Capitulo 6
— Com todo respeito, doutora, você está aqui apenas para cuidar da saúde dos meus empregados. Do restante cuido eu.
Marina parecia realmente brava. No almoço não havia dito nada depois que Alice interferiu na “brincadeira” dos homens com Sininho. Terminou de comer normalmente, mas antes de levantar da mesa, disse em tom neutro para a médica: “Assim que terminar, vá ao meu escritório.”
No caminho até a sala, Alice se sentiu completamente dividida. Se Marina não tivesse gostado da atitude dela, estava perdida. Não queria perder aquele emprego, não podia. Como lidaria com mais um fracasso? Onde conseguiria um outro emprego, depois de tudo o que aconteceu em sua vida? Mas, por outro lado, não estava arrependida do que tinha feito, nem um pouco.
Tentou ser comedida na resposta:
— Dona Marina, eu entendo perfeitamente. Não era essa minha intenção, apenas achei que...
Apesar da voz calma, Marina a cortou prontamente:
— Doutora, vou deixar uma coisa bem clara: você não foi contratada, nem está sendo paga, para achar nada. Certo?
Alice sentiu o sangue esquentar dentro de si. As faces, com certeza, já estavam vermelhas. Precisou respirar antes de responder:
— Sim, senhora. Mas nunca conseguiria ficar indiferente diante do que aconteceu.
Marina a analisou em silêncio por um instante. Deu a volta na mesa, parando diante da médica que estava de pé do outro lado. Os poucos centímetros que tinha a mais, permitiam que olhasse para ela de cima:
— Por que todo esse interesse em Sininho, doutora?
Alice não entendeu a pergunta. Não era interesse em Sininho. Se fosse qualquer outra pessoa naquela situação, faria o mesmo.
— Interesse nenhum, Dona Marina. Só não achei saudável o que estavam fazendo.
Caminhou em volta de Alice, que permaneceu no mesmo lugar, como se quisesse analisá-la por completo. Quando parou novamente em sua frente, disse com um sorriso sugestivo:
— Lena havia me falado sobre você... Eu achei que era coisa da cabeça dela, mas agora pensando melhor...
Alice sentiu o ar falhar:
— Desculpe, dona Marina, mas não estou entendendo.
Marina riu e se aproximou ainda mais dela. Alice até pensou, mas não conseguiu se mover. De novo aquele veneno que possuía dentro de si a paralisava. Sabia que não deveria permitir aquele contato, precisava agir, correr, fugir o mais rápido possível. Mas a única coisa que conseguiu fazer foi encarar Marina de volta, as bocas perigosamente perto demais, os corpos perto demais, antes que a patroa completasse:
— Ah, está sim... Tenho certeza que está.
Aproximou a boca e encostou na de Alice, suavemente. A outra denunciou sua vontade no suspiro que deixou escapar. Devagar aprofundou o beijo, encontrando a língua de Alice que se enlaçou na dela. Automaticamente os corpos se juntaram mais. A mão direita de Marina agarrou a nuca de Alice, enquanto a esquerda a puxava ainda mais pela cintura. Os braços de Alice enlaçavam Marina pelo pescoço. Teriam se perdido uma na outra, não fossem as batidas na porta. Alice deu um salto tão grande para trás que assustou Marina. Parecia que tinha sido pega cometendo um crime.
— Calma, ninguém entra sem que eu autorize.
A frase de Marina não surtiu nenhum efeito. Alice parecia aterrorizada. Limpou a própria boca com as costas da mão, enquanto ajeitava as roupas que pareciam amassadas.
Novamente ouviram as batidas na porta. Marina deu a volta em sua mesa, voltando para sua cadeira e só então autorizou que entrassem. Lena abriu a porta e olhou desconfiada de uma para a outra. O rosto de Marina estava impassível, mas o estado alterado de Alice denunciava que algo havia acontecido.
A empregada disse olhando feio para a médica:
— Tem um peão precisando de atendimento.
Recebeu uma resposta gaguejada:
— Sim... Claro, eu... Eu vou...
Antes que pudesse sair, Alice ouviu a patroa dizer:
— Depois terminamos esta conversa, doutora.
*****
Marina estava imersa nos próprios pensamentos enquanto olhava para o quintal, pela janela do seu quarto. O que tinha acontecido mais cedo despertara várias emoções e dúvidas dentro dela. Estava se recriminando pelo fato de que a atenção que Alice dispensava a Sininho no dia a dia a incomodava bastante. Depois, levada por essa confusão de sentimentos resolveu tirar a prova da desconfiança de Lena, e o beijo no escritório acabou acontecendo. A verdade que não queria admitir para si mesma era que, assim que começou a observar a médica e Sininho, notou algo de diferente. Algo que passaria despercebido por qualquer outra pessoa que nunca antes tivesse se relacionado com alguém do mesmo gênero. Captou todas as sutilezas no olhar, nos gestos e no jeito com que as duas se tratavam, todos os esforços que era preciso fazer para esconder o que a sociedade nunca aceitaria. O incômodo aumentou quando começou a se perguntar se realmente estava acontecendo algo entre elas, pois seu ego jamais aceitaria que uma pessoa se sentiria atraída por Sininho e não por ela. Jamais aceitaria que, se a médica realmente tivesse gosto por mulheres, se interessaria por uma empregada e não por ela. O que tinha acontecido na cozinha havia sido a gota d’água e ela agiu impulsionada pelo ego ferido. Agora estava afundada numa confusão, pois havia gostado do beijo, mas não sabia o que Alice realmente sentia e pensava. O beijo foi correspondido, disso não tinha dúvidas, mas e dali em diante?
Entendeu que não teria todas as respostas mesmo se ficasse ali pensando sobre isso até a noite cair. Saiu em direção ao quintal, montou seu cavalo e saiu a galope.
*****
Alguns dias depois, no quarto de Marina, Lena estava possessa de raiva:
— É por causa dela, não é? Daquela doutora?
— Lena, por favor, eu já disse que não estou com cabeça para isso.
— Não está com cabeça? Você nunca me negou tantos dias assim, Marina!
Depois do quase flagra no escritório, realmente estava evitando Lena. A verdade, que jamais poderia confessar para ela, era que não parava de pensar em Alice. O beijo interrompido a instigava. Queria mais, queria desvendar aquela mulher. Por ironia do destino, foi a própria Lena quem fez Marina olhar a médica com outros olhos. É claro que percebeu que ela era uma mulher bonita assim que a viu, mas não se permitiu pensar em uma relação que não fosse estritamente profissional. Mas depois do beijo no escritório, os pensamentos foram tomados por imagens da médica, até porque não lhe pareceu a primeira vez que Alice havia feito aquilo.
— Lena, eu estou ocupada, tenho coisas importantes para resolver. Por favor, saia do meu quarto.
Antes que a empregada pudesse responder, ouviram as batidas na porta, seguidas pelo barulho dos pingentes. Descontando toda sua raiva, Lena abriu a porta num rompante e disse, antes de a fechar com força:
— Agora não, Sininho!
Já sem muita paciência, Marina abriu a porta novamente e disse:
— Agora sim, Sininho, pode entrar!
Completou olhando para Lena:
— Quem manda no meu quarto e nessa fazenda inteira, sou eu.
Sininho hesitou alguns segundos antes de obedecer e entrar no quarto. Havia ouvido a discussão assim que se aproximou do cômodo. Em qualquer outra situação teria dado meia volta e esperado para voltar ao quarto da patroa quando Lena já não estivesse lá. Mas ouvir que Alice era o motivo da briga a fez levantar a mão e bater na porta. Não soube muito bem porquê, mas tudo que era relacionado à médica a fazia ser impulsiva, passional.
Caminhou até a cama para trocar o lençol e as fronhas, enquanto as mulheres continuavam a discutir como se ela não estivesse ali.
— Claro, Marina! Você é a dona de tudo! Inclusive dos seus empregados. Você acha que eu sou um objeto que você comprou e usa apenas quando quer... E quando já não quer mais, joga no lixo.
Sininho percebeu que Marina tentava a todo custo manter a calma:
— Eu nunca te prometi nada. A gente se deita junto, só isso. Fora da minha cama você é sim só uma empregada.
Tentou fazer tudo o mais rápido possível para sair daquele cômodo o quanto antes. Não precisava e nem queria mais presenciar aquilo, mesmo que as duas mulheres não estivessem nem se lembrando da presença dela.
Percebeu que Lena tinha os olhos marejados, lutando para que nenhuma lágrima caísse, quando respondeu:
— Está certo, patroa, já entendi. Faça bom proveito da sua doutora. Quem sabe fora da sua cama ela não consiga ser mais que uma empregada.
Fim do capítulo
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AlphaCancri Em: 01/09/2023 Autora da história
Não posso te julgar hahah