Última Noite de Amor - Capítulo 16
Isabel entrou na cozinha com a maior cara de sono.
-- Bom dia, Isa! Dormiu bem? -- Simone a saudou sorrindo com a simpatia que lhe era peculiar.
-- Bom dia, Mone! -- Não dormi muito bem. Tive um pesadelo terrível com o facínora do Bob -- colocou a mão sobre a boca e bocejou.
-- Você ainda não me contou o que aconteceu durante essa sua viagem a Angola e como se envolveu em toda essa confusão, Isa.
-- Vou te contar nos mínimos detalhes. Só não te contei ainda, porque é uma estória muito longa -- se sentou à mesa, serviu-se de café e bolo.
No quarto, Valentina se aproveitava da oportunidade única de ficar a sós com Alexandra.
-- Meu amoooorrr, Charles Cullen voltooouuu -- sorriu diabolicamente -- Quem desconfiaria de uma parada cardíaca, hein? Estamos todos suscetíveis a isso, não é mesmo? Principalmente você, Xanda. Tadinha, tão debilitada.
Encheu uma seringa grande de um frasco de medicamento líquido que tirou da sua bolsa. Ela se virou então e foi em direção a Alexandra com um sorriso frio nos lábios.
-- Vai se sentir muito melhor em apenas alguns momentos, meu amor -- segurava a seringa firme na mão. Seu sorriso era ameaçador -- Você não merece passar por isso. Serei o seu anjo salvador.
-- A Tati já chegou do hospital? -- Isabel Levava a primeira xícara de café à boca quando parou em meio caminho para esperar a resposta de Simone.
-- Não. Ela avisou que antes de vir para cá, passaria em casa para pegar algumas roupas.
-- Você deixou a Alexandra sozinha? -- Perguntou admirada.
-- Claro que não. A Valentina ficou cuidando dela -- falou despreocupada -- Ela ainda está dormindo.
Isabel se levantou com tanta violência que chegou a derrubar a cadeira.
-- Você não devia ter feito isso... -- falou e saiu correndo em direção ao quarto.
Valentina estava a centímetros de aplicar a injeção em Alexandra, quando a falta de prática aliada ao nervosismo, a fez derrubar a seringa da mão.
-- Filha da puta -- xingou com veemência e se abaixou para pegar a seringa que caiu em baixo da cama -- Droga, droga, droga.
A porta do quarto foi aberta em rompante, fazendo Valentina se levantar do chão assustada.
-- O que significa isso, garota? Sua mãe não te ensinou a bater à porta antes de entrar? - sentiu vontade de se rasgar de tanta raiva que sentiu de Isabel.
Isabel olhou para Alexandra que ainda dormia sob o efeito da medicação. Sentiu o olhar de Valentina sobre ela, sentiu que o tom de voz dela era de ódio profundo, engoliu em seco. O que diria se ela não estava fazendo nada de suspeito?
-- Desculpa -- não desviou o olhar em momento algum de Alexandra -- Fiquei preocupada que houvesse acontecido algo com ela.
Valentina disfarçava olhando de lado para o chão, tentava ao menos ver aonde a seringa havia caído.
-- Você é muito abusada. Vou conversar com a Janaína. Não vou aceitar uma louca como você cuidando da minha noiva -- deu mais uma olhada ao redor e não viu a seringa.
-- Então? Nossa garota não acordou ainda? -- Simone mais uma vez chegou no momento exato e salvou Isabel da loira.
-- Ainda não Mone. Vou aproveitar para dar banho nela -- falou para provocar Valentina e seu objetivo foi alcançado plenamente, pois a loira quase pulou no pescoço de Isabel.
-- Nunca! Não vou permitir que você toque de maneira tão intima em Alexandra -- seus olhos soltavam faíscas.
-- Esse é o meu trabalho. Saiba que sou uma profissional exemplar -- teve vontade de dar uma gargalhada nesse momento. Era realmente uma prostituta exemplar? Isso existe?
Simone também segurou o riso. A discussão entre elas era cômica.
-- Tem outra, não precisa se preocupar -- Isabel continuou -- Tenho aversão a mulheres. Não sei como consegui mamar tanto tempo em minha mãe?
Valentina bufou entediada.
-- Posso ficar mais alguns minutos a sós com ela? -- A loira estava desesperada. Precisava recuperar a seringa, senão estaria perdida.
-- Não Valentina. Vamos deixar a Isabel fazer o seu... trabalho -- deu um sorrisinho de lado e puxou a loira pelo braço.
-- Eu quero... -- tentou contestar, mas Simone não deu chance para ela.
-- Vamos -- a puxou para fora do quarto.
Isabel ainda ficou algum tempo parada de pé, olhando para a porta que havia sido fechada por Simone. Que confusão, pensou.
Finalmente podia voltar a sua atenção para Alexandra.
-- Alexandra -- ela a chamou de maneira suave, tocando-lhe um dos braços bem de leve -- Por favor, acorda -- e a resposta sonolenta. A respiração suave em sua boca, as mãos espalmadas sobre o lençol, causaram uma sensação tão gostosa e paciente em Isabel, que ela até se estranhou. Era dengo demais para uma pessoa acostumada as porradas da vida -- Alexandra, acorda! -- A sacudiu pelo ombro.
-- Hummm? O que foi? -- Perguntou sem abrir os olhos -- Deixa eu dormir mais um pouco. Mais tarde a gente transa de novo.
-- Alexandra, não estou para brincadeiras. Acorda logo -- foi até o telefone e pediu para Edna trazer o café da manhã para a empresária.
-- Esqueceu que você trabalha para mim? Fica aí me tratando como se eu fosse a dona Maria da barraquinha de churros.
-- Fique sabendo que eu trato a dona Maria da barraquinha de churros com muita educação.
-- Você ainda não pensou, que eu posso sem querer, é lógico, bater com o gesso na sua cabeça?
-- Já, e é por isso que sempre fico de longe -- Isabel levantou a cabeceira da cama fazendo assim que ela ficasse meio sentada -- Está nervosinha hoje?
-- O que você acha? -- Perguntou de mau humor.
-- Acho que deveria maneirar, afinal de contas você está catatônica.
-- Hoje vou mudar de doença. Estarei com amnésia. Cansei de ficar muda.
-- Você não pode ficar trocando de doença como troca de roupa.
-- Falar em trocar de roupa... vou tomar banho hoje? -- fez a cara mais safada do mundo.
-- Se você pensa que vou ficar passando a mão em você? Está muito enganada.
-- Vai dar banho como então? Ficar jogando água com um regador?
-- Vou usar uma máquina de lava a jato -- Isabel sorriu -- Trate de limpar esses pensamentos pervertidos, Alexandra.
-- Que pena. Estou a tanto tempo sem gozar. Pensei que a enfermeira do amor terminaria com o meu jejum.
Isabel deu um tapa na cabeça dela com tanta força que chegou a sentir dor na sua mão.
-- Aiiiiii... -- Alexandra esfregava a mão no local em que ela bateu -- Você é louca, é?
-- Sou, sim. Então não provoca.
Edna entrou no quarto empurrando o carrinho com o lanche de Alexandra. Imediatamente a empresária ficou muda.
-- Olá, meu amor -- beijou a cabeça da garota -- Estou com tanta saudade da minha irritadinha.
-- Falam que ela além de irritadinha, é uma pessoa mal-humorada, arrogante, grosseira, teimosa, intolerante, amarga, chata e sem vergonha.
-- Credo -- Edna a olhou contrariada -- Ela não é tudo isso.
Alexandra revirou os olhos. Tinha vontade de esgoelar Isabel.
-- Depois que ela comer. Vou dar uma limpadinha no quarto. Pode ser, Isabel?
-- Claro, Edna -- Isabel suspirou fundo e olhou para Alexandra -- Sem aviãozinho, sem música ridícula da galinha pintadinha, sem travar os dentes. Se quiser comer abra a boca e pronto. Estou meio sem paciência hoje.
Edna observava atônita. A enfermeira não fazia ideia com quem estava lidando. Alexandra sabia ser bem maldosa quando queria. Se quando ela melhorar, conseguir lembrar de tudo isso, ela estará ferrada.
Janaína acordou numa moleza terrível, com o corpo todo dolorido, como se estivesse de ressaca, mas não havia consumido nenhuma bebida alcoólica. Havia ficado somente no suco na noite anterior.
Olhou para o celular como fazia todas as manhãs para ver se tinha uma mensagem de bom dia de Giovana. Como machucava pensar todos os dias na mesma pessoa, desde o acordar até o deitar e saber que ela não está mais fisicamente ao seu lado.
Levantou e se arrastou até o banheiro. Tomou banho e desceu para a cozinha.
-- Bom dia Simone -- pegou uma xícara e colocou café -- Como está a minha chefinha hoje?
-- Bom dia Janaína. Quando sai do quarto ainda estava dormindo. Mas já deve ter acordado, pois a Edna foi chamada pela Isa para levar o café para ela.
-- Daqui a pouco vou até lá. Primeiro quero dar um jeito nessa minha cara amassada, não quero aparecer assim para ela.
-- Concordo plenamente. Alexandra vai perceber o seu sofrimento e isso não vai fazer nada bem a ela.
-- Bom dia -- Tatiana entrou na cozinha com uma mochila nas costas.
-- Bom dia! -- Simone e Janaína responderam juntas.
-- Tudo bem na minha ausência?
-- Tudo tranquilo. A Isa está dando o café para ela -- Simone bateu na cadeira ao seu lado -- Senta aqui toma café com a gente.
Isabel apareceu sorrindo. Encheu um copo com suco e sentou à mesa com as outras.
-- Hoje pela primeira vez a dona Alexandra não fez birra. Não travou os dentes e nem virou o rosto, como era de costume fazer -- contou com entusiasmo.
-- Isso realmente é uma bela evolução, Isa. Alexandra quando quer infernizar alguém, é terrível -- Janaína falou colocando a xícara vazia sobre a mesa.
-- Janaína, você tem um tempinho livre hoje? Gostaria de conhecer o local que você reservou para a Alexandra fazer a fisioterapia.
-- Pode ser agora? Estou querendo dar uma passadinha no cemitério antes de resolver algumas coisas na faculdade.
-- Por mim tudo bem. Vamos?
Janaína e Simone saíram deixando Isabel e Tatiana sozinhas.
-- Queria mesmo falar a sós com você. Tenho uma proposta para te fazer.
-- Só se for algo bem interessante. De propostas mixurucas estou cheia.
-- Essa é boa -- olhou para a porta para ter certeza que a amiga não estava por perto -- Só que a Mone não pode saber.
-- Então fala -- colocou os cotovelos sobre a mesa, apoiou a cabeça na mão e ficou encarando Isabel -- Manda.
-- Hoje é o meu dia de dar banho na Alexandra, mas eu não me sinto preparada para esse trabalho. Estou disposta a trocar uma noite sua por esse banho.
Tatiane pensou, pensou e respondeu:
-- Não.
-- Como não Tati? É uma proposta irrecusável.
-- Para mim não -- também olhou para a porta para garantir que estavam a sós -- Tenho outra proposta bem mais interessante.
Isabel olhou desconfiada. Com certeza vinha bomba.
-- Desembucha.
-- Três banhos em troca de você me ajudar a conquistar uma pessoa.
No quarto Edna começava a fazer a faxina.
-- Por incrível que pareça o seu quarto está bem mais organizado agora, Alexandra. Mesmo com esse entra e sai de enfermeiras, está limpinho e sem aquele monte de roupas jogadas. Você é muito bagunceira, minha filha. Tem que tomar jeito na vida...
Edna falava tanto que Alexandra teve vontade de desistir do plano e mandar ela calar a boca.
A mulher abaixou-se para passar um pano úmido embaixo da cama e bateu com o rodo em algo. Puxou para mais perto, pegou e colocou sobre a cômoda.
-- Essas enfermeiras, hein? Chegam até a perder seringa com medicação -- se virou para Alexandra e sorriu -- Sabe dona Alexandra. Nunca pensei que um dia diria isso, mas, já estou com saudade de ouvir você me mandar fechar a boca -- deu uma gargalhada e saiu.
Alexandra bufou e tentou se ajeitar melhor na cama.
-- Deixa que eu te ajudo -- Isabel se aproximou sorrindo.
-- Quando tudo isso terminar, me lembre de demitir a Edna e mandar te executar com requintes de crueldade -- falou brava.
-- Eu tudo bem, mas a Edna, coitada, é uma ótima funcionaria. O que ela fez de tão ruim?
-- Tortura psicológica. Sabia que isso é crime?
-- Há tá. Deixa a coitada em paz e vamos tomar banho.
-- Nós duas? -- O humor de Alexandra deu uma virada de 180 graus.
Isabel deu uma risadinha debochada.
-- Não, infelizmente meu amor, você vai ter que gozar com a Tatiana, porque hoje eu não estou para o sexo -- espalhou os cabelos dela com a mão e saiu do quarto.
-- Idiota -- resmungou e fechou a cara -- Vou infernizar tanto essa Talita, que ela nunca mais vai pensar em dar banho em mim.
No subúrbio do Rio. Bob dava ordens aos seus capangas.
-- Pipoca, eu quero que você monte acampamento em frente ao prédio em que Isabel mora.
-- Com barraca de camping e tudo? Mas, isso não vai chamar a atenção dos "homem", patrão?
Bob se virou e deu um tapa na orelha do capanga.
-- É modo de dizer, seu burro. Quero que vocês fiquem vigiando aquele lugar 24 horas por dia. Qualquer movimentação que houver, me avisem. Entendeu sua mula?
-- Explicando assim, com jeitinho, fica mais fácil né chefe.
Em Copacabana.
Valentina abriu a porta com um sorriso bobo nos lábios.
-- Entra. Espero que o que tenha a falar seja realmente importante.
-- Não sou homem de falar abobrinhas. Se disse que tenho um plano perfeito é porque tenho um plano perfeito.
-- Então comece a falar, Gustavo. Estou muito interessada nesse seu plano perfeito.