Capítulo 49 - A Cura
Diana acordou no paraíso.
Não havia outra denominação, acordou com o som do vento balançando as árvores lá fora, um cheiro de natureza invadindo o quarto e o calor de Rhian lhe servindo de cobertor... O que podia ser melhor? Abriu um sorriso antes de abrir os olhos e deitou seu primeiro olhar sobre seu amor. Rhian era a primeira coisa que queria ver naquela manhã linda, sua namorada dormindo ao seu lado outra vez. Ela estava diferente, mas continuava linda. E Diana não podia dizer que ela estava apenas fisicamente diferente, os cabelos ainda estavam mais curtos e ela havia emagrecido um pouco, ganhado músculos, mas não era só isso.
Como podia explicar? Quando havia encontrado Rhian e elas tiveram aquele momento único nas Bahamas, havia sido uma explosão de paixão, estavam longe uma da outra há mais de dois anos e tudo voltou rápido e forte demais para qualquer outro sentimento tomar espaço. Porém, as coisas mudaram quando Diana contou sobre Harumi. Era como se... Houvesse aberto a porta do coração de Rhian e deixado entrar novamente uma enxurrada de sentimentos ruins. Agora entendia que havia sido assim, e entendia que já havia acontecido antes também. A morte de Marina abriu uma porta deixando entrar uma devastação de sentimentos podres sobre sua família que Rhian fingia que não existiam e nenhuma delas havia conseguido lidar. A volta repentina de Diana trancou tais sentimentos do lado de fora outra vez e quando Rhian soube de Andressa, parte desses sentimentos voltaram a atacar e apesar de elas terem se entendido, Diana sentia que parte das tais emoções indesejadas seguiram dentro dela. Rhian estava com ela, sorrindo, lhe cuidando, fazendo amor, mas também não estava. Diana não estava reclamando do sexo, que com Rhian era sempre maravilhoso, mas a conexão não era a mesma, era maravilhoso, mas Rhian não estava inteira, porque pedaços seus a todo momento eram roubados pelos sentimentos ruins.
Mas desta vez não.
Diana havia se dependurado no pescoço dela assim que seus olhos se cruzaram e aquele beijo já foi diferente. Mas, estavam longe há um ano, podia ser apenas a falta, mas não, não era, o beijo foi diferente, o gosto foi diferente, havia alguma coisa por Rhian, por suas mãos, seu sorriso, seus olhos, alguma coisa que... Estava diferente. “Era na alma, Diana”, quase pode ouvir sua mãe dizer, Rhian estava diferente inteira, e mudanças assim, só podiam provir da alma.
_ Me diz que eu vou abrir os olhos e te achar me assistindo dormir?
Diana abriu um sorriso enchendo o pescoço dela de beijos, sentindo os braços de Rhian se apertando em volta de seu corpo e então, ela virando para cima de si, cheia de um beijo gostoso, carinho e sorrisos que Diana nem sabia. Dava para sentir mais felicidade do que estava sentindo ali?
_ Bom dia_ E sussurrou beijos pelo ouvido de Diana, que subiu a mão até a nuca dela, a sentindo tão gostosamente..._ Como você dormiu?
_ No oceano, e você?
_ Dentro de você, não sei quem dormiu mais confortável_ Respondeu sorrindo e olhando para ela, ali, sob o seu corpo, bem diante dos seus olhos_ Eu ainda não acredito que você está aqui.
_ Nem eu acredito. Ainda pareceu que eu ia acordar e estar em outro lugar.
Rhian olhava para ela e Diana viu claramente. Estava ali, nos olhos dela, a coisa diferente. Aqueles olhos verdes estavam brilhando como nunca, era isto que estava diferente.
_ Vai para a jacuzzi, vai, que eu vou providenciar o nosso café...
_ Não, não, não precis...
Rhian a calou com um beijo, longo, gostoso, cheio de bons sentimentos.
_ Eu vou cuidar de você feito uma princesa, a princesa de Alto Paraíso, exatamente como você cuidou de mim durante os julgamentos... Você entendeu?
Diana sorriu com os olhos transbordando de tanto brilharem.
_ Então seja boazinha e me espera na água quente.
Diana obedeceu, a beijou e foi para a jacuzzi, subindo as cortinas de palha, se deliciando com aquela paisagem maravilhosa. Se despreguiçou, agradeceu mentalmente outra vez e entrou na água quente, relaxando, esticando os músculos depois da viagem longa, do amor tão bem feito pela noite inteira. Respondeu uma mensagem de Isis rapidinho, ela estava lhe perguntando se havia chegado bem, como elas estavam “A gente ficou”, contou, enviando um monte de carinhas felizes. “Você ficou com a sua noiva? Nem esperava, Diana”, carinhas de risos. Todo mundo estava esperando que elas ficassem, claro, obvio, é o mínimo que se esperava de Rhian e Diana, que já haviam virado sinônimo de pessoas que nasceram uma para a outra. Rhian não demorou a voltar com uma linda bandeja de café da manhã, com sucos, frutas, pães maravilhosos e o sorriso dela. Por Deus, aquele sorriso estava tão lindo que Diana poderia comê-lo no café da manhã.
_ Como assim ela foi embora? Eu achei que ela estava brincando_ Estavam falando de Kesnar e sua volta tempestuosa para Grace Bay.
_ Nada, a coisa foi séria. Pelo o que eu entendi, a Maria estava se recusando a oficializar o relacionamento delas, e a Amelie deu um ultimato: ou ela fazia, ou ia embora de vez. Como ela não fez, no outro dia a Kes foi embora.
_ Mas, por que a Maria não queria?
_ Ah Rhian, Amelie é uma cafajeste em convalescência, eu entendo o lado da Maria, nós até saímos para conversar, eu disse para ela que entendia, que tinha passado por algo parecido...
_ Com quem?_ E Diana lhe deu aquele tipo de olhar_ Quê? Comigo?_ Rhian respondeu quase ofendida.
_ Lógico!_ Respondeu Diana aos risos, com Harumi é que não tinha sido_ Disse que não confiei em você de cara, mas que quando você me provou que era diferente foi a melhor namorada do mundo, que ela deveria provar mais, porém a incerteza foi maior. Ela não acreditou que a Amelie ia embora mesmo, que nem eu com você nessa sua viagem para cá.
_ Eu não entendi nada, Diana.
_ Rhian, eu achava que você ia desistir. Lembra quando você me disse que não acreditava que eu pudesse ir embora quando eu fui? Eu pensei a mesma coisa, jamais achei que você pudesse me deixar. E aparentemente a Maria também não acreditava que a Amelie fosse mesmo embora. É tão inesperado. Ela é uma mulher tão atraente, tão segura de si, e fica com esse tipo de medo bobo de ser enganada.
_ E não era assim que você era quando a gente se conheceu?
_ Rhian, eu era uma menina de dezenove anos com todas as inseguranças do mundo em mim. Só fingia que era segura.
Rhian olhou para ela.
_ Eu tenho orgulho da mulher que você se tornou.
_ Eu também tenho. Só não mais orgulho que eu tenho pela mulher que você se tornou. Me conta, me conta daqui, me conta de tudo, eu quero saber de tudo!
Rhian iria contar tudo. Mas tinham tempo, tinha tempo para todas as coisas. Tomaram banho juntas depois do café e Rhian pediu para Diana vestir algo que havia comprado para ela.
_ Mas você disse que não tinha comprado nada pra mim!_ Disse sorrindo ao abrir o pacote alegre que nem criança no Natal.
_ Nada para te dar no aeroporto, mas você acha que eu não ia te comprar nadinha?
_ Rhian, que linda!
Era uma saia linda, amarelo-saara, com belas estampas africanas, comprida a lhe cobrir os pés, um top muito bonito para acompanhar e uma nesga elegante de barriga de fora e como Diana podia ser linda daquele jeito? Rhian estava a olhando completamente boba enquanto ela ficava pronta. Rasteirinhas hippies que ela havia trazido de Alto Paraíso, algumas pulseiras no punho, brincos bonitos, os cabelos soltos e longuíssimos! Como estavam longos e bem cuidados e como ela estava bonita, Rhian olhava, olhava e voltava para o quanto ela estava bonita.
_ Então, ficou bom?
Rhian levantou da cama e foi beijá-la, apaixonadamente.
_ A ponto de deixar com ciúmes o lugar que nós vamos visitar. Acho que você está prontíssima para caminhar no ar...
Caminhar no ar? Como assim, caminhar no ar?! Mas Rhian claro não lhe respondeu, simplesmente a pegou pela mão e caminharam agarradas para o jipe, era pertinho, Rhian lhe disse, mas daria uma volta por aquela orla maravilhosa antes de irem para o seu destino. Os jardins de Kirstenbosch! Com cinco dos seis biomas disponíveis na África, cheio de plantas admiráveis, árvores centenárias, flores vibrantes! E uma ponte insana que passava por cima das árvores. Era isto, era assim que iriam caminhar no ar! Mas não antes de fazerem um piquenique ao som de música clássica. Em Kirstenbosch havia recitais de música clássica todos os domingos e aquele era lindo domingo ensolarado, perfeito para ficarem sob a sombra de uma árvore centenária, ouvindo música clássica e curtindo uma a outra.
_ Diana, me fala da Isis_ Pediu Rhian depois que elas terminaram o piquenique e começaram a passear pelos biomas do parque_ A Ariana anda muito triste, disse que está sentindo aquele estágio.
_ Qual estágio?
_ Que precede o fim. Ela me disse que está sentindo a Isis cada vez mais distante, que elas andam se vendo menos e que parece que a Isis está só cozinhando ela. O que você acha? Você que conhece a Isis melhor que ninguém.
_ Olha Rhian, é muito difícil prever a Isis, principalmente porque eu nunca vi ela apaixonada por ninguém, a Ariana é a primeira. Ela fala da Ariana o tempo inteiro, diz que está morrendo de saudade todo final de tarde quando a gente se fala, mas tem coisas que eu não entendo. Ela está se matando, estudando para um concurso de juiz, e anda incentivando demais a Ariana fazer especialização lá no Rio, eu não sei mesmo o que passa pela cabeça dela, ela não me diz.
_ Só não quero que a Ariana sofra outra vez.
_ Eu também não quero, já intimei a Isis a respeito...
Chegaram a tal ponte suspensa, 130 metros de travessia por cima das árvores que fizeram juntas, de mãos dadas, apreciando tudo de cima. E haviam espaços para tirar fotos e espaços para meditação que Diana não quis desperdiçar e Rhian menos. Meditaram juntas, quinze minutinhos, de mãos dadas e parecia um sonho, Diana sorriu no meio apertando a mão de Rhian e a meditação acabou em beijo cheio de sorriso e empolgação. Desceram da ponte, mas continuavam nas nuvens, e Rhian disse que tinha planos lindos para aquela tarde. Voltaram para o jipe, e no meio do caminho, Diana gritou para que Rhian parasse o carro, que parasse já, agora, agora! E Rhian demorou para entender, mas parou o carro e quando viu sua namorada descendo rapidamente foi que percebeu o motivo. Estavam passando por Boulder’s Beach e a praia estava cheia, mas absurdamente cheia de pinguins! Obviamente, Diana correu para os bichinhos, para chegar perto deles o máximo que podia, e eles pareceram adorar a presença dela por ali, pois se aproximaram simpaticamente e pareciam vir dizer “oi” felizes demais. E Rhian só assistia, assistia Diana sem conseguir enjoar.
_ Então, os pinguins querem saber por qual motivo você acabou em um MBA de Defesa Nacional ao invés de começar a estudar Geociências.
Diana abriu um sorriso enquanto estava abaixada, vendo os pinguins bem de perto. Era a primeira vez que via esses bichos de verdade.
_ É que a minha noiva é médica em trabalho humanitário pela África, e apesar de eu adorar Geociências, prefiro ter uma carreira mais consolidada neste momento para depois pensar em mudar mesmo de profissão. Defesa Nacional é algo bem nobre, sabia? Posso até...
_ Evitar a terceira guerra mundial com todo este conhecimento, eu sei, eu sei!_ E Rhian a agarrou por trás beijando seu pescoço, a guardando em seus braços, enquanto brincavam com os pinguins simpáticos, e era hora de ir, ou perderiam a próxima parada.
Se despediram dos pinguins e voltaram para o jipe, Rhian dirigiu um pouco mais curtindo aquela sensação: era a primeira vez que viajava com Diana para um lugar onde nenhuma das duas havia estado antes. E sentia que o mesmo se passava com o relacionamento delas, estavam exatamente assim, curtindo um momento que nunca haviam tido antes. Pararam no Cabo da Boa Esperança, a região mais a sudoeste do continente africano e também o pico da estrada, seu ponto mais alto. Desceram para curtir as vistas deslumbrantes da costa, para apreciar o oceano Atlântico Sul de um lado e o Índico do outro, imensos e profundos. E podia se ver falésias e a chamada Região Floral descia pelos barrancos os cobrindo de flores e animais, viram aves oceânicas, uma zebra correndo a distância e até um filhote de elande! E estava lindo, mas precisavam correr.
_ Correr? É um elande bebê!_ Diana estava um pouco contrariada.
_ Você vai ver outros de perto, eu prometo, mas está vendo esse céu sem uma nuvem? A gente merece um lindo pôr do sol.
E ele estava numa cidadezinha logo ali. Havia uma caverna de onde poderiam assistir o sol se pondo lá na linha final da praia, chegaram em cima da hora, correram um pouquinho, Diana arrastando Rhian pela mão, a puxando pela trilha para não perder o costume e chegaram, Chapman’s Peak e inacreditavelmente, a caverna estava vazia, sem ninguém. Rhian esticou uma toalha no chão e elas sentaram-se para assistir e para falar um pouco mais. Ainda tinham tanto para dizer.
_ Eu surtei quando você veio para cá. Mas não foi só por querer você comigo, foi por outras mil coisas diferentes_ Disse Diana, recostada em Rhian que estava encostada na parede da caverna. Os braços juntos, os dedos agarrados_ Você veio para um lugar onde tem um conflito acontecendo, um combate religioso e contra ocidentais, feita por um grupo que detesta mulheres, você faz ideia? Minha noiva veio para uma guerra, atendendo todos os pré-requisitos do ódio.
_ Eu sei, amor, sei dos riscos, eu passei vários momentos de medo, a noite do tiroteio que eu te contei, a ameaça de bomba em um acampamento do lado do nosso, cada vez que eu viajava de ônibus meu coração vinha na garganta. Mas medos novos curam medos antigos. Eles substituíram parte dos meus outros medos. E depois que eu for embora, vou deixar todos esses medos novos aqui.
_ Vai deixar o TOC aqui também? Porque foi outra coisa que eu fiquei me martirizando, porque sabia que você ia sofrer.
_ Foi um tratamento de choque que começou já no ônibus_ Contou sorrindo_ Era velho, gasto, com mil bactérias quase aparentes, mas era meu único meio de transporte e não dava para viajar dezoito horas de pé, eu não tinha alternativa. E quando meu primeiro atendimento na África foi uma amputação feita por um leão onde eu só tinha um kit básico como equipamento, eu entendi que a África nunca dá alternativas. Eu fiquei num lugar sem saneamento básico, em que o esgoto corria pelas mesmas trilhas que as crianças usavam para ir para a escola descalças. Fiquei num lugar onde a água disponível é dividida com os animais, que a comida é escassa, que precisamos trabalhar com o que tem, porque é a única alternativa. Eu sofri nos primeiros dias por ter que dividir um banheiro com 40 pessoas. Mas quando vi as pessoas lá fora sem nenhum banheiro eu agradeci e parei de sentir nojo. Eu não comi uma noite porque a janta foi feita com uma carne de caça que cheirava muito esquisito. E em outras noites eu não conseguia comer a mesma carne esquisita, mas porque tinha visto crianças passando fome durante o meu dia, porque nem isso tinham para comer. Foi um tratamento de choque para todas as minhas futilidades. A minha visão de mundo mudou aqui. A minha visão de necessidades importantes, o importante não é ter um banheiro totalmente livre de bactérias; o importante é ter um banheiro para as necessidades. O importante não é ter uma comida que agrade o meu paladar, o importante é ter comida. Você entende? O meu cartão de débito ilimitado me dava alternativas demais, o que me causou problemas demais também. E então depois desta iluminação, me veio a culpa por ter dinheiro. Aí levou outro tempo para eu entender que não era problema ter dinheiro, e sim usá-lo de maneira errada, foram tantas coisas, Diana... Aqui se aprende muitas coisas por dia. Houveram dias tão difíceis que quando eu enfim conseguia tomar banho, chorava sem conseguir parar. Por saber da vida de determinadas pessoas. Da luta pelas necessidades básicas. E principalmente: pela ausência de melhorias no futuro. Aqui nós melhoramos o presente, o imediato. Mas o futuro está fora de mãos.
_ Você está muito diferente, diferente mesmo. Eu olhei para você no aeroporto e já deu pra perceber, há algo em você que simplesmente... Mudou.
_ A minha avó materna viveu a segunda guerra mundial na Alemanha e eu lembrei muito dela aqui. Cada vez que ela via a minha mãe comprando algo desnecessário ela dizia “Você nunca passou por uma guerra, Marina. Sem pão, sem água, sem esperança. É por isso que gasta dinheiro com nada”. Eu só entendi isso aqui. Acho que foi essa a chave que virou na minha cabeça.
Diana beijou o braço dela que passava pelo lado do seu rosto.
_ Eu estou muito orgulhosa de você.
_ E eu de você, mais uma vez. Se refez sozinha, saiu do Rio, começou do zero, sequer tocou na conta bancária que eu deixei pra você.
_ Até parece que você ia estar aqui limpando a sua alma, enquanto eu ficava lá, sem trabalhar, numa cobertura na Barra e andando de Cherokee..._ Falou, arrancando uma gostosa risada de Rhian.
Assistiram a um lindo pôr do sol, que naquele domingo pareceu se pôr só para elas. Então voltaram para o jipe, juntinhas, Rhian no volante e Diana no GPS, o vento batendo no rosto, o som agradável, as mãos que não se deixavam e quando voltaram para o quarto de hotel, Rhian já entrou a carregando, com Diana agarrada no seu pescoço e a boca dela na sua. Fizeram amor a caminho do chuveiro, um amor romântico e cheio de vontade, feito de mãos ansiosas, mas que agarravam profundamente, cheio de olhos nos olhos e confissões de saudades. O jantar foi no jardim e regado a vinho! Pediram os pratos no quarto e foram de roupão mesmo comer lá fora, descalças, sentindo a grama nos pés e quando que Diana achou que algum dia fosse ver Rhian descalça na grama? Nunca pensou!
_ E o Edgar?
_ Foi condenado tem um mês atrás, onze anos de prisão.
_ O que me diz que a pena da Kiria foi realmente branda.
_ Foi, Isis e Amelie conseguiram o melhor que podiam. Boa parte da Organização foi desfeita, todos os dias alguém é preso, mais coisas são descobertas.
_ E o Romeo?
Diana a estudou com os olhos. E ela estava bem fazendo aquela pergunta.
_ Condenado quatro vezes, está acumulando penas. Soube que ele foi transferido, está trabalhando na prisão, que tem bom comportamento. Aparentemente ele também mudou.
_ Só está sem drogas. Coisa que não acontecia desde sei lá, ele tinha onze anos. E o meu pai? Você sabe alguma coisa?
_ Prisão domiciliar, que ele cumpre na casa em Nova Friburgo. A mansão na Gávea como a maioria dos imóveis foi desapropriada, só sobrou aquele apartamento. Rhian, você já...?
_ Perdoei? Sim. Os dois. Não porque eles merecem, mas porque eu preciso de paz.
Diana buscou a mão dela e guardou na sua.
_ Eu quero conhecer onde você vai trabalhar.
_ Nós vamos, amanhã. Depois da gente subir aquela montanha ali, olha.
Era a Table Mountain! A Montanha da Mesa, que se mostrava imponente bem no coração da cidade. Era uma das novas maravilhas do mundo, que como o imaginado, tinha seu topo chapado feito uma mesa e contava com um pico chamado Lion’s Head, onde Rhian queria ter a oportunidade de ver o sol nascendo. O local contava também com um teleférico que tinha um dos passeios considerados mais lindos do mundo. Mas para isso tudo acontecer, tinham que dormir cedo, coisa que a saudade e a vontade não permitiram que acontecesse. Resultado? Dormiram quatro da manhã, depois de tanto amor feito, tantos risos derramados, tanta paixão espalhada por cada canto daquele quarto. Acordaram perto das onze, correndo para pegar o café, banho juntas, que levava tempo demais, porque haviam dormido por sete horas inteiras e já estavam com falta uma da outra.
Saíram meio-dia e prontas para mergulhar! Pegaram uma praia onde haviam passado no dia anterior, alugava-se cilindros para mergulho ali e havia sido outra coisa que Diana fez longe de Rhian: tirou seu certificado de mergulho e agora podia mergulhar profundidades maiores ao lado de Rhian. Mergulharam e além de toda a beleza dos corais e da vida marinha da África do Sul, foram agraciadas com a visita de uma baleia! Foi assustador e magnifico ao mesmo tempo, o coração de Diana disparou, mas a mão de Rhian na sua como sempre, a acalmou. Estava ali com o seu herói, o que de errado podia acontecer? Se despediram da baleia e voltaram para a praia. Ficaram ali por um pouco mais e então foram para outra praia, para almoçarem e quem sabe verem alguns tubarões? Viram muitos! E quando Diana tivesse um pouquinho mais de coragem, mergulharia com eles.
Voltaram para o hotel e aquela noite, decidiram que iriam sair, dançar em algum lugar, pesquisaram uma boate, Diana ficou linda em um daqueles vestidinhos pretos que deixavam Rhian louca, e Rhian ficou bonita como sua mãe gostava de vê-la, toda de preto, calça, blusa, jaqueta, porque sabia que sua namorada sentiria frio de madrugada, e saíram. Jantaram num lugar maravilhoso, que servia little dinner, jantarzinho, e então foram para a tal balada absolutamente maravilhosa! Cheia de gente dos mais variados lugares, com música boa, clima bom, dançaram juntas o tempo todo, se curtiram, Diana babou em cima de sua noiva que continuava dançando para parar qualquer trânsito, qualquer festa, qualquer possibilidade de Diana vê-la dançando daquele jeito e não querer arrastá-la para os seus beijos. Diana a puxou para fora, aos beijos, segurando os punhos dela, a prensando contra a parede, a prendendo com o seu corpo.
_ Para o carro, amor..._ Sussurrou entre os beijos.
_ Hum...?
E Diana virou-a de costas para si, pegando Rhian mais firme ainda antes de subir a mão pela nuca dela e lhe mordiscar a orelha, empurrando a parte baixa de sua cintura contra os quadris dela. Rhian gemeu, sentindo suas pernas choqueando de vontade.
_ Para o carro, amor, eu preciso de você agora...
Precisava. Correram para o carro e Diana a pegou, firmemente, sem dar tempo de Rhian se achar, ela respirou suspirando, a sentindo, em cada pedaço seu, na sua nuca, na sua garganta, dentro de sua calça, como a mão dela foi parar ali? Não fazia ideia. Só sabia que ter Diana dentro daquele jipe foi uma delícia, assim, no meio da noite, inesperadamente. Não voltaram para a festa, ficaram no carro e depois de recompostas, foram dar uma volta em St. James Beach, uma praia com casas de banho idênticas e coloridas, uma coisa linda de se ver, uma praia perfeita para se namorar. Pegaram cobertores no jipe e acamparam na areia, nos braços uma da outra, faltava apenas uma hora para o nascer do sol e não queriam perder. Nasceu. Tão lindo sobre o mar que Diana chorou. E Rhian a abraçou por trás, a guardando nos braços.
_ É lindo, não é?_ Lhe disse Rhian.
_ É lindo. Só não mais lindo do que nós duas aqui, juntas outra vez. Eu amo tanto você...
Rhian a beijou, dizendo que a amava mais, muito mais. E era hora de voltar para o hotel, aos beijos claro, para fazer amor antes de dormir, e pelo dia seguinte inteiro, não saíram do quarto, ficaram ali juntas, curtindo apenas uma a outra. Acertaram o sono, e acordaram antes do sol para subir a Lion’s Head e ver o sol nascer com privilégios. Fizeram a trilha para Table Mountain em seguida e ali do alto, puderam ver toda a Cidade do Cabo, deslumbrante, absolutamente deslumbrante.
_ Sabe o que mais apavorava na ideia de ficar presa? Perder a vista dessas janelas do mundo. E cada vez que eu penso nisso, eu penso na Kiria. Ela é como eu_ Disse Rhian a Diana, enquanto estavam sentadas ali no alto, descansando e apreciando.
_ Já vai terminar. Mais dois meses e a Harumi tira ela de lá.
_ Ela aguentou firme.
_ Se eu aguentei a minha noiva vindo para uma guerra, era o mínimo que ela podia fazer, né...
Rhian a puxou de lado e a beijou sorrindo. Desceram pelo teleférico e no outro dia, Rhian a levou para conhecer o lugar onde trabalharia nos próximos seis meses. A equipe estava trabalhando numa creche de crianças carentes aquela manhã e depois que Diana conheceu a casa de apoio, bem simples, mas confortável, Rhian a levou até a creche. E estava cheia! De crianças bem carentes e tão felizes! Eles estavam felizes com tudo, com os kits de higiene bucal, com os brinquedinhos que estavam distribuindo, com os doces, coisas tão simples e que causavam tanta felicidade. Diana leu para eles, e divertiu as crianças acertando todos os alvos com um arco e flecha de brinquedo, e eles se riam ao afastar os alvos cada vez mais, desafiando Diana que acertou todos, sendo aplaudida efusivamente em cada acerto. Rhian olhava para ela com as crianças, enquanto separava cobertores. Ela era ótima com crianças, era ótima com velhinhos, com animais, como podia? Ela era maravilhosa. Diana pegou no colo uma garotinha ao final da brincadeira, uma linda menina com a cor da África na pele e o verde do Caribe nos olhos. Diana havia a pegado depois de ouvir ela dizendo que seu cabelo era lindo, perguntando como a moça conseguia ter um cabelo tão bonito!
_ O seu cabelo é lindo! Muito mais bonito que o meu, eu não tenho esses cachos, nem se quiser muito, sabia?
_ Mas eu gosto do seu cabelo!_ A garotinha respondeu sapeca e sorridente, tocando os cabelos de Diana.
_ E eu gosto do seu! Você devia ser minha filha, sabia?
Ela lhe sorriu de volta feliz da vida ao ouvir. Aquela criaturinha tinha a cor e os olhos de Rhian, como podia não ser sua filha?
_ Eu queria levar ela com a gente_ Confessou Diana na saída.
_ Eu sei que queria. Você vai ser uma mãe linda, sabia?
_ De uma filha com os seus traços_ Respondeu, cruzando os braços pelo pescoço dela_ Eu quero ser mãe de menina, Rhian, uma menina sua. Jura pra mim que você vai me dar.
_ Juro. Se você me der um bebê igual a você.
_ Parece justo.
_ Justíssimo_ Rhian a ajustou pela cintura e a beijou, romanticamente.
E Diana, enfim conheceu Lorena, que tanto já havia lhe causado ciúmes, e elas saíram juntas com outros voluntários para um bar de praia, e foi muito agradável, mas um agradável que perdia de muito para a volta que fizeram depois pela orla surpreendente daquela cidade e a volta para o hotel. Os dias se passaram entre cama, amor, jacuzzi, mergulhos e um voo de parapente! Saltaram de Lion’s Head e Diana não fazia ideia de como Rhian havia a convencido, mas ela havia e quando se deu conta, estava voando naquela coisa pelo belíssimo litoral que se misturava com o cobertor de flores das encostas, das falésias, uma baleia lhe deu tchau do oceano, tubarões apareceram para lhe saudar e quando pousou na areia, não teve pernas para suavizar. Seu instrutor de voo precisou soltá-la e Diana ficou deitada na areia sentindo uma das emoções mais fortes de sua vida. E deitadinha ali, viu Rhian pousando com o outro instrutor, muito mais elegante e fina, porque Rhian era fina, até voando naquele troço. Ela passou por cima de sua cabeça, gritou que a amava e pousou, linda e segura na areia, mas o que esperar de alguém que havia cuidado de uma mordida de leão?
Rhian se soltou, agradeceu ao instrutor e veio deitar no braço de sua namorada na areia, cujo o coração parecia que ia sair sozinho do peito há qualquer momento.
_ O que achou?
_ Que eu ia morrer. Mas depois me convenci que não, que eu precisava viver para sentir isso...
A sensação de voar era incrível. De voar e cair nos braços do amor da vida nem se fala. Dormiram no jardim aquela noite, literalmente no jardim. Fizeram uma cama de cobertores e almofadas e deitaram ali, juntinhas para assistir o céu sem nuvens e cheio de estrelas que pareciam se esparramar na láctea do céu, que estava minado de estrelas, azuis, brancas, grandes, pequenas, chegava a ser crime dormir sob um teto quando se podia dormir ali, sob aquela pintura natural.
_ Eu nunca imaginei que um dia diria “Rhian, vamos dormir na grama lá fora?” e você fosse dizer sim_ Disse Diana, sorrindo deitada no braço dela.
_ E eu imaginei menos_ Respondeu sorrindo também. E então, ficaram em silêncio por um tempo, apenas olhando para aquele céu deslumbrante e era uma pena que todo aquele tempo que tinham no primeiro dia que Diana desembarcou, agora houvesse se resumido em apenas três dias. Ela iria embora em três dias e Rhian não estava sabendo bem como... Lidar. E nem se queria ter ou não a conversa que precisava. Bem, a resposta já estava aí, ela precisava_ Quer um chocolate quente?
_ Eu adoraria.
_ Eu vou buscar pra gente.
Ela foi, porque Rhian realmente estava a tratando feito uma princesa por todos aqueles dias. Diana ficou sentada na grama, enrolada no edredom, trocando mensagens com Isis, com suas amigas, com Ariana, era tão fofa a sua cunhada que nem sabia. Só não mais fofa do que a sua noiva linda. Que andava contando até para desconhecidos que estavam noivas, que já estavam juntas há oito anos e que agora voltava com uma bandeja com duas canecas generosas de chocolate quente com pedaços de chocolates derretendo por cima.
_ Mas, como você consegue essas coisas?!
_ Fazendo conhecidos, você sabe que eu sou boa nisso.
_ Você é boa em tudo meu amor_ A beijou gostoso para agradecer. E Rhian segurou o rosto dela pertinho, a olhando nos olhos um pouco mais. E Diana percebeu a nuance daqueles olhos mudando um tantinho_ O que foi?
_ Está acabando.
_ Eu sei. Mas estou tentando não pensar nisso, foi uma das condições que eu me coloquei para vir até aqui, não sofrer na volta. Você ainda tem um ano aqui, eu sei disso, eu vi o seu trabalho e vi o quanto ele está te fazendo bem.
_ E eu estou vendo o quanto o seu trabalho está te fazendo bem_ E isso preocupava Rhian. Ainda havia nela um pouquinho daquela Rhian egoísta, mas que aos poucos ela andava dissolvendo_ Diana... Como vai ser? Quero dizer, quando eu voltar, você parece tão bem em Brasília, no seu apartamento, perto da sua mãe, da Isis.
_ Rhian, eu vou casar com você. É por isso que eu ainda não aceitei nenhuma proposta de emprego que não seja freelancer, eu vou voltar para a casa, para a nossa casa, é isso que vai acontecer. Eu não tinha bem certeza disso, não sabia como seria quando a gente se reencontrasse, mas está tudo aqui_ Disse, pegando a mão dela na sua_ Tudo o que é nosso, mais forte, mais bonito, eu vou esperar você, é só mais um ano.
Só mais um ano... Por que parecia tanto para Rhian? Dormiram ali fora depois de tomar o chocolate quente, conversarem mais, darem mais risadas, ela lhe esperaria. Lhe deu certeza disso, esperaria por Rhian fielmente e quando Rhian terminasse a sua missão, casariam e começariam uma vida nova, enfim. Um ano, outro ano inteiro sem Diana... Era como um ano sem chover. Era assim que se sentia. Mas precisava seguir em frente e enquanto pensava nisso, Diana acordou no meio da noite a enchendo de beijos e a fazendo esquecer de todas as coisas...
Rhian a levou para um safari na manhã seguinte! Pegaram a estrada cedo, e Rhian dirigiu por quase duas horas até a Reserva Aquila, um lugar maravilhoso feito de biomas extraordinários e onde poderiam ver animais incríveis! E será que dava para não terminar? Foram de capota aberta, cabelos voando, ouvindo as músicas que gostavam, enquanto Diana fazia vídeos, tirava fotos, mandava beijos para Rhian e lhe ajudava no caminho. Estava tão bom, tão gostoso, haviam saído antes do sol surgir, quatro da manhã para poderem chegar a tempo do safari que começava as seis e quinze. Chegaram em tempo, desceram correndo, encontraram seu guia, Rhian havia reservado um passeio só delas, não por soberba, apenas porque queria curtir sua namorada livremente naquele dia.
E foi um passeio maravilhoso. Viram árvores incríveis e paisagens sem árvores nenhuma, a todo momento passavam por animais extraordinários, hipopótamos, aves coloridas, felinos pequenos, cervos, cobras e os cinco grandes! O guia falou que era muita sorte terem conseguido cruzar com rinocerontes, leões, um leopardo, um grupo de búfalos africanos e com os adoráveis elefantes. E Rhian via o sorriso de Diana, e aqueles lindos olhos brilhando cada bicho novo que aparecia, era uma moça de sítio a sua noiva, e Rhian adorava, simplesmente adorava ver aquele brilho todo em seus olhos castanhos. Almoçaram dentro da reserva mesmo, lá pelas duas da tarde, porque ainda havia algo que Rhian precisava que ela visse. Voltaram para o carro com o guia e alguns quilômetros para frente, ela apareceu.
Melhor, elas apareceram.
_ Rhian!_ E Diana brilhou aqueles olhos, e apontou, e ficou de pé eufórica e sem conseguir acreditar no que estava vendo_ Rhian, são girafas, são girafas!
Eram. E Rhian estava louca para ver aqueles olhos fulgurando assim, porque sabia que ela ia reagir desta forma, assim que ela visse aquelas girafas.
_ Olha que lindas, Rhian, minha nossa!_ Diana estava praticamente quicando dentro do carro_ Moço, para o carro, para o carro!
_ Ele não fala português, Diana_ Disse Rhian a segurando pela cintura ou ela saltaria para fora do carro_ Please stop, she wants see it.
_ Olha como elas são altas, olha essas cores! Oi girafas! Ei, olhem pra cá, aqui, aqui!_ Pronto, ela estava com doze anos outra vez_ Rhian, eu quero chegar perto, só um pouco, é rapidinho!
_ Ei, ei, ei!_ Rhian a puxou para dentro do carro outra vez, morrendo de rir_ Você lembra dos cinco grandes, amor? Leão, leopardo, rinocerontes, estão todos aqui perto e adorariam almoçar você, a gente nem casou ainda...
_ Mas eu queria, eu preciso...!
_ Eu sei. Nós temos outro lugar para ir, você vai adorar.
_ Está me enganando só pra gente ir?
Rhian caiu no riso outra vez.
_ Não amor, não estou, eu tenho uma surpresa pra você, elas que resolveram aparecer antes...
Rhian tinha uma surpresa. Um santuário de girafas que ficava há alguns quilômetros do parque. Chegaram lá perto das quatro, e Diana praticamente correu para o lugar onde as girafas ficavam e haviam dezenas delas por ali! Machos, fêmeas, filhotes, os filhotes eram lindos! Tinham a altura de Diana e ela pode brincar com eles um pouco, pode aprender sobre as rainhas africanas e então, subiram para as plataformas. Eram elevados bem altos, onde podiam olhar nos olhos daqueles incríveis animais, Rhian se divertiu com uma das girafas que adorou Diana, e chegava perto, e mostrava a língua para ela a fazendo a moça mais feliz do mundo. E então o sol começou a querer ser pôr sob a savana e enquanto Diana alimentava as girafas, Rhian ficou meio solitária. Sentou-se no elevado, de costas para o pôr do sol, pensando que o dia seguinte seria o último com Diana ali. Foi um alívio ouvir que estavam noivas outra vez, que ela lhe esperaria, mas nem de longe significava que seria mais fácil ficar longe dela outra vez. E foi quando uma girafa passou por cima de sua cabeça para roubar a ração que Rhian tinha nas mãos, a fazendo sorrir. Eram adoráveis mesmo.
_ Ela veio buscar, já que você esqueceu de alimentar_ Lhe disse Diana do outro elevado.
_ Você está linda no meio dessas girafas, sabia?
_ E eu já estou morrendo de saudades de você... Vem aqui, vem.
Até parece que Rhian não iria. Passou para o elevado dela, e elas assistiram juntas aquele lindo pôr do sol cheio de girafas, agarradas, de mãos dadas. Nunca esqueceriam, nunca. E nem Rhian conseguia esquecer que Diana estava indo embora.
Não saíram do quarto no dia seguinte. Ficaram juntas o tempo inteiro, se curtindo no quarto, fazendo amor, amor urgente, já cheio de saudade, amor mental, físico, cheio de paixão, que também era feita com os olhos, com os toques, com suspiros e gemidos, quando as palavras fugiam. E elas fugiram o tempo todo. Elas pouco falaram naquele dia. Só se olharam, se tocaram, ficaram juntas, abraçadas, e o meio da noite as encontrou nuas na cama, Diana de bruços, enquanto Rhian lhe percorria as costas, descendo os dedos delicadamente, de cima a baixo, até a tatuagem em sua nuca.
_ Eu não quero dormir_ Sussurrou Diana, e Rhian sentiu nela a mesma voz embargada que estava em sua garganta.
_ Nós não vamos dormir. Mas a noite vai acabar de qualquer jeito_ Disse, e Diana sentiu uma lágrima molhando suas costas. Virou-se de frente, para olhar naqueles olhos verdes que estavam tão molhados.
_ Não, eu acho que eu quero dormir_ Disse, tocando aquele rosto bonito_ Eu preciso ver esses olhos lindos acordando pela manhã mais uma vez...
_ Ah Diana...
_ Eu mudei, Rhian, eu quero que você saiba que eu também mudei. Com aquele cuidado da Lispector que eu sei que você também teve.
_ Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
_ Isso, então eu continuo um pouco mimada, e um pouco irritada, e só um tantinho ciumenta, mas estou melhor para você, para enfim casar com você, você é o amor da minha vida, e eu não vejo a hora de poder levar você pra casa outra vez...
Mais lágrimas, mais beijos, mais amor. Rhian de alguma forma dormiu, talvez tenha dormido apenas para fazer a vontade dela, porque Diana era mimada, sabemos, e a culpa devia ser de Rhian. Acordou com ela sobre o seu peito lhe olhando com o sorriso mais lindo do mundo. Fizeram amor, e agora Diana já tinha marcas suficientes dela em seu corpo para levar consigo. Iriam durar uma semana, pouco menos? Não importava, só queria a boca de Rhian em si tanto quanto Rhian queria as unhas dela por sua pele. Tomaram café no quarto e o voo de Diana sairia meio-dia. Foi a parte mais difícil. Sair do quarto. E então entrar no carro, não só pior do que ter que deixá-la no aeroporto, linda demais de vestidinho preto e cabelos soltos, cheia de souvenires da África e aquela despedida foi bem diferente da última.
Diana ficou com os braços enroscados no pescoço de Rhian, olhos nos olhos, conversa sussurrada, braços de Rhian em volta de sua cintura e ela querendo chorar o tempo todo. Sabia que ia ser difícil deixar Diana ir desde quando a trouxe para a África. Mas não achava que seria tanto.
_ Eu vou te esperar, amor, falta só um ano, não vou tirar essa aliança do dedo nunca mais. Aqui é muito melhor, vamos poder nos falar o dia inteiro, por telefone, por vídeo, eu vou para a casa agora, a nossa casa no Rio, vou arrumar as coisas por lá, levar o carro para a revisão, vou passar a ir mais vezes, porque quando você voltar, a primeira coisa que eu quero que você sinta é o cheiro da gente. Eu te amo, te amo, te amo!
Rhian a amava também. Era a coisa que mais amava na sua vida. Só a largou quando não tinha mais jeito e ouviram a última chamada do voo dela. Então ela foi embora. Sorrindo e atirando beijos, e Rhian engoliu o choro pela última vez e não conseguiu mais. Devolveu o carro, voltou de ônibus e chorando o tempo todo, sem conseguir parar. Tinha novamente somente a mochila de camping nas costas e um coração doendo demais no peito. Continuou chorando quando entrou na casa de apoio, Lorena veio até atrás dela preocupada, perguntar o que ela tinha, o que estava acontecendo.
_ Ela foi embora.
Era isso, claro que era. Lorena sentou-se ao seu lado, a abraçando pelos ombros.
_ É claro que foi, Rhian, você sabia que ela precisava ir.
_ Eu sei! Mas é que... Eu não fazia ideia de que ia doer tanto...
_ Rhian..._ Lorena pegou a mão dela, o choro dela era tão sentido que era impossível não se comover_ Quando você chegou aqui, estava tão ferida que não conseguia sentir o amor dela direito. Agora você está curada, ela também está, o amor voltou a ficar a flor da pele e muito mais difícil de se abrir mão. Mas se você não tivesse vindo para cá, acha que estaria curada assim?
Rhian soluçou tentando se acalmar.
_ Eu acho que não. Mas isso não torna nada mais fácil...
Não era fácil para Diana também. Foi dobrar de costas e começar a chorar a caminho do avião, não havia chorado na frente de Rhian, porque sabia que ela estava fragilizada, as coisas não eram fáceis, a distância doía, mas Rhian estava tão diferente! Tão renovada, leve, estava dando certo, Diana não podia atrapalhar ou fazê-la fraquejar. Era seu papel de namorada, de noiva, de futura esposa. Mas fraquejou quando estava sozinha dentro do avião. Chorou e chorou até dormir, porque o voo era longo e ela estava cansada demais. Chegou de volta todas aquelas horas depois, e Graziela e Laís vieram buscá-la no aeroporto, abraço duplo, muito carinho, Diana estava linda, mas estava partida. Havia deixado seu coração na África do Sul.
Foram almoçar num restaurante perto do aeroporto.
_ Ela está incrível_ Disse, agora que havia controlado o choro_ Está linda, está forte, com uma pele maravilhosa, tão diferente, tão renovada, ela realmente parece estar conseguindo, Grazi.
_ Deixar aqueles sentimentos ruins para trás?
_ Todos eles. O olho dela mudou, eu não sei explicar.
_ Assim como uma cobra se desfaz da sua pele, nós devemos nos desfazer do nosso passado sempre e sempre_ Disse Laís_ Ela fez como Buddha nos pede, se despiu das coisas ruins, isso muda a alma, você sabe disso melhor do que eu, Hanna é sua mãe.
_ Eu sei, eu sei. E é isso que me empurrou para cá, eu fui com várias coisas na cabeça e uma delas, era tentar convencer ela vir comigo. Mas em um dia eu percebi que não tinha este direito, de interromper, sabe? Ela está iluminada e eu só quero estar à altura dela, porque meninas, ela vai voltar e vai casar comigo, este casamento já está virando questão de honra!_ Disse, as fazendo rir.
_ Oito anos de namoro, já deu, né? Mas conta, conta como foi lá! A gente ficou rindo aqui por dias, porque você saiu daqui dizendo que ia lá como amiga, que iam conversar...
_ Grazi, eu olhei pra ela e eu não sei como foi, mas em segundos, estava dependurada no pescoço dela...
_ E com a língua dela dentro da sua boca, eu nunca entendi como essas coisas aconteciam, Diana...
Rhian chorou por aquela noite inteira. Numa indagação simples e ao mesmo, complexa de fazer doer a mente. Rhian sempre havia dito que Diana sempre seria o seu real masoquismo. Ela havia lhe feito sofrer desde o começo, primeiro com a resistência ao namoro, depois com as brigas, as desconfianças, os problemas que tiveram por causa da família de Rhian, e agora ali estava Rhian, oito anos depois, ainda sofrendo por ela. E foi quando se deu conta. Diana era seu real masoquismo. Um masoquismo que Rhian mesmo acabava se causando. Não era o que estava fazendo agora? Ao se manter distante dela? Quando podia simplesmente... Ir ficar com ela? Rhian estava conflitada. Ao mesmo que sabia exatamente o que fazer.