CapÃtulo 42
Os Anjos Vestem Branco - Capítulo 42
No Leblon...
-- É para hoje loira?
-- Já vou Brina - berrou da cozinha - Estou terminando o café - completou com a boca cheia.
-- Estou saindo - Sabrina abriu a porta e ficou alí parada olhando para fora. Estava pensativa. Queria comprar um presente do dia dos namorados para Priscilla, mas não sabia o que. Sua cabeça estava passeando pela galeria de lojas do Shopping Leblon. Quando sentiu um braço cercar o seu pescoço por trás.
Achou que fosse Priscilla. Até fechou os olhos para sentir melhor o abraço. O olfato aguçou e ela aspirou fundo o ar sentindo um perfume diferente. Era gostoso, mas não era o de sua morena. Abriu os olhos e virou-se.
-- Aiiiiii... - não deu tempo, levou um beijaço na boca.
-- SABRINA!!! - Bruna apareceu na porta - Beijando a gostosona na boca? - Fechou a porta atrás de si. Se Victória visse Nicolle alí, A famosa batalha dos Farrapos, seria esquecida e os gaúchos só passariam a lembrar da batalha da gostosona em farrapos.
-- Sai de mim, encosto - Sabrina empurrou Nicolle - Sou comprometida, e se quer saber, ela é bem bravinha.
-- Tô nem aí, tô nem aí...Kkkkkk - riu delas.
-- Nunca mais faça isso -- Bruna apontou o dedo na cara dela - Se não...
-- Se não? -- Agarrou no pulso dela com força - Você vai chamar a mamãe?
-- Não - puxou a mão e a colocou no bolso - Vou chamar a Vic e dizer que você está bolinando a gente.
-- KKKKK... - riu delas novamente.
-- Tá rindo de que? - Sabrina colocou as mãos na cintura e resolveu encarar.
-- Vocês são duas sapatas, borra botas.
-- Agora ofendeu!!! - Bruna ficou toda ouriçada.
-- Vou jogar uma barata em você - a ruiva ameaçou brincando.
Sabrina puxou a loira pelo braço.
-- Vamos pular fora, essa aí é chave de cadeia - falou baixinho próximo ao ouvido de Bruna.
-- Isso mesmo Brina - a garota olhou para a ruiva - Sua chave de cadeia.
-- O QUE VOCÊ FALOU? - Nicolle berrou.
-- Bruna? Você não foi ainda? - Victória perguntou de dentro do apartamento.
As três saíram correndo para dentro do elevador.
No carro em direção à Barra da Tijuca.
-- A culpa foi sua, demorou uma eternidade.
-- Desculpa, Brina. Mas as panquecas da Vic são divinas. Não consegui sair sem antes comer umas cincos. EU AMO PANQUECAS!!! - Berrou na janela do carro.
-- Tá louca garota? Eu aqui morrendo de medo, quase me escondendo dento do porta luvas e você chamando a atenção de todo o bairro.
-- A Nicolle tem razão, você é borra botas, Brina.
Bruna dirigia cuidadosamente pelo local. A avenida das Américas é a mais famosa avenida da Barra da Tijuca, e uma das mais perigosas também. O trecho localizado na Serra da Grota Funda é considerado perigoso devido ao Viaduto da Abolição.
Milhões de pessoas adotam pontes e viadutos como abrigo nas grandes cidades. Moradores de rua e famílias sem ter onde morar encontram debaixo dos viadutos a garantia mínima para se proteger pelo menos da chuva.
Bruna estacionou o carro a uma distância que imaginou ser segura e caminharam por meio a papelões e colchões.
-- Quem só vê as ruas pelo vidro do carro, não faz ideia de como é isso aqui né Brina?
-- O barulho de veículos sobre o viaduto não parece incomodar eles - Sabrina apontou para alguns moradores de rua dormindo em colchonetes, embaixo do elevado -- É perigoso transitar a pé por aqui, Bruna.
-- Me dá outra ideia... - Bruna viu algumas pessoas distribuindo alimentos para os moradores - Vamos até lá Brina - saiu correndo e nem esperou a amiga.
Quando Sabrina se deu conta, a garota já estava no meio do povo.
-- Meu Deus, que cara de pau - Sabrina se aproximou de onde a amiga estava.
-- Sabrina, esse aqui é o seu Germano, ele é um dos voluntários que distribuem sopa, pãezinhos e água.
-- Olá Sabrina. A gente está aqui desde cedo, ficamos muito tempo porque, além das sopas, eles querem conversar, pedem orações, abraçam a gente. Percebemos o quanto são carentes de afeto e isso é muito emocionante.
-- A sopa alimenta o corpo, e a atitude alimenta a alma - Bruna abraçou Germano.
-- Quer uma sopinha?
-- Quero, adoro sopa - Bruna aceitou, toda feliz.
-- Caramba, você acabou de comer cinco panquecas, garota - Sabrina não conseguia acreditar.
-- Já desgastou, né Brina.
-- Credo...
-- O que vocês fazem por aqui? Esse lugar é muito perigoso.
-- Já avisei ela, Germano, mas a cabeça dura é teimosa que só.
-- Germano, eu preciso muito encontrar uma família que mora aqui nesse lugar - Bruna abriu os braços desolada - mas, não sei nem por onde começar.
-- Eu conheço a maioria dos moradores daqui. Qual é o nome?
-- O nome dele é Vinicius, mora com a esposa e três filhos.
-- Bruna, vamos sentar alí - apontou para algumas pedras paralelepípedo, amontoadas em um canto - A história do Vinicius é longa.
-- Então você conhece, que legal! - Bruna E Sabrina sentaram e ficara olhando para Germano que se ajeitava para então começar a falar.
-- Conheço o Vinicius desde que começamos a distribuir alimentos aqui na Abolição. Cara gente boa. Homem simples, mas de uma honestidade e bondade sem tamanho. Lutava para não deixar os filhinhos e a mulher passarem fome. Catava latinhas de alumínio e papelão na rua e carregava-os sorrindo, como se o enorme peso não passasse de brincadeira. A noite limpava vidros de carros estacionados na boate à beira da Avenida das Américas.
Germano levantou foi até o carro e pegou o celular.
-- Vou te mostrar a foto de Vinicius e a família - entregou o aparelho para as duas olharem.
-- Poxa, como eles cresceram e estão lindos - Bruna sorriu recordando-se da gurizada e suas brincadeiras.
-- Enfim, a esposa de Vinicius estava gravida. Nos primeiros meses estava tudo tranquilo, mas a partir do quinto mês de gestação ela começou a ter uns problemas de pressão.
-- Pré-eclâmpsia -- Bruna olhou para Sabrina.
-- É isso aí mesmo -- Germano confirmou -- Ela sofreu várias complicações no pós-parto. Passou oito dias em coma. Ainda lembro bem do dia em que ele recebeu a notícia do óbito dela por morte cerebral e parada múltipla dos órgãos. Sua morte prematura causou grande comoção aos amigos daqui. Ela sabia que a gravidez era de risco, e ela quis arriscar assim mesmo e ter a criança.
-- E a criança Germano? -- Sabrina olhou primeiro para Bruna, depois para o homem.
-- A criança passou bem e está sob os cuidados de uma família, que segundo Vinicius, é maravilhosa.
Sabrina olhou para Bruna e balançou a cabeça. A danada sabia que a criança era filha de Vinicius e não falou nada para Dulce.
Bruna ajeitou-se melhor na pedra e perguntou ansiosa:
-- Aonde está o Vinicius e as outras três crianças?
-- Infelizmente o Vinicius não soube lidar muito bem com a situação, despediu-se dos filhos e jogou-se pelo mundo afora. Uma assistente social esteve aqui e levou os pobrezinhos embora. Foi uma choradeira só. O juiz da Vara da Infância e Juventude definiu que as crianças ficariam em um abrigo da cidade por não possuírem parentes próximos.
-- Que dó né Brina -- Bruna estava desolada.
-- Coitado do Vinicius a vida dele nunca foi fácil não é mesmo? - Sabrina parou pensativa. Lembrou de uma frase de Paulo Coelho: "A felicidade às vezes é uma benção, mas geralmente é uma conquista." Vinicius não havia conquistado a sua.
Germano ainda falou muito sobre Vinicius, de como ele amava a esposa e os filhos, do tanto que sofreu ao ter que deixá-los no abrigo e do desanimo que tomou conta de sua vida com a perda daquela que era tudo para ele.
Bruna naquelas alturas já conhecia metade dos moradores daquele lugar, brincava com as crianças, com os cachorros, com os bêbados e ajudava a servir sopa.
-- Sua amiga é bem extrovertida - Germano comentou com Sabrina.
-- Até demais - revirou os olhos.
-- Ela é a garota que Vinicius disse ter entregue a menina, não é mesmo?
-- É - olhou nos olhos de Germano que parecia feliz - Bruna ama a menina.
-- Vinicius dizia que ela é um anjo. Um anjo vestido de branco e que a filha seria muito feliz vivendo com ela.
-- Pode ter certeza que sim. A família da Bruna é linda.
Sabrina quase surtou quando viu a amiga vindo em sua direção puxando um cachorro por uma corda.
-- Olha só Brina, o que eu ganhei - parou em frente a Sabrina e mostrou cheia de orgulho, o animal seco de magro.
-- Que lindo! O que é isso? Parece um rato gigante.
-- Não fala assim que ele magoa - passou a mão na cabeça do animal que estava todo faceiro.
-- Se ele abanar o rab* mais uma vez, vai desmaiar devido ao esforço físico - Sabrina levantou e limpou a calça com a mão - Vamos embora.
-- Vamos - a loira saiu caminhando em direção ao carro ainda puxando o cachorro.
Sabrina parou e ficou olhando.
-- Péraí, péraí. Você não está pensando em levar esse filhote de gambá com ratazana com a gente, não é mesmo?
-- Como não? Eu ganhei Brina.
-- Há tá. Se você ganhar um camelo, também vai levar para casa? Esse cachorro... eu acho que é um cachorro, sei lá, ainda tenho dúvidas - examinou o animal de longe - deve ter uns dez tipos de perebas.
Bruna olhou triste para o animal.
-- Ele era das crianças do Vinicius, Brina. Não posso deixa-lo abandonado sem comida e água.
-- Você já pensou o que vai acontecer quando você aparecer em casa com isso aí? A Vic vai te dar um corridão.
-- Eu não vou levar para o apartamento - olhou para o alto e disfarçou.
-- Há bom - suspirou fundo -- Que susto - Sabrina entrou na pick-up.
-- Vou levar para a sua casa...
Sabrina saiu da pick-up.
-- Você só pode estar brincando - estava realmente brava - Esse cachorro vai destruir o meu jardim.
-- Não vai.
-- Quem vai cuidar dele? Dar comida? Carinho?
-- O seu João.
Sabrina contou até dez, deu alguns passos e parou em frente a amiga.
-- NÃO MESMO!!!
No apartamento de Nestor
-- Doutor Nestor, posso servir a janta?
-- Ainda não Simone - levantou e colocou o copo vazio sobre a mesinha de centro - Antes vou subir e tomar um banho. Quando estiver pronto te aviso.
-- Sim senhor - a empregada contratada recentemente para substituir Marga, saiu caminhando a passos largos em direção a cozinha.
Débora e as filhas acharam melhor não prestar queixa contra ele. A notícia iria repercutir negativamente e prejudicaria a imagem do hospital. Porém em troca, exigiram a sua saída definitiva do hospital.
O delegado Cicero não havia desistido de investigar a tentativa de assassinato e, volta e meia, Nestor se esbarrava com ele pela cidade. O médico tinha certeza que o delegado estava tentando intimida-lo.
Assim que entrou no quarto ouviu o celular tocar. Olhou no visor: Número privado. Ficou receoso em atender, mas a curiosidade foi bem maior e atendeu.
-- Alô - falou em um fio de voz.
-- Patrão, pode falar?
Em uma clínica veterinária no Leblon...
-- Tem certeza que tem cura?
-- Não fala assim dele Brina. Você não ama os animais? Ele vai ficar lindo né doutora.
-- Claro que vai. Daqui a uma semana já estará mais forte e com o pelo bonito. Com uma alimentação saudável, rico em proteínas e cuidados com o pelo, você nem vai reconhecer quando vier busca-lo.
-- Viu garoto - Bruna acariciou a cabeça do vira-lata - Daqui a uma semana a Brú vem te buscar e você terá um novo lar.
-- Vamos Bruna - Sabrina já estava sem paciência, a bateria de Bruna parecia nunca acabar - Estou morta, não vejo a hora de chegar em casa.
No caminho para casa Sabrina não pode deixar de fazer uma pergunta para a amiga.
-- Porque você não contou para Dulce sobre o Vinicius?
Bruna ficou em silencio por alguns segundos, parecia pensar sobre a situação.
-- Não queria prejudicar o Vinicius. Precisava primeiro falar com ele, saber os motivos que o levaram a tomar essa atitude tão horrível, que foi a de abandonar os filhos.
-- E agora? O que você vai fazer? -- esticou os braços sobre a cabeça e soltou um suspiro cansado.
-- Agora vou chamar a Dulce e preparar algo para surpreender a juíza Mendonça.
-- Já tem um plano?
-- Tenho um plano A B e se bobear um C - deu um sorriso sapeca que deixou Sabrina arrepiada.
Quando ela sorri assim, lá vem encrenca.
Mais tarde.
-- Eu não conheci o Vinicius, mas mesmo assim não posso deixar de estar triste com sua história.
-- Apesar de não aprovar em nada a atitude dele em deixar os filhos para trás e sumir no mundo, não consigo parar de pensar que se ele ficasse com os pequenos, não poderia mais trabalhar e teriam que pedir esmolas.
-- Que situação né amor - Victória pegou Leticia que estava na cama e trouxe-a para perto de seu peito e apertou-a contra seu coração com amor, carinho. Aproximou o bebê de Bruna para que ela a beijasse, depois colocou a princesinha em um berço ao lado da cama.
Era essa a rotina de todas as noites, aquela paz espiritual que por nada nesse mundo desejavam mudar.
Os dias passavam rapidamente, Bruna e Victória travavam uma luta contra o tempo. Viviam a angustia de que a qualquer momento seriam chamadas pela juíza Mendonça.
Bruna encontrava-se quase todos os dias com Dulce. Não contava nada para a morena, não queria lhe dar falsas esperanças. Quando ela perguntava algo, apenas dizia: " A vida nem sempre segue a nossa vontade, mas ela é perfeita naquilo que tem que ser". Chico Xavier.
No apartamento de Débora.
-- Brina, o que você está achando de tudo isso? - Enquanto Priscilla preparava o café, Sabrina estava sentada junto à mesa.
-- A Bruna é uma peste, você sabe disso. Quando ela coloca uma coisa na cabeça, ninguém tira e não desiste nunca.
-- Tenho até medo - encheu duas canecas com café - E o ratão como está?
-- Está bem. Engordou, está com o pelo bonito, nem parece aquela coisa medonha de dias atrás.
-- Ainda não consegui captar a intensão da Bruna com tudo isso.
-- Olha Prí, eu me considero a expert em planos mirabolantes, mas dessa vez te confesso que não faço a mínima ideia do que a Bruninha está preparando.
-- Tenho orado muito, para que o criador dos espíritos e dos mundos indique por quais caminhos ela deva seguir.
-- Seja qual for estará iluminado.
-- Bom dia crianças - Débora entrou na cozinha trazendo Pedro pela mão.
-- Quanta felicidade...o amor é lindo - Priscilla recolheu as canecas e colocou na pia.
-- Eu mereço, minha filha - deu um selinho no namorado - Vem Pedro, vamos tomar um café reforçado.
-- Precisamos repor as energias - Pedro falou e ficou roxo.
Sabrina e Priscilla caíram na gargalhada, deixando o homem ainda mais ruborizado.
No apartamento de Bruna e Victória...
A loira entregou um papel para Victória.
-- O dia que temíamos chegou, meu amor.
Enquanto lia, Victória chorava muito. Suas lagrimas molhavam o papel que ela lia e relia ...
-- O que nós vamos apresentar para ela, Bruna? Não temos nada para surpreende-la.
-- Temos o mais importante: O nosso amor pela princesinha - Bruna sofria com o sofrimento da sua Vic.
-- Não vai ser o suficiente para a juíza... - Victória saiu correndo para o quarto.
Bruna sentou no sofá com as mãos no rosto. Teria apenas dois dias...
"Se a suas lágrimas estão regando a terra e seus sonhos estão debaixo do chão, não desista, eles brotarão". Ilton Oliveira.
1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro.
-- Vic, aonde se met*ram a Bruna e a Dulce? - Priscilla tremia de tão nervosa que estava - A juíza já vai chamar vocês.
-- Não sei Prí, elas saíram logo cedo, com bolsas cheias de roupas. Falando que que era para mim confiar nelas - sacudia Leticia de um lado para outro - Estou a ponto de desmaiar.
-- Imagino. Até a Sabrina resolveu sumir também...
Uma voz chamou a atenção das duas.
-- Senhoras, a Drª Mendonça, Juíza Titular da Vara da Infância, está aguardando.
Victória caminhou com Leticia no colo. Estava tão assustada e nervosa que quando se deu conta, já estava sentada à frente da juíza, como chegou até ali? Nem ela sabia responder.
-- Estou decepcionada - a juíza falou com certa tristeza - Esperava muito mais da doutora Bruna. Pelo que percebo ela desistiu de lutar...
-- Poderia desistir de qualquer coisa, menos de quem amo - Bruna falou da porta.
A juíza Mendonça virou a cabeça em direção a porta e sorriu com o que viu...
Próximo capítulo...
-- Bruna, essa ratazana disfarçada de cachorro, roeu o meu tênis importado. Eu juro que vou matar ele.
-- Brina, a paciência é uma virtude que deve ser exercitada para que possamos cada vez mais nos acostumar a situações adversas.
-- Fora daqui você e esse filho de qualquer coisa - Sabrina apontou para o caminho da rua.
Fim do capítulo
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