Olá, quarenteners. Vamos juntas e juntos conhecer os caminhos e descaminhos de uma história de amor e desamor.
Se é pra você ficar
P.O.V. Lara Araújo
Aos poucos, a respiração ia voltando ao normal, o coração já reencontrava o seu ritmo. Após aqueles segundos de máxima intensidade, em que o tudo e o nada se misturam, retornaram à minha mente os sentimentos que têm se mostrado tão íntimos; apatia, indiferença, angústia. Do corpo deitado ao meu lado na cama eu muito provei, de diferentes formas, em diferentes momentos ao longo dos últimos cinco anos da minha vida. Entre a gente tudo sempre foi tão intenso. Parecíamos seguir com louvor o roteiro de um caricato romance lésbico, em que uma deixa tudo e se muda para a cidade da outra, para que juntas possam viver um lindo amor. E vivemos, de verdade. Mas não há beleza sem dor e ultimamente tudo tem sido tão dolorido.
Agora estamos aqui, juntas e sozinhas, dividindo quase todos os momentos do dia em meio a essa crise mundial. Em seus olhos, eu já não vejo o brilho de antes e isso dói. Porém, a dor maior é sentir que fui eu quem o roubei dela. Sinto que lhe tirei tudo – sua família, seu antigo emprego, seus amigos, enfim, sua vida antes de mim. Essa sensação não é nova, me acompanha desde o momento que Natália veio de mudança, decidida a começar uma nova vida ao meu lado. No auge dos meus vinte anos, o peso de ser a responsável por uma mudança tão grande assim na vida de alguém se mostrava um obstáculo. Ao longo dos dias, ela me dizia incansáveis vezes para não me sentir assim, porque foi ela quem escolheu viver essa nova vida ao meu lado. De fato, eu não a obriguei a nada.
Desde o dia em que nos encontramos em um bar qualquer na capital paulista, em uma sexta-feira despretensiosa, algo muito forte passou a ser construído entre a gente. Eu nem estava empolgada para fazer aquela viagem. Nunca gostei muito de São Paulo e do seu clima solitário – contrariando a impressão que fica aos olhos desavisados que enxergam apenas multidões. Naquela ocasião, em específico, me obriguei a ir como companhia do Álvaro, meu melhor amigo, que estava desesperado para assistir ao show da cantora Katy Perry. Chegamos em Sampa pouco mais de 24 horas antes do show. Era uma quinta e a noite paulistana se mostrava fria para qualquer cearense, acostumado a temperaturas altas até mesmo no período noturno. Para compensar o favor que seria assistir ao show de uma diva pop da qual nem gosto ao lado de milhares de fãs emocionados, fiz o Álvaro ir comigo em um famoso bar LGBT. Alguns drinques depois, encontrei aquela que, tempos depois, mudaria a minha vida. Já passava de 1h da manhã quando nossas bocas se encontraram após meia dúzia de palavras quaisquer. Naquele momento, era impossível prever tudo o que viria depois.
Essa lembrança silenciosa me invadia, enquanto eu olhava para Natália, que permanecia de costas para mim. Há uns meses parecemos amigas que, às vezes, trans*m. Mas agora sinto que até a amizade se foi. Ela evita me olhar nos olhos durante e após o sex*. Não sei se por estar arrependida, envergonhada ou com raiva de mim. Sem nenhum estopim, chegamos a esse ponto. Não sei se essa situação é irreversível, assim como não sei o quanto estamos dispostas a revertê-la. A única certeza que carrego nesse momento é que me sinto sozinha ao lado da pessoa que jurei amar.
Esses dias conheci uma música gravada pela Ana Gabriela que parecia descrever perfeitamente a nossa história. Tantas coincidências com uma letra que parece ter sido escrita sob encomenda e eu sequer mostrei à Natália. Deixei um comentário no YouTube dizendo que a música me representava perfeitamente. Mas isso é grito no vácuo. O que eu queria mesmo é que a mulher que eu amo ouvisse e que, ao ouvir, lembrasse de toda a beleza do nosso amor. Olhei mais uma vez para a mulher ao meu lado, com o corpo nu, parcialmente envolto pelo cobertor, que não impedia a visão da sua enorme tatuagem lateral. Mesmo sem saber se ela ainda estava acordada, peguei o controle da TV e aos poucos a canção foi preenchendo aquele ambiente rodeado de frieza.
Te encontrei já era madrugada,
Sexta-feira é dia de desencontrar.
A noite inteira lua ali e nada, mas você me conquistou.
Me pareceu especial e era.
Me apaixonei não posso te deixar passar.
Se é pra caber você na minha vida,
Eu posso mais, eu vou mais além.
Mudo tudo de lugar,
Se é pra você ficar.
Sem perguntar por quê,
Aconteceu você.
Acho que era pra ser,
Não sei como explicar.
O dia vai nascer.
O sol já vai raiar.
Eu abro os braços pra você me abraçar.
Sem perguntar por quê,
Aconteceu você.
Acho que era pra ser,
Não sei como explicar.
O dia vai nascer.
O sol já vai raiar.
Sabe o que eu faço pra essa noite não acabar?
Eu mudo tudo de lugar,
Se é pra você ficar.
Ela permaneceu imóvel e quando eu já tinha aceitado que ela estava dormindo, escutei um choro baixo. Calmamente, me posicionei atrás dela e a abracei, sentindo o cheiro dos seus cabelos invadindo minhas narinas. Comecei a cantar baixinho:
Quero correr pra chegar logo o dia
De te encontrar pra te mostrar como eu mudei.
Parece até que era outra era,
Nada a ver com quem eu sou.
Aquilo que eu te disse joga fora,
é que na hora acho que disse sem pensar.
Te machuquei, me magoei e agora eu posso mais, eu vou mais além.
Mudo tudo de lugar,
Se é pra você ficar...
Ela se virou em minha direção e, pela primeira vez em muito tempo, eu senti paz em seus olhos, iluminados apenas pela televisão. Então, me beijou como se fosse a primeira vez. O gosto das lágrimas na sua boca não me fez esquecer que ainda vivíamos um momento conturbado, mas, durante aqueles segundos, eu me senti em casa de novo. Quando ela se afastou, me senti vazia e, em seguida, preenchida novamente quando ela acompanhou a canção:
Sem perguntar por quê,
Aconteceu você.
Acho que era pra ser,
Não sei como explicar.
O dia vai nascer.
O sol já vai raiar.
Sabe o que eu faço pra essa noite não acabar?
Eu mudo tudo de lugar,
Se é pra você ficar.
Assim, adormecemos abraçadas, como se o mundo pertencesse a nós de novo.
Fim do capítulo
O que acharam?
Música do capítulo:
https://www.youtube.com/watch?v=krdTFXPPxxk
Comentar este capítulo:
thays_
Em: 16/04/2020
"A única certeza que carrego nesse momento é que me sinto sozinha ao lado da pessoa que jurei amar." achei maravihosa essa parte! Me fez lembrar de um antigo relacionamento. Triste, mas real.
Vamos ver aonde essa história irá nos levar, gostei do primeiro capítulo!
Continue escrevendo (:
Resposta do autor:
Obrigada, thays_! Eu também já passei por isso... Triste!
Já postei outro capítulo.
Beijo!
Resposta do autor:
Obrigada, thays_! Eu também já passei por isso... Triste!
Já postei outro capítulo.
Beijo!
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