Capítulo 39 - Ludibriar
Uma emboscada, era o que o trio tristemente percebera ao encontrar aqueles três homens que tentaram acabar com suas vidas momentos antes. Quem estava por trás disso, ninguém deles sabia.
Sam olhou de relance para Igor, tentando captar sua reação. Passava agora por sua cabeça que toda a situação pudesse ser uma armação daquele ex-marinheiro, desde o início, desde a primeira conversa em Salvador.
Um dos homens de guarda, que vestia roupas camufladas e tinha lábios leporinos, caminhou até os três, removendo suas armas. Enquanto Sam tinha o corpo vistoriado em busca de armas, alguns pensamentos pessimistas surgiam, talvez o fim tivesse chegado, com três dias de antecedência.
- Vamos ver se acerto o nome de todos. - O homem de barba marrom disse após o guarda voltar com as armas alheias.
- Por que não vai direto ao ponto? - Sam reclamou. - O que você quer de nós?
- Deve ser mais um caçador de recompensas querendo minha cabeça... - Theo resmungou.
O homem de barba, que trajava um paletó preto sobre uma camiseta branca, aproximou-se do trio, parando a frente de Sam.
- Quem contratou você? - Ele perguntou de forma ríspida.
- Contratou?
- Quem te contratou para roubar as matrizes?
- Não sei do que o senhor está falando.
- Não sabe?
- Não.
Ele olhou para o lado, para um dos guardas, e fez um sinal com o indicador.
- Prenda um em cada canto dessa sala. - Ordenou.
Sam e Igor entreolharam-se, tramando algum revide em silêncio.
Os dois seguranças tomaram algumas cordas de uma sacola de couro trazida do barco, e foram na direção de Sam e Igor.
Como se sincronizados, os dois partiram para cima dos grandes seguranças, que pareciam bem treinados, possivelmente pelo exército. Os guardas reagiram de forma truculenta, derrubando ambos no chão frio de terra batida. O nariz de Igor agora sangrava com o murro recebido.
Mas eles não desistiram fácil, e tentaram soltar-se novamente, após uma intensa troca de murros e pontapés, um dos guardas resolveu colocar um ponto final no levante, atirando na mão de Igor, que bradou um palavrão. Imediatamente os dois cessaram a resistência.
- O que foi isso?? - Theo perguntou assustada.
- Eu não tenho a menor paciência para essas coisas, seus idiotas. - O homem falou, zangado com a reação. - Amarrem logo esses engraçadinhos.
Theo continuava de pé, tentando entender a ação que se desenvolvia ao seu redor. Sam ainda se debatia no chão, tentando evitar que suas mãos fossem atadas pela corda, mas foi inútil, em segundos ela e Igor já estavam sentados no chão, com as mãos amarradas às suas costas.
- Sam? - Theo se manifestou.
- Theo, fique onde está, não tente nada, todos estão armados. - Sam a orientou.
- O que fazemos com a cega? - O guarda perguntou.
- Amarre também.
- Não, não me amarre, eu prometo não tentar nada, eu não enxergo coisa alguma. - Theo respondeu em pânico.
- Acabou a corda, coronel. Devo buscar na outra sala?
O homem barbado tirou um par de algemas do bolso do paletó, e atirou ao guarda, que prontamente uniu as mãos de Theo a sua frente, a colocando sentada em seguida.
- Cada um cuida de um, vou ter uma conversinha com ela. - Ele disse, indo na direção de Sam, que estava no canto esquerdo da sala. O ambiente de pedras recebia a iluminação das grandes janelas e tinha um trilho antigo de ferro cortando de uma porta até outra.
Sam observou o homem de barba castanha e cabelo grisalho aproximando, estava sentada com as mãos presas atrás de si, temia suas pretensões, já que ele havia acabado de sacar sua pistola de um coldre na cintura.
- Tenente Samantha, eu pretendo voltar para o continente antes da tempestade cair, então vamos adiantar logo com isso. Me dê o nome de quem ou o que contratou você para roubar as matrizes, e libero todo mundo para voltar nadando. - O homem disse, gesticulando com a pistola em mãos, ele tinha forte sotaque do sul.
- Eu não sei.
- Não sabe quem contratou? Foi um fantasma camarada?
- Eu realmente não sei, foi tudo acordado de forma anônima.
- Levante-se. - O coronel ordenou.
Sam ergueu-se do chão, o fitando de forma séria, suas roupas estavam úmidas e frias.
- O nome, eu quero o nome. - Ele perguntou, agora mais próximo dela.
- Senhor, eu não sei quem me contratou, estou falando a verdade, pouco me importa quem ou qual nação está por trás disso, eu apenas aceitei o negócio porque preciso do que me ofereceram.
Ele balançou a cabeça em desaprovação, e golpeou o rosto de Sam com a coronha da pistola, lhe cortando logo abaixo do olho.
- Sam? Sam? - Theo perguntou, ao perceber o que acontecera.
- Está tudo bem. - Sam a tranquilizou.
- Não por muito tempo. - O homem completou, com sarcasmo. - Nomes, me diga pelo menos um para me fazer um pouco feliz.
- David. Não sei o sobrenome.
- Quem é David?
- Não faço ideia, é o nome do homem que me ligou algumas vezes.
- Para quem David trabalha?
- Eu não imagino.
- É um laboratório? Um exército? Um governo?
- Não sei, ao que me parece, é um laboratório.
- De qual país?
- Não faço ideia.
Ele a golpeou novamente no rosto.
- Seu... - Sam resmungou.
- Qual país?
- Eu não sei, realmente não sei! Meu encontro para negociação foi numa casa abandonada.
- Onde?
- Na Zona Morta.
- Que lugar da Zona Morta?
- Costa leste.
- Que lugar da Zona Morta?
- Quebec.
- Quem passou a você essa informação?
- Eu ouvi boatos no exército, resolvi checar quando saí de lá.
- Quem repassou o contato?
Sam ficou em silêncio, pensativa, ela não se recordava como havia conseguido essa informação.
- Quem repassou a porcaria do contato? - Ele insistiu.
- Ãhn... Eu ouvi alguns boatos.
- Eu quero o nome de quem repassou o contato. - O coronel bateu novamente em seu rosto, trazendo uma expressão de dor de Sam e um pouco de sangue de seu corte no rosto.
- Rogério, cabo Rogério! Que droga! - Sam finalmente lembrou.
- Rogério do que?
- Rogério Menezes.
- De Portugal?
- Portugal? Não, ele era brasileiro, mas havia se naturalizado inglês.
- Um brasileiro indicou a você o laboratório que quer as matrizes?
- Sim, é verdade, eu estou falando a verdade.
O coronel deu um risinho irônico, antes de voltar a falar.
- Um maldito rato traidor! - Ele bradou. - Um rato da resistência infiltrado no exército europeu!
Sam se dava conta do que havia acontecido, fora massa de manobra do grupo da resistência sem perceber. Igor também estava arregalado, percebendo a mesma coisa.
- Eu não sabia disso, que poderia ser alguém da resistência da Nova Capital, eu queria apenas um coração novo. - Sam se explicava.
- E foi assim que você assinou seu atestado de óbito.
- Senhor, eu não tenho mais informações sobre meu contratante, então se quiser acabar comigo, vá em frente. Mas poupe a vida deles, são apenas meus amigos, estão me acompanhando, não sabem sobre minha busca.
Ele riu, jogando a cabeça para trás, e fitou Theo.
- Algumas pessoas já disseram que sou louco, mas louco não rasga dinheiro, não é mesmo?
Sam apenas franziu as sobrancelhas, sem entender.
- Aquela menina vale meio milhão, irei tratá-la como uma princesa, não se preocupe com isso.
- E ele não tem nada a ver com isso. - Sam apontou com a cabeça na direção de Igor, que continuava sentado no canto direito do salão, Theo estava entre os dois, de cabeça baixa acompanhando a conversa com tensão.
- Ele também é um rato traidor da nação, mas depois conversarei a sós com ele, tenho algumas tarefas para nosso ex-marinheiro.
Um estrondo foi ouvido ao longe, seguido de um clarão.
- Viu isso? Vai despencar uma boa chuva, o tempo fechou e minha paciência esgotou. Ou você me dá mais informações úteis, ou decreto sua busca como encerrada agora.
- Eu não tenho mais informações!
- Por onde você quer que eu comece? - O coronel, com semblante sádico, apontou sua arma na direção de Sam.
- Hey, seu coronel de merd*! Eu tenho informações úteis! - Igor tentou dispersar a atenção dele.
- Cale a boca, traidor, sua hora chegará.
- Venha me interrogar, ela não tem mais informações, é apenas uma soldado ingênua, ela não faz ideia no que está metida.
- Eu falei para calar a boca, marujo traidor! - O capitão bradou com raiva, ainda apontando a arma para Sam.
- O endereço, você quer o endereço? - Sam tentou, nervosamente.
- Do laboratório que contratou você?
- Não, da casa onde marcamos o encontro.
- Uma casa abandonada em Quebec?
- Sim, eu lembro do endereço. - Sam falava com agitação.
- Não, isso não me interessa. Onde você quer o primeiro tiro? - Ele deu um passo à frente, e prostrou-se de pernas abertas acima da perna esquerda de Sam, encostando o cano da arma em sua coxa.
Igor tentava alcançar a adaga que estava escondida no cano de seu coturno, mas suas mãos não chegavam até lá.
- Com o endereço você pode verificar câmeras de vigilância nas localidades, quem sabe consegue visualizar quem foi até lá naquela noite. - Sam falava olhando para a pistola pressionada na sua perna.
- Quem está por trás disso? - Ele perguntou pausadamente, parecia sem paciência.
- Eu não sei, eu juro que não...
Um tiro interrompeu a frase de Sam, o coronel havia atirado em sua perna, lhe arrancando um grito de dor e assombro, sentiu a bala a atravessando como fogo ardendo por sua carne.
- Sam?? - Theo desesperou-se.
- Seus bastardos! - Igor ergueu-se e derrubou o guarda que tomava conta dele, correu na direção de Sam num rompante. Mais dois tiros puderam ser ouvidos naquela grande sala fria de pedras acinzentadas.
- O que foi isso?? - Theo não entendia mais o que acontecia.
- Igor! Não! Igor! - Sam gritava em desespero.
O coronel havia tirado duas vezes contra o peito de Igor, que caíra imediatamente, de costas. Agonizava, já com um filete de sangue saindo de sua boca.
- Igor? Você levou um tiro?? Quem levou os tiros? - Theo perguntava.
- Pare! Por favor, não atire mais! - Sam implorava, estava caída no chão com sua perna ensanguentada, uma dor aguda irradiava pelo corpo, tentava desesperadamente soltar suas mãos amarradas.
- Me dê a porcaria de uma informação útil, e pouparei sua vida. - Ele bradou, agora apontava a arma para a cabeça de Sam.
- Não atire... Não atire. Eu não tenho informações. - Sam pedia clemência.
- Se você não me der uma informação agora, vou atirar entre seus olhos e encerrar logo com esta merd*.
- Vá em frente.
- Não! - Theo levantou do chão e correu na direção de onde ouvia o diálogo, sendo facilmente impedida pelo guarda.
- Segure bem essa garota, Rui, preciso entregar sem maiores avarias.
Igor lutava para manter-se vivo, respirava lentamente, afogando-se em seu próprio sangue, não conseguia levantar do chão, mal se movia. Enquanto isso Theo se debatia contra os braços que a seguravam, mordeu a mão do guarda, que a soltou.
- Ela me mordeu!
- Segure essa vagabunda, pelo amor de Deus! - O coronel bradou enfurecido, gesticulando com a arma.
O guarda correu e a prendeu pelos braços, mas Theo lutava desesperadamente para soltar-se.
- Não consegue dar conta de uma garotinha cega? Jorge, ajude esse fracote, tire essa garota daqui, antes que eu faça uma besteira
- Para onde?
- Leve para a sala dos fundos, a pendure.
Os dois guardas seguraram Theo pelos braços, e a arrastaram na direção da porta.
- Pendure? O que você quer dizer com pendure? - Theo perguntou apavorada.
- Não faça mal a ela, por favor, ela não tem nada a ver com isso. - Sam pedia.
- Só vou tirá-la de circulação por algum tempo, não se preocupe. - Ele ajeitou o paletó, e voltou a falar. - Tenente, vamos voltar ao nosso assunto.
- Igor? Me ouve? - Sam olhava apreensivamente na direção de Igor, que mexia seu peito lentamente.
- Foque aqui, ok? Olhe para seu futuro, para o cano dessa arma. - O coronel balançou a pistola na frente dos olhos de Sam.
- Seu desgraçado! - Sam ergueu-se num pulo, chutando a arma da mão do coronel veterano.
- Homens! Voltem aqui! - O coronel, agora desarmado, clamava por seus guardas.
Sam correu na direção do homem de meia idade, lhe golpeando o nariz com sua testa.
- Homens! - Ele os chamou novamente, segurando seu nariz que sangrava.
Num salto com um meio giro, Sam chutou a cabeça dele, suas mãos continuavam presas atrás de si, mas lutava com as ferramentas disponíveis no momento.
- Lute com seus punhos, coronel. - Sam o instigava.
Com os dados adicionais que sua visão diferenciada lhe dava. Sam calculava seu próximo golpe, cuidadosamente, como um predador caçando. O homem tirou o paletó negro, o atirando no chão com raiva. Olhou discretamente para sua pistola caída alguns metros distantes, Sam percebeu. Caminhou até a arma, e colocou um pé em cima.
- Igor, aguente firme, ok? - Sam disse com preocupação, sem tirar os olhos do homem de barba marrom.
- Por que você ainda luta? Sua vida já acabou, você não tem mais nada a perder. - Ele tentava ganhar tempo.
- Esse foi seu erro, achar que não tenho motivos para lutar. - Sam o pegou de surpresa, lhe golpeando novamente no rosto com um giro, o derrubando no chão.
Sam ouviu os passos dos guardas retornando à sala, sabia que precisava finalizar o mais rápido possível. O coronel tentou levantar-se do chão de forma cambaleante, Sam chutou seu peito o derrubando novamente. Numa manobra com ambos os pés, os encaixando abaixo de sua cabeça, Sam quebrou seu pescoço, fazendo um estalo, o matando instantaneamente.
O pequeno exército de dois homens entrou no recinto, Sam aproveitou o momento em que se davam conta do que havia acontecido, fitando o corpo do coronel desfalecido, para investir para cima deles.
Derrubou o de menor porte no chão com um chute no rosto, abaixou-se quando o outro atirou em sua direção, escapando do tiro. Rolou até o guarda caído, que estava zonzo, aproveitou a posição para segurar a arma na mão dele, e mesmo de costas, mirou como pode e apertou o gatilho, acertando o que tinha uma falha no lábio, que estava de pé.
Ergueu-se, chutando a cabeça do guarda caído inúmeras vezes, até que apenas sangue pudesse ser visto em sua face. Tomou sua arma com as mãos atadas, atirando duas vezes na cabeça dele, aproximou-se do outro, que se arrastava lentamente com um tiro no abdome, e finalizou seu sofrimento com também dois tiros na cabeça.
Correu na direção de Igor, que não se movia, mas era perceptível uma respiração fraca, ele fitava o teto com os olhos entreabertos.
- Igor? Eu consegui, não morra, aguente firme, eu vou levar você a um hospital.
Ele abriu um pouco mais os olhos, e balbuciou algo baixinho.
- O que disse? - Sam perguntou.
- Fuja.
- Não, não deixarei você aqui. - Sam tirou a faca da bota de Igor, com certa dificuldade conseguiu cortar sua corda, livrando as mãos.
Sam aproximou do rosto de Igor, analisava o atual estado dele, que era preocupante, mas tentava manter as esperanças. Cortou a corda das mãos dele também.
- Eles devem ter deixado o barco em algum lugar da orla, algum lugar de fácil acesso, eu vou soltar Theo e carregaremos você até o barco, de acordo? - Sam perguntou.
- Não, é perda de tempo. - Igor murmurou.
- Eu não vou deixar você morrer aqui.
- Sam...
- Poupe suas energias, espere um pouco, voltarei com Theo.
- Sam... Me escute. - Igor falava com dificuldade, cuspindo sangue, sua respiração estava cada vez mais fraca. - Não tenho tempo, pegue Theo e vá para San Paolo, é sua melhor chance.
- San Paolo? Tudo bem, mas foque agora em você, em sair daqui. - Sam tentava transparecer calma, mas falava de forma afoita.
- Vão para San Paolo, procurem por Evelyn, ela trabalha na Archer.
- Quem é ela? Como ela pode nos ajudar?
- Ela é uma espiã, nos repassa informações comprovadas sobre a Archer.
- Então... Evelyn, funcionária da Archer, é isso?
- Ela trabalha no RH da sede, não vai ser difícil de encontrá-la.
- Nós três iremos procurar essa tal Evelyn, ok? Nós três.
- Tenente, me faça um favor. - A voz de Igor perdia força.
- O que?
- Sobreviva.
- Não posso prometer isso.
- Sobreviva... E tome conta da mocinha tatuada.
- Ok, eu irei sobreviver, e você também, você precisa nos levar de barco para aquela ilha na Baia. - Sam falava com a voz embargada, segurando o choro.
- Vá buscá-la.. saia... saia o quanto antes desse lugar.
- Heeeey! Tem alguém aqui ainda? - Era a voz abafada e distante de Theo, pedindo socorro.
Sam virou-se para trás, na direção do corredor que dava para os fundos, onde Theo estava.
- Eu não vou demorar, volto em um minuto com Theo, certo? - Sam disse, olhando ainda para a porta.
Igor não respondeu.
- Igor? Igor? Fale comigo.
Igor estava imóvel, com os olhos entreabertos novamente.
- Não, por favor, não morra. - Sam falava com os olhos cheios de lágrimas, segurando o rosto de Igor
Ele não respirava mais, havia partido.
- Igor... Não, não ouse fazer isso... - As lágrimas caiam sobre o peito dele, que não se movia mais.
Sam passou lentamente sua mão sobre os olhos de Igor, os fechando.
- Que Deus o receba... - Sam murmurou, deslizando sua mão por suas cicatrizes no rosto.
O fitou por mais alguns segundos, enxugou o rosto e partiu na direção de Theo, mancando por conta do tiro no alto da perna. Com dor, arrastava a perna, com os passos mais rápidos que conseguia, até chegar a um ambiente também grande, com vários trilhos metálicos no chão, onde Theo balançava no teto de ponta-cabeça, amarrada pelo pé esquerdo.
- Como você foi parar aí? - Sam a fitava boquiaberta.
- Me tire daqui, Sam! - Theo gritava desesperada.
Sam olhou para os lados e para o alto, tentando entender como haviam a colocado ali. Percebeu um sistema antigo de roldanas, que provavelmente era utilizado em conjunto com os trilhos, para transportar e descarregar carrinhos com mercadorias que chegavam pelo mar.
- Eu acho que sei como soltar você. - Sam fitava um quadro na parede com dezenas de alavancas enferrujadas, de onde partiam correntes e cordas.
- Por favor, me tire daqui, isso dói.
- Calma, eu preciso entender como fazer isso sem que você se machuque. Aguenta mais um pouco?
- Sim. Você está bem? - Theo balançava com os braços soltos, sua cabeça estava a aproximadamente dois metros do chão.
- Eu levei um tiro na perna, mas vou sobreviver. - Sam caminhou até as alavancas, decifrando qual deveria puxar.
- Achou?
- Acho que sim, não sei como funciona, mas aparentemente tenho como controlar a velocidade de descida.
- Então puxe.
- Ok.
- Espera!
- O que foi? - Sam levou um susto, já com as mãos na alavanca.
- Puxe devagar.
- Mantenha os braços para baixo, para proteger a cabeça caso caia no chão em velocidade.
- Ok. - Theo colocou os braços para baixo, com as mãos abertas.
- Eu vou puxar.
- Espera!
- O que foi agora, Theo?
- Estou longe do chão?
- Está. Posso puxar?
- Pode.
Sam segurou firmemente a longa alavanca enferrujada com ambas as mãos, puxou receosa para baixo, sem mover nenhum milímetro. Colocou um pouco mais de força, mas a alavanca continuava no mesmo lugar.
- Está emperrada. - Sam constatou.
- Você é mais forte do que isso, vamos lá, parece que minha perna está sendo arrancada, tente com mais força.
- Ok.
Sam deu outra olhada no sistema, e voltou a puxar a alavanca para baixo. Segundos depois, já estava dependurada com braços e pernas na alavanca, que não se movia. Movimentou-se com o corpo, usando toda força possível, e a alavanca se partiu na base, fazendo com que Sam caísse de costas no chão.
- Merd*! - Sam bradou, ainda deitada.
- O que aconteceu?
- A alavanca quebrou.
- E agora?
- Agora? Agora temos que cortar essa corda.
- Você consegue alcançar e cortar?
- Acho que não. - Sam olhava para os lados, procurando algo que pudesse usar como apoio ou escada.
- Procure uma escada.
- Não tem nada nesse lugar, Theo.
- Como você vai me tirar daqui?
- Não sei, me dê um minuto. - Já de pé, Sam olhava para os lados, com preocupação, e as duas mãos sobre a perfuração na perna.
- Igor está ferido?
- Está, não pode nos ajudar.
Depois de alguns segundos de silêncio, Theo voltou a falar.
- Sam... Me tire daqui...
- Só tem um jeito de tirar você daí.
- Então faça, mas me tire daqui.
- Você vai cortar a corda.
- Eu? Como?
- Com a adaga de Igor, está comigo.
- Eu vou cair de cabeça no chão.
- Não vai, estarei aqui embaixo para amortecer sua queda.
- Sam, isso não vai dar certo.
- Tem outra sugestão?
- Não, eu não tenho! Estou pendurada nesta porcaria de corda, de cabeça para baixo!
- Acalme-se. Eu vou lhe entregar a faca, você vai se inclinar para cima, segurando-se na perna, e vai cortar a corda. Eu pegarei você aqui embaixo, você não vai se machucar.
- Eu vou cair de cabeça no chão, Sam. - Theo falava aflita.
- Não vai.
- Procure outra forma, alguma alavanca reserva.
- Essa era a alavanca da sua roldana, já era. Vou entregar a faca a você, estenda a mão para baixo. - Sam ergueu a faca, mas Theo não pegou.
- Não vai dar certo.
- Vai, eu prometo que vai. Pegue a faca, estou erguendo para você, vamos.
Theo estendeu a mão e Sam entregou a faca.
- Ainda acho que é uma péssima ideia.
- Vamos Theo, balance seu corpo e incline-se para cima, agarre a perna com a mão esquerda e corte a corda.
- Mão esquerda? Eu adoraria segurar com a mão esquerda, se ela funcionasse.
Sam esfregou as mãos pela cabeça.
- Ok, use o braço esquerdo então.
Theo balançou um pouco o corpo e atirou-se para cima, tentando agarrar a perna presa com o braço, mas escapou. Tentou mais duas vezes, mas o braço escapava.
- Porcaria de mão inútil! - Theo resmungou.
- Concentre-se, faça uma chave com o braço esquerdo.
Na quinta tentativa, Theo conseguiu permanecer presa à perna, mas congelou com a faca em sua mão direita.
- O que está esperando para cortar?
- Eu vou cair. - Theo falou com pânico.
- Eu estarei aqui embaixo, corte logo.
- Ok. - Theo parou com a lâmina junto a corda, sem coragem para continuar.
- Pelo amor de Deus, Theo, corte logo!
- Eu vou cair de cabeça. - Suas mãos suavam, a faca parecia pesar um quilo.
- Não vai, eu vou pegar você. Confie em mim.
Theo afastou a faca da corda, parecia transtornada com aquela última frase de Sam. Após alguns segundos, mudou seu semblante, e cortava a corda com determinação.
- Me segure!
Caiu sobre Sam, que rolou com ela para o lado para evitar que alguém se machucasse, ficando por cima de Theo.
- Acredita em mim agora? - Sam perguntou, sobre Theo.
- Obrigada. - Theo respondeu ofegante, ainda assustada.
- Vamos embora dessa ilha.
Sam lhe de um beijo rápido e saiu de cima dela, Theo ergueu-se também, a procurando com a mão a frente.
- Estou aqui. - Sam tomou sua mão.
- Como está sua perna?
- Explodindo. Venha.
Andavam pelo corredor, quando Theo a interrompeu, parando.
- Onde está Igor?
Sam hesitou, com o olhar baixo, e voltou a caminhar com Theo.
- Venha comigo.
Sam a conduziu até o lado do corpo de Igor.
- Abaixe-se aqui. - Sam a orientou, agachando-se também.
- O que foi? Onde está Igor? Ele já foi embora?
- Igor morreu. - Sam disse com uma voz pesarosa, surpreendendo Theo com a notícia.
- Tem certeza? Podemos levá-lo a algum hospital.
- Ele se foi, Theo. - Sam levou a mão de Theo até a mão inerte de Igor. - Se despeça dele, do jeito que julgar conveniente.
- Ah não... - Theo balançava a cabeça baixa com tristeza.
Sam colocou sua mão por cima da de Theo, e fez uma oração silenciosa.
- Igor era um bom homem. - Sam voltou a falar, após sua oração.
- Ele não poderia ter morrido... Não poderia... - Theo não lidava bem com aquela fatalidade.
- Ele tentou me ajudar, me sinto responsável pela morte dele. - Sam falou cabisbaixa, encarando o corpo de Igor.
- Não se sinta, ele morreu lutando por algo que acreditava, assim como o pai.
- Eu sei... Vamos embora.
Theo levantou-se, mas Sam tateou os bolsos de Igor, tomando sua carteira e a guardando no próprio bolso.
- Talvez exista algum caminho aberto até a orla.
- É provável que sim, não voltaremos pela floresta.
Saíram da grande casa de pedras escuras, pelo lado oposto de onde haviam entrado, e encontraram uma trilha aberta, com chão de areia branca, que deveria despontar na praia, onde o barco daqueles homens estaria ancorado. Caminhavam já há alguns minutos, em silêncio, ainda atordoadas com a morte de Igor.
- Igor nos deixou uma luz. - Sam quebrou o silêncio.
- Qual?
- Ele disse para procurarmos uma funcionária da Archer, que trabalha no RH da sede em San Paolo.
- Qual funcionária?
- Evelyn, já ouviu falar?
- Evelyn?? - Theo indagou assustada.
- Conhece? - Sam perguntou com o cenho franzido.
- É minha namorada.
Ludibriar: vtd.: enganar; fazer acreditar em algo que não é verdadeiro; enganar com palavras capciosas; usar de dissimulação.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Bibiana Beurmann
Em: 02/11/2015
Oi, Cris!
Adoro esse capítulo, por mais duro que seja... ele coloca as coisas em outra perspectiva. Sam finalmente percebe, que a busca dela faz parte de algo muito maior.
Entendo que o Igor precisasse morrer, mas é uma pena... Ele é gente boa. Acabo me apegando. rsrs
Mas o que eu amo mesmo nos capítulos tensos, são os seus toques de humor em meio ao caos. A Theo tem reações tão genuínas, que mesmo com o coração na mão, ela me faz rir... <3
Beijos
Resposta do autor:
É um capítulo um tanto sofrido mesmo, não só fisicamente falando.
A morte de Igor é um daqueles acontecimentos que instiga ainda mais a luta delas, mal necessário. Eu tb me apego... rs
Ambas tem reações meio engraçadas em momentos críticos, uma aprende com a outra...
Brigada por ler e comentar, bjos!
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Anonimo 403998
Em: 02/11/2015
Só acho que faltou um ex- nessa frase da Theo --' só acho
Triste com a morte do Igor....ele era um bom homem mesmo, e um grande amigo, mesmo que conhecendo as duas por pouco tempo><
Ótimo cap
bjs ;]
Resposta do autor:
Sam concorda com você, e vai pentelhar muito Theo por esse deslize.
Igor não era um dos caras maus, infelizmente. Mas pode ajudá-las de várias formas, inclusive a fazerem as pazes.
Brigada ;)
Bjos!
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