito engraçado o que ela falou e, fiquei imaginando o que poderia ser esse tal de encosto -- fez uma careta engraçada e continuou a falar -- Dias atrás conversando com a Bruna lá no Centro, perguntei a ela o que significava isso.
-- Já ouvi falar muito sobre esse assunto -- Valéria estava com os olhos fixos em Janaína -- O que ela falou a respeito?
-- O que vulgarmente se entende por encosto é na verdade a suposta presença de um Espírito junto a um encarnado, ou seja, um morto que se liga a um vivo a fim de perturbá-lo. Eles nada mais são do que homens e mulheres que viveram na Terra e que agora habitam o mundo dos Espíritos.
-- Sério? Um morto que se liga a um vivo?
-- Isso mesmo. Ela disse que o mundo espiritual não fica em região distante do mundo dos vivos, ao contrário, ambos se interpenetram. Assim, os Espíritos nos percebem, assim como alguns encarnados os percebem através da faculdade mediúnica.
-- Pessoas como a Bruna?
-- Exatamente -- Janaína colocou um pouco de café na xícara e levou aos lábios calmamente -- A reger esses dois mundos, há a Lei de afinidade ou de sintonia. Dessa forma, é pelos pensamentos que atraímos os desencarnados e somos atraídos por eles.
Valéria balançou a cabeça como se lembrasse de alguma coisa.
-- Então se chamarmos constantemente pelo pensamento, um familiar, um ente querido que esteja do lado de lá, ele sente as nossas vibrações?
-- Se forem vibrações equilibradas de carinho, afeto, saudade, ele se sentirá bem. Todavia, se nos lembrarmos dele com revolta, mágoa, nós é que nos constituiremos em encosto, isto é, não lhe damos sossego no além-túmulo.
-- No caso de Giovana? O que foi que aconteceu?
-- No caso da Gijo, a sua mãe não se conformava com o fato dela ser lésbica. Segundo a própria me contou, continuava revoltada com a filha e mesmo depois de desencarnada não conseguia perdoar Giovana -- Janaína apertou os olhos e sorriu sem mostrar os dentes -- Confesso que também tive minha parcela de culpa -- ela falou desviando o olhar para um quadro na parede.
-- Você? Hum -- Valéria colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, enquanto olhava nos olhos da morena -- Por diversas vezes falei que você estava exagerando. Desculpe-me a sinceridade, mas você visitava o túmulo dela todos os dias, isso não era normal.
Janaína não economizou nas caras e bocas, mas não ficou chateada com o comentário. Realmente havia passado dos limites.
-- Ao contrário da mãe da Gijo, eu a chamava para que me ajudasse a suportar o momento tão difícil pelo qual estava passando sem procurar saber se ela se achava em condições para tanto.
Valéria franziu o cenho.
-- Não entendi.
-- Tudo bem eu explico, mas não fica com essa cara de: Eu falei... Eu falei...
Na casa de Bruna
-- Vamos ver se você é realmente boa no videogame -- Bruna fez uma carinha de maldosa e sentou-se ao lado de Alexandra no sofá -- Meu time é o Fluminense escolhe o seu. Pode ser o Flamengo -- deu um sorrisinho debochado -- Adoro vencer o Flamengo.
-- NUNCA!!! Só jogo se eu for o Fluminense -- Alexandra empurrou Bruna com o ombro e jogou o controle no chão com raiva -- Quero destruir o Flamengo -- falou fazendo um bico enorme.
-- Não mesmo! O videogame é meu!
Enquanto na sala de jogos Bruna e Alexandra tentavam entrar em um acordo, na cozinha Victória e Isabel conversavam sobre adoção.
-- Estou tão insegura Vic -- Isabel confessou -- Chego a pensar que não serei uma boa mãe para eles.
-- É compreensível que uma mãe adotiva duvide do seu instinto materno, afinal todo o processo de adoção é cercado de dúvidas -- Victória tocou os ombros de Isabel num gesto de apoio e carinho, tentando tranquilizá-la -- Eu e Bruna já passamos por isso. Pense o nosso caso, adotamos quatro crianças de uma só vez -- falou não demonstrando qualquer tipo de arrependimento -- Tivemos medo de que o tempo que viveram nas ruas tivesse influenciado de forma negativa a educação deles. Ou que houvesse problemas no desenvolvimento...
-- No nosso caso que eles cresçam e queiram procurar os pais biológicos -- Isabel completou deixando óbvio ser essa a sua grande preocupação.
-- Todas essas dúvidas são naturais e você não precisa se culpar por tê-las. Com o tempo, Thifany e Thiaguinho vão parecer cada vez mais seus, e vocês vão se sentir mais seguras em relação aos seus instintos e dúvidas. Vocês vão se dar conta de que sim, vocês são as mães deles, mais ninguém. Um ponto importante é que a criança tem o direito de saber que é adotada e de mais tarde, se quiserem, conhecer a sua origem e buscar informações a esse respeito. É uma necessidade existencial do ser humano, mas vocês já estarão tão ligados pelo amor que o fato deles conhecerem os pais biológicos não mudará muita coisa. Não esqueça que criamos os nossos filhos para o mundo minha querida e que, de uma forma ou de outra, eles buscarão novos horizontes.
-- Isso é tão triste Vic -- Isabel falou olhando para o chão.
-- Somos todos adotados e ninguém é propriedade de ninguém. Nosso filho de hoje poderá ser nosso pai amanhã, assim estabelece a lei da Reencarnação, porque o único Pai legítimo é Deus.
Um berro vindo da sala fez as duas se calarem.
-- Estava demorando -- Isabel bufou irritada e olhou para Victória, que exibia um sorrisinho divertido.
-- Deixa comigo que eu já enquadro a Bruna. Enquanto isso vai provando essa Amarula sonho de valsa. É uma receita caseira que minha mãe me ensinou.
Quando Victória chegou à sala, as duas estavam se acotovelando.
-- O que é isso Bruna? -- Victória falou da porta -- Seja educada, deixa a visita escolher.
-- Mas Vic... Quem tem os privilégios é o time da casa.
-- Porque as duas não jogam com o Fluminense? -- Victória falou sorrindo feliz por ter achado uma solução.
-- Que sem graça -- Bruna fez uma careta -- Como eu posso sentir prazer em golear o Fluminense?
-- Pensa insonsa, é melhor que jogar com o Flamengo -- Alexandra pegou o controle novamente -- Eu vou jogar com a camisa tricolor.
-- NÃO!!! Quem joga em casa é quem escolhe a camisa.
-- Não vou jogar toda de branco... -- Alexandra berrou.
Victória arrancou o cabo do aparelho da tomada.
-- O juiz acabou de decidir que a partida foi cancelada por falta de condições de segurança -- ela cruzou os braços e encostou-se à parede.
-- Você não vai fazer nada cabeça de jujuba? Fala alguma coisa! Manda ligar o videogame de novo -- Alexandra falou indignada.
-- Quer ver a Invocação do Mal ao vivo? Fala isso pra ela.
-- Sua boca mole!
Bruna deu de ombros.
-- O almoço está pronto -- Victória fez de conta que não ouviu elas resmungarem -- Chama as crianças e as acomoda na sala de estar.
-- Vamos Alex. Deixa de papo furado e me ajuda.
No apartamento de Valéria.
-- Eu chamava a Gijo para que ela me auxiliasse e como ela não estava em condições, sentia um assédio mental e sofria com isso.
-- Eu achei que por ela ser uma boa pessoa teria um desencarne tranquilo.
-- Raras são as pessoas que têm um retorno tranquilo à vida espiritual Valéria. Falta conhecimento e, sobretudo preparo. Somos ligados tão intensamente aos interesses materiais que, ao desencarnarmos não apresentamos a mínima condição para reconhecer onde estamos.
-- Entendo. Achamos que nunca vamos morrer, ou que morrer, é o fim de tudo. Então não preparamos adequadamente o nosso espírito para o desencarne.
-- Exatamente, foi o que aconteceu com Giovana. Se não fizermos nada o espíritos dela pode permanecer ao nosso lado e dos familiares, ignorando sua nova condição, solicitando ajuda e se desesperando ao sentir que não é atendida -- Janaína deu um sorriso triste -- Tadinha de minha Giovana -- uma lágrima rolou pelo rosto.
Valéria colocou a mão no rosto da morena, fazendo-lhe um carinho.
-- O que você fará para ajudá-la Jana?
-- Não há razão para temê-la, nem para expulsá-la com indiferença. Ela é nossa irmã, rogando auxílio e compreensão. Cabe-nos o dever de ajudá-la. Eu e a mãe dela já conversamos com a Bruna e a partir de amanhã vamos nos unir para isso. Seja fazendo uma prece, rogando a Jesus que encaminhe seu Espírito, seja vibrando com carinho em seu favor, ou simplesmente endereçando-lhe um bom pensamento.
"Muitos Espíritos ficam presos nos lares algemados pelas vibrações desajustadas de familiares que não aceitam a separação".
Evitando o desespero e a inconformação ajudaremos os seres que amamos, na viagem de retorno à pátria espiritual.
No almoço.
-- Poxa, você é uma guerreira Vic. Cuidar de cinco crianças deve ser uma tarefa bem difícil -- falou Isabel, completamente sorridente.
-- Minha Vic é uma grande mulher -- Bruna falou toda orgulhosa -- E vocês sabem né, atrás de uma grande mulher...
-- Sempre tem um homem olhando sua bunda. Abre o olho -- Alexandra completou.
-- Você é nada romântica né Alex -- Bruna falou irritada.
-- Sou sim. Uma vez tentei conquistar uma garota, enchi a casa dela de pétalas, a cama ficou toda florida, estava toda empolgada achei que ia me dar bem.
-- E ela amor?
-- Quando chegou foi logo falando: "Só quero ver quem vai varrer isso tudo". Altamente brochante.
-- Eu adoro ganhar chocolates. Acho muito romântico -- falou Isabel tomando um gole de vinho.
-- Nunca me esquecerei daquele dia que dormi com uma barra de chocolate no bolso -- Alexandra colocou a taça de vinho na mesa e virou a cabeça, para encarar Isabel -- Quando acordei pensei que tinha me cagado.
-- XANDA! -- Isabel fez uma cara de nojo.
Risos.
-- Uma vez recebi um whatsapp de uma garota dizendo:
Meu amor,
Se você está dormindo, me envie teus sonhos!
Se você está rindo, me envie teu sorriso!
Se você está chorando, me envie tuas lágrimas! Eu te amo!
-- E o que você respondeu Bruna?
-- Meu amor, eu estou cagando... Quer que te envie alguma coisa?
-- Que assunto para se conversar durante o almoço hein? -- Victória falou sorrindo.
-- O assunto é sobre romantismo Vic, não tenho culpa se o chocolate da Isa nos fez lembrar-se de outras coisas. Né Alex?
-- A doutora tem razão Vic -- Alexandra concordou.
-- Eu sempre tenho -- Bruna falou com um ar de superioridade.
-- Pelo que percebi mesmo que você tenha razão, aqui quem manda é a Vic.
-- Não é bem assim Alex, no começo talvez, mas hoje em dia a gente tenta entrar num acordo que agrade as duas.
-- Sei não. Depois que você a deixa dominar... Já era! Aí acontece como aquele marido que decidiu mudar de atitude. Chegou em casa todo machão e ordenou:
-- Eu quero que você prepare uma refeição dos deuses para o jantar e quando eu terminar, espero uma sobremesa divina. Depois do jantar você vai me fazer um Whisky e preparar um banho porque eu preciso relaxar. E tem mais: Quando eu terminar o banho, adivinha quem vai me vestir e me pentear?
-- O homem da funerária... Respondeu placidamente a esposa.
Risos.
-- Voltando ao assunto romantismo -- Isabel falou fazendo uma cara como se estivesse achando graça do que havia falado -- Quero poder estar casada daqui a anos e ainda guardar aquele brilho no olhar ao ver a Xanda. E quando já estivermos velhinhas, quero permanecer ao lado dela, aconteça o que acontecer, porque jamais me esquecerei da importância dela em minha vida. Amor sem limites, amor de verdade, amor doação, amor entrega... Amor por amar... é o que eu quero.
-- Ai que fofa! -- Alexandra deu um selinho carinhoso nela.
-- Mesmo que tenha que te lembrar disso todas as noites.
-- Até parece que eu estou vendo a Isa me falar:
- "Amor, quando éramos jovens, você costumava segurar a minha mão na cama".
-- E eu estico o braço e seguro a mão dela.
Como ela nunca se dá por satisfeita fala:
-- "Amor quando éramos jovens, você costumava ficar bem pertinho de mim".
-- E eu mesmo cheia de dores devido à artrose, artrite, reumatismo... Aconchego-me perto dela da melhor maneira possível.
-- E a Isa ainda insatisfeita:
-- "Quando éramos jovens, você costumava morder minha orelha Xanda"...
-- Eu fico brava, jogo a coberta de lado e saio da cama.
-- Aonde você vai? -- Isabel pergunta inocentemente.
-- Buscar a dentadura, véia chata.
Risos.
-- Mamãe Xanda! -- Thifany parou na porta com cara de poucos amigos.
-- O que foi meu amor? -- Alexandra sorriu para a filha.
-- Vou meter a mão na cara do Rafael -- cruzou os braços e irritada bufou alto, os fios ruivos reboliços em seu rosto -- Ele está brincando de Velozes e Furiosos com a cadeira de rodas.
Isabel se calou, olhou surpresa para Alexandra como se esperasse que ela a repreendesse. Mas Alexandra sorriu compreensiva.
-- Vai lá filha -- falou enquanto a encarava.
-- Xanda! -- Isabel a chamou, visivelmente irritada -- Isso é perigoso.
-- Verdade amor, obrigada! -- ela disse achando graça para, em seguida, ficar séria -- Vai lá meu anjo, mas tome cuidado, ele é bem maior que você.
Mais tarde no apartamento do Leblon.
Edna abriu a porta e André entrou com a cocó embaixo do braço.
-- Oieeeee...
-- Ai meu Deus! Lá vem a cagona -- falou olhando para o teto.
-- Abusada. Uma parte sua é insuportável, a outra não aguentou e foi embora --André respondeu num estalo -- A poderosa já voltou do almoço na casa da Bruninha?
-- Ainda não. Se, veio filar a janta vou avisando que vai demorar.
-- Não tem problema. Eu espero. O leite, o queijo e a carne estão tão caros, que daqui a algum tempo a vaca vai ser sagrada que nem na Índia.
-- Haja paciência. Você quanto mais velho pior vai ficando.
-- Não estou ficando velho, estou ficando retrô -- sentou no sofá e ligou a televisão.
-- André me faz um favor? Liga para a Jana e pergunta se ela e a Valéria vão vir jantar aqui. Vou pra cozinha continuar a fazer a janta.
-- Você é igual a gato né Edna: só dá carinho e atenção quando está querendo alguma coisa. Pode ir, deixa que eu ligo.
Na casa da Bruna.
-- Eu fico pensando se devido ao gene, as crianças não possam vir a apresentar comportamentos agressivos ou a sofrer transtornos psíquicos, vícios como alcoolismo e tabagismo? O que vocês acham? -- Isabel perguntou para Victória e Bruna.
-- Sabe Isa -- Victória colocou sua xícara vazia sobre a mesa, pegou o bule e colocou mais chá nela -- Já se tem certeza de que os genes são capazes de influenciar o comportamento humano, porém, sua manifestação depende de fatores ambientais. O gene carrega o traço, mas é o ambiente que puxa o gatilho para ele se manifestar.
-- Hoje se sabe que os comportamentos dependem da interação entre fatores genéticos e ambientais -- Bruna tomou mais um gole de seu chá, e disse com a xícara ainda em seus lábios -- A presença desses genes, entretanto, não significa que a pessoa obrigatoriamente desenvolverá o comportamento ligado a ele. O que existe é uma predisposição, geralmente influenciada pelas experiências pessoais, familiares e pelo ambiente em que a pessoa vive. Ter predisposição genética à depressão, por exemplo, não basta para a pessoa ficar deprimida, pois os mesmos genes são encontrados também em pessoas não deprimidas.
-- A Thifany é tão diferente do Thiaguinho -- Alexandra falou pensativa.
-- Cada criança tem uma personalidade Alex. Umas são carinhosas e adora um chamego, outras são mais independentes, outras são mais sérias. Não tem nada a ver com o fato de ela ter sido adotada ou não, é o temperamento da criança.
-- Quer dizer Bruna, que como eles vão crescer no meio daquele bando de doidos há uma grande possibilidade de se tornar doido também?
-- Não sei se será doido também Alex, mas que a influência dos hábitos e do estilo de vida de cada um na ação dos genes é maior do que se pensava, disso tenho certeza.
-- Outra coisa que tenho curiosidade em saber Bruna -- falou brincando com a xicara entre as mãos -- O que o espiritismo acha sobre a adoção por casais homossexuais?
-- O amor não tem sexo Alex. Como é que podemos imaginar que o melhor para uma criança é ser criada na rua, ao relento, submetida a todo tipo de violência, a ser criada nutrida, abençoada por um lar de casal homossexual?
-- Alguns chegam ao absurdo de falarem que a criança criada por homossexuais poderá adotar a mesma postura, a mesma orientação sexual -- Victória deu uma gargalhada -- A grande maioria de homossexuais do mundo advém de lares heterossexuais. Então, teremos de concluir que são os casais heterossexuais que formam os homossexuais.
-- Essa é uma ideia tola e preconceituosa -- Isabel fez um lento aceno de cabeça -- Não importa qual seja nossa orientação sexual, o que realmente importa é a orientação do nosso sentimento, do nosso amor, do nosso coração. Há tantos casais hétero, duros, frios, indiferentes -- ela fechou os olhos e lembrou da imagem de seu pai, que durante toda sua vida, sempre a tratou muito mal. Ele a batia e humilhava diante da mãe alcoólatra que nunca fez nada para defendê-la.
-- Você está coberta de razão Isa -- Victória esticou o braço por cima da mesa e segurou a mão de Isabel com carinho, e, sem desviar os olhos dos dela, disse-lhe:
-- Amemos nossos filhos, sem cogitar se nos veios aos braços pela descendência física ou não, como encargo abençoado com que o Céu nos presenteia.
Horas depois...
-- Você tem que se controlar minha filha -- Alexandra passou a mão na cabeça da menina espalhando os seus cabelos finos -- Eu sei que é difícil, mas você consegue.
-- Aquele menino é irritante mãe Xanda -- Thifany falou dengosa.
-- Sei, mas não se largaram o dia inteiro -- Alexandra disse carinhosa ao se abaixar e pegá-la no colo.
Finalmente o elevador parou no andar solicitado e as portas se abriram. Isabel saiu na frente empurrando a cadeira de rodas de Thiago.
Param diante da porta do apartamento e se olharam admiradas. Do corredor dava pra ouvir a música alta que vinha lá de dentro.
-- Tem festa e não convidaram a gente? -- Alexandra falou olhando para Isabel com cara de surpresa.
-- É o que parece Xanda -- falou Isabel abrindo a porta.
André e Malú apresentavam mais uma de suas coreografias.
Vem na maldade, com vontade
Chega, encosta em mim
Hoje eu quero e você sabe que eu gosto assim
Uh uh, uh uh, uh
Uh uh, uh uh, uh
Uh uh, uh uh, uh
Uh uh, uh uh (bang)
Bang (bang) dei meu tiro certo em você (bang)
Deixa que eu faço acontecer (vem)
Tem que ser assim pra me acompanhar, pra chegar
Então vem (vem), não sou de fazer muita pressão (não)
Mas não vou ficar na tua mão
Se você quiser não pode vacilar, demorar...
Bang -- Anitta
-- Po-de-ro-saaa? -- disse André ao ver a expressão de surpresa estampada no rosto da loira -- Você aqui?
Alexandra colocou Thifany no chão e olhou ao redor.
-- Eu não moro aqui?
-- Tia Janaaa... -- Thifany correu até ela e jogou-se em seus braços.
-- A janta está pronta!!! -- Edna berrou da porta da cozinha.
-- Vem Mone -- Tatiana chamou a namorada -- A Edna fez Frango com Creme de Cebola.
-- Vamos Ramon! Ela também fez Arroz na Forma -- Valéria passou pelas duas, fez um gesto com a mão e foi correndo para a cozinha.
-- Malú, você precisa provar o Creminho de Galinha. É divino! -- André e Malú passaram de mãos dadas.
-- Tem Sobremesa Dois Sabores. Vamos! -- Janaína e Thifany passaram empurrando a cadeira de rodas de Thiago.
Isabel olhou durante alguns segundos para o rosto de Alexandra com aquele olhar brilhante e úmido. Depois jogando os braços ao redor do pescoço dela, ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo na cabeça.
-- Os nossos amigos são os mais idiotas, os mais chatos, os mais irritantes, os mais grudes, intrometidos e imaturos que existem, mas também são os melhores do mundo -- Isabel suspirou e acabou com um sorriso bobo estampado no rosto.
Alexandra tinha um sorriso calmo e afável nos lábios. Seus lindos olhos verdes se encheram de lágrimas.
-- Vamos! A Edna deve ter preparado alguma comida vegetariana para mim.
Alexandra pegou na mão de Isabel, entrelaçou os dedos nos dela e beijou a mão com carinho.
Amigo é aquele que te diz "eu te amo" sem qualquer medo de má interpretação. Amigo é quem te ama "e ponto". É verdade e razão, sonho e sentimento. Amigo é pra sempre, mesmo que o sempre não exista.
Até o último capítulo. Beijos.