Capítulo 17 - Congênere
Sam demorou para se dar conta que seu comunicador bipava, havia dormido três horas e sentia-se ainda exaurida. Era Mike chamando.
– Lindsay?
– Não, é seu noivo, não viu na tela?
– Ah, desculpe, estou morrendo de sono. Meu Deus, parece que não dormi nada… – Sam disse e finalizou com um bocejo prolongado, já dentro do banheiro, a portas fechadas.
– Dormiu tarde?
Sam arregalou os olhos e seu deu conta do que acontecera na noite anterior, sentiu até a alma arrepiando-se.
– Dor nas costas. – Falou gaguejando.
– Ainda? Você tem dirigido demais, precisa fazer mais pausas.
Ela esfregou a mão no rosto, um enjoo surgiu piorando tudo.
– Novidades?
– Da minha parte nada, a não ser aquela condecoração que eu te falei, saiu, receberei essa semana. Estou ligando porque você pediu que eu te ligasse hoje.
“Tarde demais.” Sam pensou.
– Que bom, que bom… E parabéns. – Bocejou novamente.
– Sam, você vai pegar a estrada assim, morrendo de sono?
– Preciso.
– Nem para isso essa garota cega que está com você serve. Quando eu estiver com você irei assumir o volante.
– Tem previsão? – Sam falava sentada no vaso, com os olhos fechados.
– Ainda não, mas quando menos você esperar, eu vou aparecer aí e conduzir essa missão.
– Ok, apenas me avise e te direi onde estou. Sua ajuda será bem-vinda.
– Aquela menina tem atrapalhado você, não é?
Sam abriu os olhos, não sabia o que responder, sua cabeça não conseguia processar as informações.
– Menina?
– Esqueci o nome dela.
– Theo.
– Lindsay me falou que ela tem te atrapalhado.
Sam esfregava os olhos, que ardiam ainda de sono.
– Não, não é verdade. Ela tem se virado, é alguém com quem posso me distrair.
– Lynn também me contou que essa garota é uma prostituta.
– Lynn fala demais.
– É ou não é?
– Era.
– Que bela companhia, hein? Imagino os valores dessa garota.
– Mike… Vou tentar dormir mais um pouco, ok? Depois nos falamos.
– Ok, durma e descanse, em breve te darei boas notícias.
– Beijo, fique bem, te amo. – Falou no automático.
Deu um longo suspiro e quase adormeceu ali, sentada na tampa do vaso. Voltou para a cama.
– O que foi? Temos que levantar já? – Theo resmungou de olhos fechados, virando-se para seu lado.
– Não, durma. Mas não ronque.
– Eu não ronco, sua chata.
Sam sorriu e a abraçou, e ambas adormeceram em poucos minutos.
Uma hora depois, novamente seu comunicador toca.
– Mas que mer… – Sam resmungou, pegando o comunicador com raiva.
Sentou-se lentamente na cama, olhou para a tela, era sua irmã.
– Lynn, vou tomar um banho para espantar o sono, te ligo em meia hora. –
Respondeu, e seguiu para o banheiro.
Começava seu banho quando uma avalanche de cenas, sensações e sentimentos da noite anterior a invadiram. Não conteve um sorriso bobo e aberto, fechou os olhos e ergueu a cabeça, deixou a água caindo em seu rosto por longos minutos, relembrando, satisfeita. Aquele sorriso persistiu durante todo o banho.
Quando saiu do banho, ainda enxugando os cabelos, sacudiu o ombro de Theo, a acordando, e informou que sairiam logo. Theo levantou também preguiçosamente, coçou os olhos e foi tateando para o banheiro, esbarrando na porta.
– Cuidado. Com a porta. A nécessaire está dentro da pia.
– Dentro?
– Eu derrubei dentro da pia.
– Não mude as coisas de lugar. – Theo falou já dentro do banheiro.
– Estou avisando.
– Por favor, diga que teremos café hoje.
– Acabou, compraremos na rua. Vá tomar banho.
Samantha já havia juntado e guardado todas as coisas, recostou-se na mesa a frente da cama, tirou o comunicador do bolso e o encarou desanimada, ligou para sua irmã.
– Bom dia Lynn, agora posso falar.
– Bom dia, não pude te ligar ontem. Como estão as coisas por aí?
– Bem.
– Conversou com a garota sobre aquilo?
Sam hesitou antes de responder.
– Conversei.
– E como foi? Ela entendeu? Reagiu mal?
– Entendeu, a conversa foi tranquila.
– Quem bom, uma preocupação a menos. Vai para onde hoje?
– Eu dormi com ela.
– Mas vocês não dormem juntas todas as noites?
– Ok, vamos colocar em outras palavras: nós fizemos amor. – Sam fechou os olhos com força, já aguardando a missiva da irmã.
– Meu Pai todo poderoso, me diga que foi contra sua vontade.
– De forma alguma. Ok, Lynn, apenas tente não…
Lindsay a interrompeu aos berros.
– Você se tornou uma prostituta?? É isso que está me contando?? Minha irmã agora é uma devassa que dorme com qualquer vagabunda imunda e trai o noivo??
– Não fale assim. – Sam disse, de forma firme.
– O que você quer que eu diga, Samantha? Que te dê os parabéns? Ok, parabéns, você deve estar agora cheia de doenças que essa garota suja te passou.
– Que horror, Lynn, pare com essas coisas, ela não…
– Ela não é uma prostituta? Você me disse que era, que trabalhava num bordel.
– Mas ela é uma garota normal, você a está julgando por algo que ela era obrigada a fazer.
– Você não tem vergonha? Meu Deus, eu estaria morrendo de vergonha e culpa… Todos esses anos dentro da igreja não te serviram para nada pelo visto, como pode uma pessoa que tem Deus no coração fazer uma coisa nojenta dessas? Seria mais um desgosto para nosso pai se ele soubesse disso, e Mike então? Um homem bom, de boa família, que sempre te tratou com respeito, nunca sequer olhou para outras garotas, como você pode fazer isso com ele? Como você permitiu que essa blasfêmia acontecesse? – Lindsay despejava em velocidade.
Sam ouvia tudo já transtornada, balançando a perna para frente e para trás, a culpa que ela lutou tanto para não sentir havia a inundado agora.
– Mas Lynn, isso não pode ser tão errado assim, eu me senti tão bem, me pareceu a coisa certa, eu senti que finalmente estava fazendo algo certo. E Theo… Você não imagina como ela é especial, ela parecia ler minha mente, ela me entende…
– Pare, pare com isso, não quero detalhes, você está piorando as coisas. Deixe de ser burra, é lógico que ela sabe o que está fazendo, ela é profissional do sex*, lembra? Ela faz essas coisas nojentas em todos, qualquer pessoa que se deite na mesma cama. – Lynn suspirou e voltou a falar. – Escute, não é tarde para se arrepender e voltar para o caminho de Deus, essa garota está bagunçando sua cabeça, está te fazendo refém com a única arma que ela tem, o próprio corpo. Ela fazia isso todos os dias, para ela não é esforço algum fazer com você para conseguir o que quer, você é somente mais um cliente. Enquanto ela ri pelas suas costas, você acha que está num conto de fadas, e um bem pecaminoso.
– Você não sabe do…
– Já tenho preocupações demais aqui para ter que dar sermão numa mulher crescida que não sabe controlar carência, e pior, que acredita em qualquer vagabunda de beira de estrada. Depois nos falamos, ok? E pelo amor de Deus, tenha juízo, não desgrace o resto da sua vida.
Assim que Lindsay desligou, Theo saiu do banheiro, foi até sua bolsa em cima do criado mudo e guardou as roupas, sempre tateando devagar, depois foi até a bolsa ao lado e guardou a nécessaire. Sam apenas acompanhava tudo em silêncio, com os braços cruzados e agora sentada na mesa, parecia devastada.
Quando terminou de dobrar e guardar tudo, Theo virou-se para o centro do quarto, tentou escutar algo.
– Sam? Manifeste-se.
– Aqui, à sua frente, um pouco à esquerda.
Theo andou devagar até ela, com a mão esquerda erguida à sua frente.
– Aqui. – Theo estava na direção errada, Sam pegou sua mão erguida, e a trouxe para perto.
Segurou a mão dela com ambas as mãos, olhando de perto.
– Sua mão ainda não cicatrizou, do tiro.
– Está bem melhor. – Theo se mantinha à sua frente, apenas com a mão direita pousada na perna de Sam.
– Era para estar melhor que isso. – Sam virou e olhou a palma.
– Tenho imunidade baixa, deve ser por isso.
– Tem?
– Sim, também problemas de coagulação, qualquer coisinha sangra litros.
– Por que?
– Não sei, sempre foi assim.
– É alguma doença?
– Que eu saiba não.
– Mas você tem alguma doença?
Theo franziu a testa confusa.
– Doença? Acho que não. Já te expliquei porque não enxergo.
Sam soltou sua mão, ficou um tempo tentando organizar os pensamentos soltos, estava fazendo todos os julgamentos não feitos anteriormente, não queria tocar em Theo, sentiu uma repulsa repentina.
Foi interrompida por uma pergunta dela.
– Você quer conversar agora? – Theo falou, com a voz moderada.
– Não, não quero conversar.
– Está tudo pronto para seguirmos viagem?
– Acho que sim, tenho que olhar o banheiro. – Sam dizia com uma voz desanimada.
– Sam, se eu te der café e rosquinhas, seu ânimo melhora?
Sam deu um riso fungado.
– Sente-se na cama, vou terminar de juntar as coisas para partirmos. – Sam lhe pediu, olhando incomodada a mão dela em cima de sua perna.
Mas Theo não saiu, continuou de pé entre suas pernas.
– Mas teremos que conversar sobre hoje. – Theo disse.
– Não, não quero conversar sobre nada, só quero que saia da minha frente porque tenho coisas para catar pelo quarto. – Sam tirou a mão dela de cima de sua perna. Mas Theo não se moveu um milímetro, para agonia de Sam.
– Você sabe que temos um dia bem cheio e importante pela frente, não sabe? – Theo pousou ambas as mãos nas pernas de Sam. – Chegaremos em Puerto Escondido no final da tarde, não fazemos ideia de onde Odín mora, nem como abordá-lo, muito menos como conseguir alguma informação importante de forma segura, então eu acho que sim, temos muito o que conversar. – Theo falava de forma séria.
Aquela bronca tirou Sam do estado amuado em que se encontrava.
– Eu havia esquecido completamente disso. – Sam disse com um tom ingênuo.
– Você não pode esquecer disso.
Sam esfregou as mãos no rosto, com desespero.
– Minha cabeça não está funcionando direito… Não consigo organizar dois pensamentos, como vou conseguir pensar nisso tudo ainda hoje? Meu Deus, vai dar tudo errado…
– Não, vai dar tudo certo, eu vou pensar por mim e por você, ok? Eu vou pensar nisso enquanto nos deslocamos. – Theo a acalmou.
Sam a encarou numa bagunça de sentimentos, e a abraçou.
– Eu preciso de você, Theo. Mais do que nunca. – Ela disse enquanto a tinha em seus braços, sem reservas.
– E eu estarei aqui, ao seu lado. Eu vou até o fim com você, já te falei isso. – Theo murmurou de volta, correndo a mão por sua nuca.
– Me ajude… Eu não quero morrer no mês que vem.
– Você não vai.
Sam a soltou, a beijando em seguida.
***
No carro, Sam dirigia em silêncio, relembrando a noite em detalhes vivos. Theo também estava quieta.
– No que está pensando? – Sam a questionou, despretensiosamente.
– Podemos começar pelos bares da redondeza, talvez ele frequente algum deles.
– Ele quem?
– Por favor, diga que você sabe do que estou falando.
– Ah, o bioquímico.
– Claro.
– É que… Você disse que ia pensar por você e por mim, e… Bom, minha mente ainda está fechada para balanço.
Theo mudou de semblante, agora quase sorria, fitando o nada no painel à sua frente.
– E no que você estava pensando?
Sam também ensaiou um sorriso encabulado.
– Em nós.
– E pelo tom da sua voz, você deve estar estampando um belo sorriso.
Sam apenas pegou a mão de Theo e a levou até seus lábios.
– Eu sabia. – Theo finalizou.
– Ok, voltando ao assunto Odín, já sabemos qual a área em que ele tem circulado. – Sam dizia, como se tentando espantar os pensamentos insistentes.
– Sim, uma região que engloba oito bairros. Ele deve morar em um dos bairros menos favorecidos, ele não quer ostentar nem ser visto. Procure por bares e congêneres nestes bairros, depois procuramos nos outros. Talvez ele seja conhecido na região por algum apelido.
– Congêneres? Você é uma pessoa bem esclarecida, você teve bons estudos?
– Isso não é relevante agora, Sam.
– Ok, como vamos procurar Odín? O que perguntaremos?
– Vamos entrar no estabelecimento como se fôssemos clientes, você puxa papo com algum atendente, e depois inventamos alguma historinha, como se procurássemos um tio muito querido que sumiu, algo assim.
– Por que eu tenho que puxar papo? Você não deixou eu ser a nerd naquela entrevista de emprego no macarrão, eu não esqueci disso. – Sam resmungou.
– Sam, você se atém às coisas mais esdrúxulas, não me admira eu ser a mais velha aqui.
– Mais velha? – Sam riu. – Você é seis meses mais velha que eu. Seis meses.
– Viu? Sou a mais velha, você me deve respeito eterno.
– Só não te dou uma resposta malcriada porque estou de bom humor hoje. – Sam disse, entre risos.
– Eu percebi, hoje você até adoçou meu café, e não me deixou tateando a mesa em busca das rosquinhas, colocou na minha mão. Duas vezes. – Theo zombava.
– Viu? Você nunca poderá dizer que não me importo com você. E também percebi que não é engraçado te ver tateando a mesa.
***
– Esse é o quinto bar hoje, estou de saco cheio de bares. Odeio esses bares. – Sam reclamava, ao entrar num bar amplo, mas decadente. Era o início da noite.
– Iremos em todos os bares dos oito bairros, então é bom parar de reclamar. – Theo disse e seguia guiada pela mão por Sam, até as mesas.
– Odeio esses ambientes, cheio de bêbados e pessoas vazias, sem objetivo de vida.
– Guarde suas ponderações sociais para depois. Podemos tomar café nesse, o que acha?
– Quero algo mais forte.
– Vodka?
– Cerveja. – Sam confirmou, sentando numa das mesas laranjas próximas às janelas, ela tinha ares de cansaço e sono.
– Estou me sentindo estranha… – Sam começou. – Parece que está estampado em minha testa o que fizemos, que tivemos algo. Todos nos olham como se soubessem.
– Deixe de neura, isso é coisa da sua cabeça, estão nos olhando porque somos forasteiras, não porque… Bom, não por causa do que fizemos. – Theo respondeu já sentada no banco do outro lado da mesa.
A garçonete de boné vermelho surgiu com um sorriso solícito, mexendo em uma de suas duas tranças de cabelos negros.
– Boa noite, meninas, o que vão querer?
– Cerveja. – Sam respondeu.
– E sua namorada? – A garçonete perguntou de forma natural, deixando Sam sem jeito.
– Ela não é minha namorada. – Sam se antecipou, antes que Theo respondesse.
– Ah, me desculpe, é que vi vocês chegando de mãos dadas e…
– Ela é cega. – Sam quase bradou.
– Ok, o que sua amiga vai querer?
– Cerveja também. Clara. – Theo respondeu.
Após a garçonete sair para buscar as bebidas, Sam olhou ainda surpresa para Theo.
– Viu? Viu o que eu falava? Eles sabem!
– Não sabem de nada, Sam. Não banque a paranoica, ok?
Sam deu uma olhada ao redor, voltando a focar na missão que cumpriam naquele bar de poucos frequentadores. Havia uma tela de TV no alto do balcão passando as notícias locais, prestou atenção por um momento.
– Seu país é uma bagunça. – Sam resmungou.
– Por que diz isso?
– Pelo que já constatei, pelas coisas que vejo. Talvez no Brasil, onde você morava, seja mais civilizado, mas até agora só tenho visto miséria e violência. Além disso, aqui é cada um por si, não há nada os unindo, parece que ninguém tem Deus no coração.
– E na Europa perfeita a igreja une todos, certo? – Theo rebateu.
– Pelo menos algo nos une…
Theo ficou um tempo pensativa, e a garçonete trouxe as cervejas.
– Você tem razão, o povo aqui precisa de algo em comum, que os una e faça com que ganhem voz…
– Do que você está falando?
– Nada, conjecturas… – Theo respondeu dando um gole em sua pequena garrafa.
– Até que horas você vai conjecturar? Precisamos agir. – Sam reclamou.
Theo ergueu a mão, chamando a garçonete, que prontamente a atendeu.
– Pois não? Vão pedir algo para jantar?
– Moça…
– Flavia. – Sam completou, lendo o crachá em seu avental verde.
– Minha querida Flavia, eu vim de San Paolo procurando meu tio, que mora aqui na Colômbia, em Puerto Escondido, porém não tenho o endereço completo, sabe como é… Ele tem problemas de memória e me passou o endereço em partes, além do mais eu não enxergo e isso dificulta minha busca. Será que você não o conhece? Ele se chama Odín Rojas Fernandez, trabalhava em Honduras.
– Odín… – A garçonete colocou a mão no queixo, cobrindo a boca.
– Talvez ele frequente esse bar.
– Tem um Odín que vem aqui a noite beber, às vezes. Como ele é?
– Ãhn… Faz tempo que não o vejo, talvez cabelos grisalhos, óculos… – Theo enrolava, Sam acompanhava.
– Não, esse Odín é careca, e não usa óculos, mas usa uma bengala.
– Ok, talvez seja ele, como te falei, faz tempo que não o vejo. Sabe onde ele mora?
A moça de olhos puxados girava em seus pés.
– Acho que ele mora em Si Dios Quiere, mas não sei onde.
– Será que ele vem hoje?
– Ele costuma aparecer nos finais de semana, hoje é sexta, talvez ele apareça. Mas não o vejo há alguns dias.
Theo agradeceu a informação e dispensou a moça, Sam balançava a cabeça, pensativa.
– É o primeiro bar onde alguém conhece um Odín, talvez seja este. – Theo dizia animada.
– E quem garante que ele virá hoje? Não sabemos onde ele mora.
– Ele mora em Si Dios Quiere. – Theo riu ao terminar. – Acho que Deus está pregando peças em nós com esses nomes de cidades.
– Deus não prega peças. – Sam respondeu rispidamente.
– Ok, só achei engraçado. E se Deus quiser, esse cara aparecerá hoje. – Theo não resistiu a piada.
Três cervejas depois e nada ainda havia acontecido, o bar continuava com aquela iluminação ruim e a tela continuava transmitindo notícias violentas.
– Eu falei que deveríamos ter bebido café. Café acorda, cerveja dá mais sono. – Theo dizia.
– Vou tirar um cochilo aqui e você fica de olho agora, ok? – Sam disse, com um sorriso irônico.
– Claro, farei uma vigília com meu sexto sentido, pode dormir.
A garçonete apareceu novamente, com seu bloquinho.
– Nada do seu tio, não é?
– Nada, vou ter que sair e procurar a casa dele, pelo visto. – Theo respondeu.
– Jovito vai chegar daqui a pouco, ele conhece mais pessoas do que eu, quem sabe ele possa ajudar mais.
– E quem seria Jovito?
– O cara que assume o meu turno, ele chega as nove.
– Quando ele chegar peça para ele vir aqui, por gentileza. – Theo disse.
Sam acompanhou a garçonete tomando distância, e murmurou.
– Que saia curta.
– Dela?
– Ahan. Na Europa ela nem sairia de casa assim, saia curta dá multa.
– Que lugar chato para se morar.
Sam olhou demoradamente pelo recinto, procurando pelo bioquímico, mas eram ainda os mesmos frequentadores.
– Desde quando você gosta de garotas? – Sam perguntou, descontraidamente.
– Desde… Hum, desde minha gestação.
– Acha que nasceu assim?
– Nasci.
– Hum.
Silêncio. Sam voltou a falar.
– Eu não sou assim, não tenho preconceito com pessoas como você, mas eu sei que não sou, o que aconteceu ontem foi…
– Bom? – Theo provocou.
– Foi errado, mas eu estou me policiando para não pensar nisso, não quero perder meu tempo agora julgando meus atos. Mas eu não sou como você, eu nasci normal.
– Ok. – Theo respondeu de forma tranquila, estava sem energias para discutir.
– Um dia você vai se dar conta que isso não é natural, vai surgir a vontade de formar uma família, e se interessará por um homem que faça você se sentir bem, Deus fez homem e mulher para isto, formar famílias.
– Podemos voltar a falar da saia da garçonete? – Theo disse se ajeitando no banco não muito macio, se espreguiçando.
– É sobre isso que eu venho falando, os valores de vocês estão invertidos. – Sam falava gesticulando. – As pessoas deveriam estar pensando em casar e formar famílias sagradas, com respeito e dedicação, mas estão aplaudindo saias curtas e todas estas coisas abomináveis.
– Já começou seus dois minutos de ódio? Só para saber.
Sam diminuiu a empolgação do discurso, abrandou-se.
– Ok, eu não deveria estar falando essas coisas, por causa do que fiz ontem. É isso que você está pensando, não é? Que sou hipócrita, que não tenho mais esse direito.
– Você está colocando palavras na minha cabeça, Sam. Só não estou a fim de discutir.
Sam a fitou por um instante, antes de prosseguir a conversa.
– Eu também não… – Sam deitou os braços e a cabeça na mesa à sua frente, com sono e desolação.
– Então não vamos perder nosso tempo discutindo. Quer um café?
– Quero… – Sam permanecia com a cabeça pousada sobre o braço.
Theo inclinou-se para frente, consultou as horas por voz no comunicador de Sam, e começou a falar de forma metódica.
– Vamos esperar Jovito, ele deve chegar em quarenta minutos, conversaremos com ele e dependendo da conversa seguiremos para Si Dios Quiere, ou para o próximo bar da nossa lista.
– Dependendo da conversa seguiremos para algum lugar para dormirmos. – Sam retrucou.
– Tem certeza?
– Tenho.
– Você dirigiu o dia inteiro, deve estar exausta, não é? Não dormimos quase nada essa noite, mas eu tirei um bom cochilo durante a viagem. – Theo disse pousando seus dedos pelos cabelos de Sam, lhe fazendo um cafuné discretamente.
– Uhum. – Sam respondeu, sentindo múltiplos arrepios com os dedos passeando por seus cabelos. Várias das sensações da noite anterior surgiam, algumas recordações também.
– Se arrependeu? – Theo perguntou algum tempo depois, com uma voz baixa e insegura.
– Não.
– Que bom… – Theo respondeu com um meio sorriso.
Sam virou um pouco sua cabeça, agora podia olhar para Theo enquanto recebia o cafuné.
– Eu nunca me senti daquela forma antes, parecia que não era eu que estava ali… – Sam ia falando em tom confessional. – Que Deus me perdoe, mas é impossível me arrepender de algo tão bom.
Theo apenas mantinha um sorriso tímido e satisfeito, Sam estava quase jogando a toalha.
– Vou ao banheiro, vem comigo? – Sam disse, erguendo a cabeça da mesa.
– Quer pedir o café primeiro?
– Não. Venha. – Sam colheu sua mão que estava pousada na mesa, e seguiram para um banheiro com paredes azuis rabiscadas, haviam duas cabines e uma pia amarela.
– Está limpo? – Theo perguntou ao entrar no recinto.
Sam a conduziu para dentro de uma das cabines, e trancou a porta.
– Sim, está limpo, dentro do possível.
– Ãhn… Eu posso esperar do lado de fora. – Theo disse com confusão, tentando abrir a porta.
Sam tirou a mão dela da fechadura de forma gentil.
– Não, pode ficar.
– Eu consigo usar o banheiro sozinha.
– Eu sei. – Sam dizia, nervosamente. – Theo… É que…
– O que está acontecendo? Sentinelas?
Sam colocou ambas as mãos em seus ombros.
– Theo, eu… Eu quero beijar você… – A voz saiu falhada.
Theo aliviou o semblante tenso.
– Você tem uma forma bem peculiar de flertar com as pessoas.
– Isso é um sim?
Theo procurou a cintura dela e a trouxe para perto de si, por fim a beijou.
Após um bom tempo trocando um beijo que não se importava de acontecer dentro daquele cubículo estranho, Theo cessou, e falou com os lábios colados em sua orelha.
– Melhor voltarmos para a vigília.
– Ãhn… Ok, vamos. – Sam respondeu ofegante, voltando à realidade.
– E podemos continuar isso depois. – Theo voltou a tatear a porta procurando a tranca.
– Espera. – Sam a impediu novamente.
– O que foi?
– Não me leve a mal, mas isso não quer dizer nada, ok?
– Ãhn… Isso?
Sam estava tendo um lampejo de racionalidade e afirmação de suas convicções.
– Não temos nada, o que aconteceu ontem e hoje não significa nada, eu continuo sendo quem sempre fui, tenho meu noivo, irei casar com ele, então… São coisas casuais, quando tudo terminar eu farei minhas orações pedindo perdão pelos meus erros e voltarei à minha vida, precisaremos apagar isto.
– Eu já entendi. – Theo respondeu de forma séria.
– É só intimidade, não significa nada, ok? – Parecia que Sam tentava convencer a si própria. – Até porque somos mulheres, e mulheres não podem ter nada entre si, não é assim que funciona.
Theo começava a perder a paciência.
– Discordarei até a morte dessa sua última afirmação, mas tudo bem.
– Só não quero que você se iluda, que ache que estamos começando algo. Nós não temos absolutamente nada, isso nunca vai acontecer. – Sam insistia. – Ficou claro?
– Claro como a água desta privada ao nosso lado. – Theo deu um suspiro. – Então não teremos mais destas intimidades, certo?
Sam hesitava em responder. Theo repetiu a pergunta, com mais firmeza.
– Não teremos mais nada disso, certo?
– Certo, essa foi a última vez. – Sam respondeu, contrariada.
– Ok, agora saia do banheiro que eu quero usar.
***
Minutos depois Sam saiu cabisbaixa do banheiro, conduzindo Theo, freou de repente.
– O que foi? – Theo perguntou assustada.
– Odín.
Congênere: s.m.: Do mesmo gênero. Que tem características idênticas, que é semelhante.
Fim do capítulo
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Ana_Clara
Em: 11/12/2015
Pelo visto a 'programação' não é feita somente entre casais, ela tbem é feita para a família... Pq tanta avidez da Lin em defender o escroto do Mike? Não entendi! E sobre a Sam e seus discursos evangélicos e retrógrados, caraca, como a Theo aguenta? Só amando muito para suportar essa ladainha toda. Aja paciência! kkkkkkk
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