CapÃtulo 2
Escolha do destino
Amália seguiu. Endy ficou olhando a amiga, depois subiu em sua charrete e também seguiu para casa, que ficava na cidade de Ipu, próxima a escola onde ela lecionava. O sol já se escondia. As cores multifacetadas iam fazendo um ensaio de dança como se ali vestes ciganas fossem habilmente manejadas por suas dançarinas ao som dos violinos e pandeiros tão bem tocados pelos amantes ciganos. Uma brisa amena desalinhou levemente o cabelo de Endy que parou a charrete e os prendeu novamente no alto da cabeça, depois seguiu com cuidado contemplando todo aquele espetáculo que o sol ia deixando com a sua partida.
Ao parar a charrete em frente a sua casa, Endy apeou e abriu o portão de ferro que protegia o espaço. A vizinha que a observava sorriu em cumprimento e adentrou sua casa, sentindo que talvez nunca descobrisse o mistério que envolvia aquela mulher ainda jovem e tão bonita. Endy colocou a charrete no espaço reservado e desatrelou o cavalo o qual chamava de Raio e o levou para o espaço que tinha no quintal, onde o serviu de água e comida, alisou seu focinho e sorriu. Depois seguiu direto para o banheiro, o calor tinha aumentado com o esforço que havia feito. A água fria caiu sobre seu corpo lhe proporcionando deleite, e ela permaneceu ali por alguns minutos. Depois seguiu para o quarto, enrolada em uma toalha felpuda e secou levemente o seu corpo. Depois o cobriu com um vestido de tecido leve, abriu a janela do quarto e respirou o aroma das rosas que vinha do seu pequeno e bem cuidado jardim. Seu estômago anunciou fome e Endy seguiu para a cozinha no desejo de preparar algo para o jantar. Depois de jantar serviu-se de um copo com suco de acerola. Apagou a luz da cozinha e seguiu para a sala modestamente decorada. Deitou no sofá macio e confortável e fechou os olhos, esquecida de seu presente. As cenas do passado de amor ao lado de Núria assolaram sua mente como se ainda fosse o único motivo pelo qual Endy vivia. E ela recordou.
O dia clareava. Os pássaros pulavam de galho em galho fazendo a algazarra matinal. Na pequena cidade de Pelotas, Endy admirava a manhã de sol na fazenda Olhos d’água, onde seu pai imperava com mãos firmes, no desejo desesperador de resgatar a abastança que havia sido o passado. O fim da escravidão tinha deixado muitos senhores feudais desnorteados. E seu pai era um deles, tendo sido abatido implacavelmente pela falência decorrente da má administração dos negócios e dos gastos demasiadamente desnecessários, fazendo com que o pai de Endy se visse desesperado. E diante a certeza de que nada mais restava de um passado glorioso Antônio Cervantes negocia com a vida da filha, impondo-lhe um casamento indesejado.
— Endy... – chamou Antônio.
— Sim meu pai...
— Sente aqui, - ele disse exalando um cheiro forte do vinho que já havia ingerido fazendo Endy sentir o odor assim que sentou-se onde o pai lhe ordenava.
— Hoje estive conversando com Alexandre Alvarenga, ele é um homem de muitas posses, você sabe a quem eu me refiro. Ele me participou do amor que nutre por você, eu já era conhecedor, mas achei que isso passaria com o tempo. Ele pediu a sua mão em casamento e eu concedi, então dentro de um mês você será sua esposa.
— Não desejo me casar com o senhor Alexandre, meu pai, - balbuciou a jovem, tentando desvencilhar-se do compromisso assumido pelo pai.
— Eu não estou perguntando o seu desejo, minha cara. O casamento será dentro de um mês. Portanto trate de ser uma boa esposa e lembre-se, Alexandre é um homem rico e poderoso e desse casamento depende a minha salvação. Você me entendeu?
Endy calou-se. Sabia que era inútil qualquer argumentação a mais e seguiu para o seu quarto, após responder ao pai que tinha entendido. Estava dada a sua sentença e ela não tinha mais nada o que fazer, a não ser aceitar, essa era a escolha do destino para a sua vida.
Alexandre era o homem que comandava um império com mãos de ferro. Esnobe, austero e desesperadamente apaixonado por Endy, esse encontrou um jeito de ter os títulos de dívidas que pertenciam ao pai dela, no intento de ter Antônio em seu poder. Quando a escravidão foi abolida e não tendo mais escravos para vender, Antônio não viu outra maneira de saldar seus débitos enormes com Alexandre o seu credor, que não fosse negociar com ele a jovem e bela filha.
Endy olhava debruçada na janela de seu quarto que sol ia deixando todo o universo tingido pelos seus raios coloridos e essa magnitude ia contracenando com a tristeza que invadia seu coração. As lágrimas desciam pelo seu rosto, enquanto ela ouvia a sinfonia que os pássaros entoavam numa festividade álacre, pulando de galho em galho, alheios a dor que macerava seu ser.
“De nada adianta chorar ou argumentar, porque nada impedirá a minha desgraça, nada vai impedir o desejo desse homem maldito, esse é o meu destino” - pensava Endy consciente de que ninguém arrancaria de Alexandre aquela paixão avassaladora que ele sentia por ela. E olhando para o espetáculo que ia se formando na natureza com a despedida do sol, ela imaginava que talvez nenhum pintor pudesse retratar tão perfeitamente aquele quadro, mas que nenhum pintor também seria capaz de colocar na tela, o sentimento de angústia, dor e solidão que ela sentia. Era Deus quem desenhava ali aquele cenário majestoso, presenteando os olhos humanos com toda aquela beleza, mas esse mesmo Deus, não se importava com o quadro de sofrimento que ia pintando no ser daquela menina e ela chorou revoltada e descrente do amor daquele Ser que muitas vezes ouvia Mirna exaltar.
— Não fique assim, Endy, tudo na vida tem uma causa justa, - falou Mirna quando adentrou o quarto após receber permissão.
— Mirna como pode me dizer isso? O que tem de justo nessa vida maldita que me obriga a casar com um homem mais velho que o meu pai e o qual eu abomino? Não existe nada, absolutamente nada de justo nisso tudo, - lamuriava a menina enfurecida limpando uma lágrima que ainda insistia em descer pelo seu rosto.
— Venha cá, - e Mirna fez Endy sentar-se ao seu lado na cama, depois de sair da janela, — não sofra desse jeito minha querida, tudo isso vai passar um dia, confiemos em Deus.
— Oh Mirna! Eu queria acreditar nisso, mas não posso. – Endy disse isso e calou-se sentindo a exaustão do momento e sabendo que de nada adiantava qualquer colocação sua, pois que Deus parecia mesmo não lhe ouvir. E pedindo a Mirna que fosse dormir, ela deitou e adormeceu.
A manhã começava. O dia nascia trazendo a beleza e o perfume das rosas que cobertas pelo orvalho exalavam aroma adocicado. Endy abriu os olhos. Sentia seu coração confrangido. Um medo avolumava em seu ser, como se algo gritasse dentro dela a infelicidade que a esperava naquele casamento arranjado pelo seu pai. Ela levantou-se e olhou pela janela, admirando a beleza do céu e das rosas que Mirna cuidava tão bem. Depois de algum tempo, seguiu para a sala onde eram servidas as refeições. Antônio já estava à mesa, com ar taciturno, como se alguém estivesse condenando de algum lugar invisível a sua conduta de pai insano. Apesar do horário matutino o homem já exalava o cheiro de vinho que Endy sentiu quando se aproximou, mas não disse nada.
— Bom dia meu pai, a sua benção.
— Bom dia. Sente que o café já estava a esfriar, Deus lhe abençoe.
E sem dizer mais nada eles comeram. Quando encerrou a refeição matinal, Antônio iniciou:
— Alexandre virá aqui hoje no desejo de lhe levar para a fazenda, onde você ficará um tempo. Mirna irá com você. Portanto trate de se portar de maneira correta, para que eu não tenha que lhe repreender por isso.
— Sim senhor meu pai. – Endy disse isso e pediu licença para arrumar sua mala com a ajuda de Mirna que já lhe esperava em seus aposentos.
E depois de tudo arrumado, Alexandre chegou. Cumprimentou Antônio que lhe serviu um cálice de licor. Uma hora depois Endy e Mirna seguiam na companhia de Alexandre e o motorista para a fazenda Solar Alvarenga.
O caminho ia sendo percorrido e a beleza que ia desfilando aos olhos de Endy não lhe chamava a atenção e ela seguia alheia a tudo. O voo dos pássaros livremente pelo céu lhe chamou a atenção e ela desejou a liberdade deles, sentindo cada vez mais ao lado na companhia de Alexandre a prisão que o destino havia escolhido para ela. E pensando nisso fechou os olhos, desejando não sentir inveja daqueles seres voadores e livres. A viagem para a fazenda chegou ao final, duas horas depois. Alexandre abriu a porta do automóvel estendendo a mão para Endy que agradeceu e desceu. Seu coração estava amargurado e ela buscava forças em seu ser ainda tão juvenil para não desabar em lágrimas diante aquele homem pelo qual ela nutria apenas desprezo.
A sala era ricamente decorada, demonstrando o bom gosto e a ostentação do proprietário. Endy observou rapidamente o espaço e foi recebida por uma mulher gorda e negra que sorria exibindo uma beleza ainda jovial.
— Seja bem vinda a essa casa sinhazinha, - falou a mulher sorrindo.
— Essa é Matilda, minha amada, - disse Alexandre abraçando a mulher que ainda sorria, sabendo que Alexandre desejava impressionar a noiva com aquele gesto.
— Obrigada senhora Matilda, - disse Endy sem muita emoção. E depois de alguns minutos seguiu com Mirna e Matilda para o quarto onde ficaria.
— Desejo que Mirna fique comigo, senhora Matilda, se não for abuso da minha parte, haverá de ter algum quarto disponível, não é verdade?
Matilda concordou com a cabeça e saiu deixando as duas mulheres, indicando que ao lado havia um quarto que Mirna poderia se acomodar tranquilamente.
— Posso ficar junto aos criados, Endy.
— Nunca! Ficará aqui comigo, o senhor Alexandre já está ciente disso. Vou me deitar um pouco Mirna, depois nós terminaremos de arrumar as roupas, pode ir adiantando os seus pertences.
Endy sentia seu corpo cansado e adormeceu, acordando na hora em que o almoço seria servido.
— Desculpa meu senhor, - falou Endy dirigindo-se a Alexandre que já lhe esperava na sala das refeições, — sentia-me cansada pela viagem e acabei adormecendo.
— Por favor, Endy, não me chame dessa maneira. Mas, não há motivo para que tenha que lhe desculpar, entendo perfeitamente o cansaço que se apossou de seu corpo. Agora venha, vamos tomar um licor para que esse nos abra o apetite. – e entregou a ela um cálice de licor de uva, tomando de uma vez só, após o brinde.
Um aroma delicioso impregnava o local. O estômago de Endy parecia sorrir quando Matilda começou a servir o lauto repasto, que exalava odor ainda mais forte quando disposto a mesa. E comeram calados. Endy não desejava entreter nenhuma intimidade com Alexandre. Terminada a refeição ela pediu licença e seguiu para o seu quarto, tendo o noivo seguido para o escritório onde intentava passar sob seus olhos alguns títulos de outros devedores.
— Maldito, - explodiu Endy ao fechar a porta sentindo seu corpo trêmulo, lançando-se sobre a cama e se entregando a um choro carregado de angústia e raiva.
Mirna adentrou o quarto e ao ver a menina se aproximou dela, alisou seus cabelos negros sem dizer nada, esperando que ela amenizasse aquele pranto.
— Sinto ódio de tudo isso. Cada vez que olho para Alexandre sinto que não vou conseguir e a vontade que tenho é de colocar um fim em tudo isso com a morte, que confesso, seria algo muito melhor...
— Não diga isso Endy. Você não sabe o que está falando. Olhe filha, a vida é muito mais sábia do que os nossos sentimentos de amor ou de ódio. E ela, a vida, é que nos conduz a consertar tantos equívocos cometidos num passado, hoje não recordado.
— Mirna, perdoe a minha ignorância em relação a tudo isso, mas não posso admitir que estejamos pagando coisas de um maldito passado que nem sequer nos lembramos. Como pode ser?
— Endy várias vezes nós conversamos sobre isso e mesmo que seja difícil de você entender, a vida não é somente isso que vivemos hoje. Viemos de outros tempos, de outras vidas, onde cometemos muitos enganos, assim como ainda cometemos nessa existência atual. O que justifica o seu desprezo por Alexandre? O que justifica a paixão que ele sente por você? Será que todos esses sentimentos vêm de agora?
Endy ficou calada. O que Mirna falava calava profundamente em seu coração, mesmo diante sua resistência. E depois de mais algum tempo de conversa, a jovem acalmou-se e disse:
— Prometo-lhe que vou pensar mais sobre isso, Mirna. Talvez isso venha lançar luz nessa situação que estou vivendo.
A mulher sorriu, acariciou os cabelos da jovem, mais uma vez e saiu do quarto indo até a cozinha no desejo de ajudar nos serviços.
A noite havia chegado. A lua no céu reinava majestosamente enquanto Endy caminhava calada ao lado de Alexandre que falava da sua alegria de tê-la ali com ele.
— Amanhã receberemos a visita de minha sobrinha, minha amada Endy, - disse ele a convidando para sentar num banco de mármore ali no grande e bem cuidado jardim, onde o cheiro das rosas impregnava todo o ar. — Ela irá morar aqui. Meu irmão mais velho faleceu e ela não tem mais ninguém na família.
Endy não disse nada. Tudo o que Alexandre falava ela apenas ouvia ou consentia com a cabeça, só falando quando ele dirigia alguma pergunta que lhe obrigasse a sair do mutismo. Depois de mais algum tempo ouvindo o homem que externava sua alegria, Endy alegou sono e ele a conduziu de volta a casa grande.
— Boa noite minha amada, - disse ele tomando a mão da noiva e beijando demoradamente.
A noite era fria e Endy envolveu seu corpo com um cobertor, sentindo o calor ir amenizando o frio que dominava seu corpo, mas o frio que inundava seu coração somente aumentava com a proximidade dos dias. E ela adormeceu depois de muito tempo imaginando como seria infeliz naquele casamento.
O dia não demorou a raiar. O sol ia despertando lentamente e trazendo um colorido mesclado, deixando todo o universo envolto numa beleza imensurável. E Endy abriu os olhos, a brisa fria adentrava a janela. As cortinas de seda japonesa balançavam embaladas pelo vento. A jovem levantou-se e ficou ali diante a janela. O verde da colina onde as árvores erguiam-se suntuosas ia enchendo de beleza os seus olhos, por mais que ela desejasse não ver. Depois voltou seu olhar para o jardim, onde botões de rosas, orvalhados iam se abrindo lentamente, ao lado de tantas rosas que já abertas exibiam suas pétalas molhadas pelo orvalho. Olhando para toda a beleza que a cercava, Endy percebeu quando o carro parou diante a casa grande e então lembrou que seu noivo havia falado da chegada da sua sobrinha. Esmerou-se na vestimenta e seguiu para a sala onde o café já começava a ser colocado na mesa, não queria causar má impressão a jovem.
— Bom dia! – disse Endy adentrando a cozinha onde estavam Mirna e Matilda conversando alegremente.
— Bom dia minha amada, você está belíssima! - falou Alexandre que chegava ali tomando a noiva pela mão, beijando-a e seguindo com ela para receber a sobrinha que adentrava a grande sala.
— Sua benção meu tio, - disse Núria sentindo seu coração acelerar de maneira desagradável ao adentrar a sala onde Alexandre a esperava ao lado da noiva. Ele abraçou a jovem e depois de abençoa-la, apresentou-lhe a noiva.
Naquele instante seus olhares se misturaram quando o encontro de suas mãos anunciou um prazer indizível e ambas sentiram um fremir suave em seus corpos. Um sorriso tímido bailou nos lábios de cada uma após o cumprimento foram soltando as mãos vagarosamente.
O café da manhã foi servido. Endy sentou-se de frente a Núria, enquanto Alexandre ocupava o lugar destaque na ponta da grande mesa. O olhar perscrutador de Núria dirigido a Endy era mantido como se ambas desejassem mergulhar no mais íntimo uma da outra em busca de conhecer os segredos que existiam. Terminado o desjejum Alexandre tomou a mão de Endy e a beijou com veneração, despedindo-se, seguindo para a vistoria da fazenda e em seguida para a cidade onde trataria de algumas pendências urgentes, dizendo que somente retornaria no dia seguinte. A jovem dissimulou o prazer sentido com a ausência anunciada e despediu-se apenas com um meneio de cabeça.
— Endy... – chamou Matilda, — você está em sua casa, o que precisar ou desejar comer ou fazer, por favor, dê suas ordens que estamos aqui para cumprir. E você também Núria, minha amada. – Núria sorriu abraçando a mulher que foi sua companhia por muitos anos.
— Eu senti imensas saudades de você, minha menina. – disse a negra escondendo uma lágrima que caiu.
Núria percebeu e acariciou o rosto da mulher, limpando a lágrima e beijando carinhosamente sua face. Depois seguiu para o jardim, onde sentou-se num banco no desejo de apreciar a beleza das rosas. Seus pensamentos divagavam, quando Endy se aproximou timidamente.
— Eu lhe incomodo se me sentar aqui ao seu lado?
— Pelo contrário, será um prazer. Gosto do cheiro das rosas, - falou Núria sorrindo e exibindo a beleza que era portadora, o que não passou despercebido pela a recém-chegada.
— Eu também gosto muito.
Núria direcionou seu olhar para Endy quando essa sentou e os seus olhos prenderam-se um no outro. O coração de ambas acelerou de maneira inexplicável e o silêncio as envolveu por alguns minutos, como se buscassem entender no escarninho de seus corações o significado de tudo aquilo.
— Quando será o casamento com o meu tio? – indagou Núria intentando sair do mistério daquele sentimento tão estranhamente agradável.
— Dentro de um mês, mas gostaria muito, se não lhe ofender, não falar sobre isso. Falemos da beleza das rosas ou de outra coisa... falar sobre esse casamento me traz imensas agruras.
— Eu peço desculpas, Endy.
— Não precisa, o tempo vai me ajudar. – e ensaiou um sorriso.
A conversa girou em torno dos estudos de Núria no colégio da capital e seus passeios a Portugal, quando seu pai era vivo.
— Sinto imensa falta do meu pai, - ela finalizou.
— Eu sinto da minha mãe, acho que se ela estivesse viva, meu pai não se atreveria a negociar com a minha vida.
O perfume de Núria invadiu o nariz de Endy que o respirou profundamente esquecida do aroma das rosas. A conversa fluía agradável e as duas esqueceram-se do tempo quando Mirna apareceu.
— Endy com licença, - pediu Mirna, — o almoço será servido dentro de alguns minutos. Endy olhou para Núria e sorriram, não haviam se dado conta do adiantado da hora.
— Minha nossa! Parece que perdemos a noção do tempo, Endy. Já estamos indo Mirna, - falou Núria sorrindo e a mulher se retirou.
— Conversar com você me fez muito bem, sinto meu coração mais leve, - disse Endy levantando e estendendo a mão para Núria que a segurou, — obrigada. Vamos que o cheiro do almoço está chegando aqui.
E as duas seguiram de mãos dadas como se algo as impelissem de soltar. Matilda tinha colocado uma música suave, sabia que Núria gostava e sorriu ao ver o brilho no olhar da menina quando ela adentrou a casa.
— Como gosto dessa melodia Matilda... Obrigada pelo mimo.
Um jarro de rosas brancas enfeitava a mesa e o perfume delas se misturava com a da comida. Endy sentou-se em frente à Núria e comeram em silêncio. Mas, os olhos imersos uns nos outros pareciam falar de coisas que elas ainda não compreendiam na razão.
O almoço terminou e Endy seguiu para seu quarto no intento de deitar e descansar um pouco, talvez não o corpo, mas a mente que estava como se fosse um caldeirão em ebulição, desejando entender o que seu coração sentia com a chegada daquela jovem tão desconhecida, mas tão estranhamente querida. Núria seguiu para a cozinha onde estava Matilda.
— Posso me sentar aqui, Matilda? – inquiriu a jovem à negra que terminava o seu almoço, e sentou após o balançar de cabeça da mulher.
— Como você está minha menina? Senti muita a sua falta.
— Estou lutando, Tilda, - falou Núria chamando a velha negra pelo apelido que chamava quando era criança, — estou lutando para ficar bem sem ele. – ela disse se referindo ao pai que morreu de maneira inesperada. — Sinto muita falta de papai, e ainda não consegui entender ou aceitar a sua partida tão repentina.
A negra ouvia sem dizer nada. Núria limpou uma lágrima que desceu pelo seu rosto e continuou:
— Não sei como será viver com tio Alexandre, Tilda, tenho medo dele e você sabe tudo o que penso...
— Não tenha medo, Núria, eu estarei por perto e tudo farei para lhe proteger, filha. E seu tio não um homem tão ruim assim...
— Oh Tilda! Minha amada o seu coração não vê maldade em ninguém e além de tudo você nutre carinho pelo meu tio e consegue ver nele, talvez o que mais ninguém vê. Mas, eu entendo e agradeço ter você comigo de novo e sei que seu amor me protegerá.
E calou. Matilda segurou a mão da menina e a levou para o quintal onde havia um imenso pé de jurema preta, sentou-se no chão pedindo a Núria que fizesse o mesmo. A negra de olhar sereno fechou os olhos, ergueu as mãos ao céu e sussurrando pediu a proteção de seres que ela tanto confiava. E rezou, tocando o corpo de Núria com a ponta dos dedos.
— Ouça filha, - a negra começou a falar com uma entonação diferente na voz, — tudo o que acontece em nossa vida, é com a permissão de Deus, para que possamos aprender a caminhar mais equilibrados. Não tema, pois que nada está fora do amparo de Deus e dos seres de luz que estão a serviço Dele. Muitas coisas, filha você irá viver, para depois então entender que nada e nem ninguém é capaz de interferir no que foi designado pelo Cordeiro.
E abriu os olhos. Depois sorriu e disse:
— Por que você não vai ver como está à moça Endy?
E Núria levantou e seguiu. Endy ouviu o batido levemente na porta e autorizou a entrada achando que fosse Mirna.
— Oh entre, achei que fosse Mirna!
— Eu atrapalho?!
— Não, por favor, venha, entre.
Núria sorriu e adentrou o quarto da noiva de seu tio, sentindo seu coração acelerado diante o olhar que Endy lhe endereçava.
— Podíamos aproveitar para dar uma volta a cavalo quando o sol baixar um pouco mais, o que você acha?
— Eu acho uma ideia maravilhosa! – exclamou Endy sentando ao lado de Núria que se acomodava na cama depois de seu convite.
— Gostaria que ele, seu tio, viajasse sempre, por muitos dias seguidos... Oh! Por favor, me desculpe.
— Endy, por favor, não se preocupe com pedidos de desculpas desnecessários ao que se refere ao meu tio. Confesso que comungo do mesmo desejo seu.
O olhar de Endy estava preso ao de Núria. As palavras morreram nos lábios e sua mão tocou suavemente a de Endy que sentiu seu corpo estremecer num prazer incompreendido.
— Eu agradeço. Sei que ele é seu tio...
— Sim. Porque é irmão sanguíneo do meu pai, mas não porque temos uma ligação de amor ou algo parecido.
— Seu tio não tinha muito contato com o seu pai, Núria?
— Meu tio sempre foi muito distante. O meu avô morreu e então deixou a maior parte de seus pertences para o meu pai. Isso irritou muito o meu tio que passou a evitar ainda mais o contato com o irmão. Então depois de algum tempo e misteriosamente ele passou a buscar o meu pai, que depois nos disse que ele estava em apuros financeiros. Meu pai sempre nutriu muito amor pelo meu tio, mas parece que a recíproca não era verdadeira, pelo menos era o que a minha mãe dizia. Mas, Endy, falemos de coisas mais amenas, com o tempo eu lhe contarei mais.
— Está bem. Quero que saiba que me sinto feliz em saber que viverá aqui conosco, - disse Endy olhando para Núria que sorriu e agradeceu.
Núria pediu que fossem selados dois cavalos e Miguel o fez com largo sorriso. A tarde já caía. O sol ia vagarosamente se despedindo do universo, adentrando lentamente a colina ao norte. Os raios coloridos iam deitando sobre a planície e o quadro era apreciado por Núria e Endy que cavalgavam devagar uma ao lado da outra. O barulho da cachoeira atingiu os ouvidos de ambas e elas apearam.
— Sente-se aqui, venha. – Núria disse sentando-se embaixo de uma grande árvore. — Vamos apreciar o pôr do sol.
Endy sorriu e sentou-se ao lado de Núria que segurou sua mão ajudando-a com delicadeza. O barulho da água caindo pelas pedras ao som do canto dos pássaros ia invadindo a audição de ambas e elas se permitiram a ouvir inebriadas pelos sentimentos que lhes tomava de conta.
— Sua presença me traz intensa alegria... – a voz de Núria encerrou o mutismo e ela sentiu seu corpo estremecer quando a mão de Endy pousou sobre a dela, invadindo seus ouvidos com sua fala carregada de emoção.
— Eu desejo que saiba que sinto isso também ao seu lado.
O sol ia deixando definitivamente o universo quando as duas retornaram para casa.
— Já estávamos preocupadas, - falou Mirna quando as viu chegar.
— Não se preocupe Mirna, eu conheço os caminhos por onde fomos, - disse Núria abraçando a mulher que se emocionou com aquele gesto. E depois seguiu pela escada que levava ao seu quarto ao lado de Endy, despediu-se e adentrou seu aposento. O banho demorado ia trazendo de volta ao corpo de Núria o sossego que havia perdido no passeio e ela sorriu ao lembrar-se do prazer que sentiu ao lado da mulher que seu tio havia negociado para sua esposa. Ao pensar isso ela sentiu seu ser rebuliça num sentimento de ira por ele e mudou seu pensamento, recordando Matilda que dizia ser o ódio um sentimento nefando e que ele atraia coisas ruins.
O jantar foi servido. O sabor do alimento era apreciado por Endy e Núria que comiam silenciosas, imersas uma no olhar da outra, falando através desse gesto o sentimento que ia lhes invadindo os seres. Terminada a refeição Núria tomou a mão de Endy e disse:
— Vamos apreciar o sabor de um licor? Mas, não aqui dentro, venha comigo. – ela disse pegando uma garrafa de licor e dois cálices e seguiu para o jardim. — Sentemos aqui, - o banco de mármore ficava embaixo de uma grande aroeira preta, árvore nativa do local.
O céu estava iluminado por diversas estrelas que ajudavam a lua prateada e embelezar o espaço celestial e toda a Terra como se fosse um manto de luz. Núria serviu o licor e entregou um para Endy que recebeu sorrindo, sentindo seu coração acelerado e seu corpo carregado por estremecimento suave.
— Um brinde minha amada, - disse Núria erguendo a pequena taça seguida por Endy e sorveram devagar o líquido doce e suave. — Um brinde ao amor que nos une...
— Sim Núria... ao amor que nos une.
Depois de sorverem o licor, Núria tomou a mão de Endy e acariciou, fazendo a moça sentir ainda mais forte o tremor que rebuliçava seu corpo. Depois acariciou seu rosto e ela sorriu.
— Eu me sinto feliz ao seu lado. – Endy disse pousando sua mão sobre a de Núria que corria levemente o seu rosto.
Depois de mais algum tempo as duas adentraram a casa e seguiram para seus aposentos, buscando o sono que demorou a chegar.
Os dias passaram. A ausência que Alexandre deixava na casa era motivo de alegria para Núria e Endy que buscavam estarem cada vez mais perto uma da outra.
O dia amanheceu carregado de uma tristeza e Núria lamentava a partida de Endy que seguia de volta a casa de seu pai, onde aguardaria mais uma semana para o seu casamento. Endy adentrou a casa de seu genitor sentindo seu coração já macerado pela saudade de Núria que ao despedir-se disse-lhe baixinho ao ouvido.
— Sentirei imensas saudades...
E Endy sorria ao recordar a fala da mulher que tinha carregado seu corpo de um arrepio intenso quando sua voz soou em seu ouvido. “Como isso pode ser possível meu Deus? Eu estou desesperadamente apaixonada por Núria e quiçá esteja enganada, mas sinto que ela também nutre algo por mim. Será essa é a escolha do meu destino, casar-me com Alexandre e amar perdidamente a sua sobrinha?”- pensava Endy sentindo intensa contradição em seus sentimentos que temia e ansiava pelo dia de voltar aquela casa.
Uma semana havia passado e Endy retornava a fazenda Solar Alvarenga onde seria realizado o seu casamento, ato que lhe trazia imensa tristeza, mas seria onde também viveria com Núria e isso lhe fazia o coração acelerar de alegria.
A noite estava carregada de estrelas num céu azul, onde nuvens bailavam de um lado para outro. A festa era suntuosa e Alexandre desfilava com ela que a conselho de seu pai sorria, disfarçando toda a ira que ia a seu coração. Núria observava a cena sentindo imensa compaixão pela esposa do tio, por quem nutria um sentimento ainda não compreendido. “Meu Deus o que eu sinto por Endy é amor, um amor que me enche de alegria e medo, porque que sei que estamos fadadas ao sofrimento.”- afirmou Núria dispensando seus pensamentos e indo cumprimentar os noivos.
O abraço com Endy, a junção dos corpos, o batido dos corações tão perto, pareceu levar as duas a ouvir a voz de sentimentos ainda calados.
Um mês distante do sorriso de Núria era o bastante para fazer Endy sentir que a vida não tinha mais beleza e que o sol em Portugal não brilhava como na fazenda Solar Alvarenga e os dias ao lado de Alexandre eram para um grande padecimento. A noite era fria e Alexandre tomou a esposa em seus braços e a cobriu de beijos, fazendo todo o ser da bela Endy rebuliçar num ódio quase mortal. Sentir aquele homem tomando conta de seu corpo e depois o vir virar para o lado e dormir feliz, arrancou lágrimas sentidas daqueles olhos grandes e negros e ela recorreu à imagem de Núria, tentando amenizar a dor que sentia.
O sol lá fora aquecia os pingos do orvalho que iam adentrando a textura das rosas, quando Endy desceu do carro sendo auxiliada pela mão de Alexandre. O cheiro dos lírios adentrou o seu nariz e ela respirou profundamente agradecendo por está de volta a casa onde estava Núria, que ouvindo o barulho do carro desceu a escada que ligava seu quarto ao restante da casa. A visão de Endy caminhando lentamente ao lado de Alexandre, enchia o coração de Núria de sentimentos ambivalentes e ela esperou na sala a chegada dos nubentes.
— Sua benção meu tio...
Alexandre abençoou a sobrinha, beijou os lábios de Endy e seguiu em direção ao quarto, depois retornou a sala e despediu-se de Endy dizendo:
— Eu precisarei me ausentar, minha amada, eu tenho negócios a resolver, retornarei dentro de duas semanas. A notícia encheu de alegria o coração de ambas que após a saída dele se abraçaram demoradamente, quando Núria sussurrou ao ouvido de sua amada.
— Como me sinto feliz com a sua volta. Venha vamos ao seu quarto, ajudo-lhe arrumar as malas. Como foi minha querida? – indagou Núria quando Endy adentrava o seu quarto no desejo de falarem mais intimamente. Sem conter a emoção e a saudade que parecia arrebentar o peito, Endy irrompeu em um choro convulsivo. Núria a abraçou e acariciava seus cabelos enquanto Endy buscava controlar sua emoção. Depois de alguns minutos a jovem limpou os olhos com um lenço de seda e disse:
— Nunca vivi nada pior na minha vida, Núria. Foram dias de sofrimento intenso para mim, cada vez que seu tio me tocava, eu confesso, pedia a morte, com certeza seria menos sofrido. Mas, isso já passou e o que meu coração mais ansiava era pelo retorno, para estar ao seu lado... senti muita saudade de você... e de todos.
— Eu sofri a sua ausência, senti muito a sua falta também e que alegria você está de volta.
Os olhos estavam presos. Os corações acelerados. Os lábios próximos demais como se implorassem um beijo. O perfume delas se misturava. Núria se aproximou mais. Endy levou sua mão ao rosto da mulher que tinha a respiração ofegante e acariciou suavemente, contornando vagarosamente seus lábios e ela sorriu.
— Endy... eu preciso...
Nesse instante o toque de Mirna na porta tirou as duas do devaneio e Endy se afastou, consentindo com a entrada.
— Perdoe-me Endy, eu vim lhe ajudar desfazer as malas, mas posso voltar depois.
— Oh não Mirna, por favor, entre, - disse Núria sorrindo e saindo do torpor que estava. Depois despediu-se de Endy e seguiu para a cozinha.
A noite caía. O silêncio ia imperando na casa grande. E Endy olhava a lua que suntuosamente reinava no céu, pela janela de seu quarto, sentindo serenidade com a ausência de Alexandre que viajava dando a ela alegria com esse fato. O amor que sentia por Núria aumentava cada dia mais em seu coração e ela buscava lidar com tudo aquilo, buscando honrar o juramento que tinha proferido no altar. Seu olhar direcionado ao céu ela pensava em como era difícil não ceder ao desejo que sentia em seu corpo. Como era cada dia mais motivo de sofrimento saber que tinha conhecido o amor, mas que não podia usufruir desse sentimento avassalador que tomava cada dia mais conta de seu ser.
— Entre, por favor, - falou Endy abrindo a porta de seu quarto, sentindo seu coração acelerar diante a imagem de Núria.
— Não vai jantar? Está se sentindo mal? – indagou Núria seguindo Endy até a cama, sentando-se ao seu lado e limpando em seu rosto uma lágrima que caía. — Por que chora? Eu sofro lhe vendo assim...
— Sua presença é o que me faz feliz nessa casa, nada mais... não consigo mais Núria...
Núria sentiu seu ser estremecer quando Endy tocou suavemente seu rosto, ainda com lágrimas no olhar. Seu perfume tomou conta do seu nariz e ela respirou profundamente como se pedisse a algum ser que a ajudasse ser forte diante aquele aroma.
O olhar celeste de Núria envolvia todo o ser de sua amada quando seus lábios ficaram mais perto. O hálito quente e perfumado de Endy que tinha os lábios entreabertos foi tomado conta do sentido da outra mulher que se aproximou ainda mais. A respiração de ambas era ofegante. O corpo de Endy parecia convulsionar num desejo estranho e ela tomou entre as duas mãos a face de Núria e beijou levemente os seus lábios, carregada de medo e cupidez.
— Nunca amei ninguém assim, como amo você Endy... – sussurrou Núria ainda sentindo o calor dos lábios da mulher amada.
— E eu sinto o mesmo, nunca amei. Amo você Núria... e sinto desejo... vontade de lhe tocar...
A união dos lábios se fez novamente e elas se entregaram ao beijo carregado de desejo e livre de culpa.
Endy levantou-se. Olhando para Núria abriu os botões do seu vestido, deixando na penumbra do abajur a beleza de sua nudez. Núria sentiu o ar lhe faltar diante a imagem do corpo nu de Endy, que voltou a se sentar. Os seios firmes e fartos ali diante o seu olhar, fez seu corpo estremecer quando acariciou um deles com a ponta dos dedos. Endy se arrepiou com o toque. Núria percebeu o arrepio do corpo da mulher e correu lentamente a língua e cada um deles, sentindo o corpo vibrar num prazer nunca experimentado. Endy ajudou Núria a despir-se e extasiada diante tamanha beleza, tocou os seios da mulher que emitia gemid*s abafados. O desejo ia aumentando e elas se tocavam, explorando em cada parte de seus corpos, o deleite nunca imaginado. E se amaram libertas das correntes do medo e do pecado.
— Nunca senti nada igual. Preciso de você... – sussurrou Endy.
E as duas adormeceram abraçadas.
O dia amanhecia. O galo cantava disputando com a orquestra sinfônica que entoavam os pássaros. Endy ouvia tudo. Abriu os olhos, quando Núria adentrava o quarto trazendo uma bandeja com café e tantas guloseimas.
— Núria... nunca senti nada parecido com o que vivi ontem nos seus braços, - disse ela beijando os lábios da mulher que serviu o café para ambas. — Precisamos tomar cuidado com isso, minha amada, eu tenho muito medo do seu tio, não sei do que ele é capaz...
— Tomaremos sim, muito cuidado. Agora vamos comer que estou carregada de apetite, - e riram.
A casa grande parecia saber o amor que unia as duas mulheres que discretamente viviam aquele sentimento, protegidas pelo carinho e confiança de Mirna e Matilda.
— Como você dormiu essa noite, Núria? – indagou Endy quando adentrou o quarto dela, aproveitando que Alexandre havia seguido para a sala de refeições.
— Dormi bem. – mentiu a jovem que havia adormecido tarde da noite sentindo a tristeza tomar conta de seu coração, pois Endy estava nos braços de Alexandre que retornava de viagem.
As duas seguiram para a sala onde Matilda servia o café. Alexandre tomou o rosto de Endy entre suas mãos e beijou-lhe os seus lábios. O corpo da mulher estremeceu de maneira dolorosa, mas ela sorriu, sabia que não convinha contrariar o esposo em seus arroubos de paixão.
— Eu preciso ir minha amada, o campo não pode ficar sem os meus olhos...
— Queria a vossa permissão meu tio, para cavalgar um pouco na companhia de Endy. – vendo o tio se despedir da esposa.
— Claro minha querida, quando desejar cavalgar ao lado da minha esposa, não precisa da minha permissão. O meu maior desejo é que vocês continuem sendo amigas.
A jovem exibiu meio sorriso e não disse mais nada.
O sol ia deitando sobre toda a pastagem da grande fazenda e reluzia entre as árvores. Os pássaros faziam festa, agradecidos pela beleza que descortinava aos seus olhos. Núria olhava a tudo sentindo prazer na companhia de Endy, apesar da tristeza e da solidão que acometiam seu coração ao imaginar que nunca seriam livres para viver aquele amor.
— Vamos descansar um pouco? – Endy apeou ajudando Núria a desmontar.
— Tome um pouco de água... – Endy entregou o cantil que tinha nas mãos para Núria que sorveu lentamente a água.
— Obrigada. Sente-se um pouco, aqui. – pediu Núria apontando para o espaço livre que havia ao seu lado, quando sentou na sombra da grande árvore. — Sinto saudades de nossas intimidades, você não?
— Nunca duvide disso, Núria, por favor. Sabe que amo você e que daria tudo nessa vida para que fossemos livres e que Alexandre não estivesse entre nós...
— Sim, eu sei meu amor. Perdoe-me, é que sempre me sinto imensamente saudosa dos teus carinhos.
— Alexandre viaja de amanhã para depois, ele me disse. Ele ficará alguns dias fora, então poderemos nos amar todas as noites... – e uniram os lábios num beijo caloroso de paixão.
A noite chegou. O toque de Alexandre no corpo de Endy fez a jovem estremecer de um sentimento imensamente desagradável e ela fechou os olhos. O gemid* de prazer do homem a fez sentir náuseas. E ela rezou intimamente pedindo a Deus que lhe concedesse misericórdia. E após o término daquele ato que Endy considerava sua penitencia, ela adormeceu.
— Quem é você? – indagou assustada Endy quando se viu fora do corpo como se aquilo fosse uma magia feita por aquela mulher bonita e estranha que surgiu de repente.
A mulher sorriu. Seus olhos negros e grandes exalavam uma luz que adentrava os de Endy, fazendo a jovem sentir bem estar indizível. E estendendo a mão que Endy segurou ela seguiu como se usasse mágica.
— Sente-se Endy. – falou a mulher apontando para um banco ali no grande jardim aonde chegavam. — Tome esse líquido, - falou a pomba gira pegando um copo que trazia uma moça sorridente.
O líquido amarelo e de sabor desconhecido trouxe prazer a jovem que o sorvia lentamente. E quando terminou, indagou:
— De quê é feito esse líquido? Tem um sabor diferente. Que lugar é esse e quem é você?
— Do fruto da alegria, - e ela riu das diversas perguntas feitas pela jovem que tão bem conhecia.
— Esse lugar é a CASA DO PASSADO, uma colônia espiritual que recebe seres encarnados quando adormecidos no corpo, para maiores aprendizados. E eu sou Maria Mulambo, uma falangeira das pombas giras, a serviço do Cordeiro. E estou aqui no desejo de lhe ajudar.
— Uma pomba gira? Não acreditava na existência de vocês, para mim tudo isso era invenção de alguns negros, embora Mirna sempre me assegurasse à veracidade. Mas porque vim para cá?
— Para receber carinho, para tomar o suco da alegria. Para sentir o amor de Deus por você.
— Sou grata. Mas não acho que isso vai mudar a minha situação quando adentrar novamente ao corpo. Que alegria pode ter a vida de uma mulher que é violentada? Uma mulher que casou-se por imposição de um pai irascível e que é obrigada a ceder seu corpo a um homem que ela não ama? A um homem que o único sentimento que carrega por ele no coração, é o desprezo? Não vejo em que essa vinda até aqui possa me ajudar, senhora Maria Mulambo. E que amor Deus sente por mim, quando consente tudo isso?
A pomba gira não disse nada. Levantou-se do banco que estava sentada, colheu algumas rosas e entregou para Endy, que sentiu forte emoção com aquele presente tão singelo.
— Ouça com atenção Endy, a vida vai muito além do que a visão dos nossos olhos carnais é capaz de enxergar. O livro da vida é composto por muitos capítulos, mas a nossa incapacidade de entendimento não nos possibilita perceber.
— Não consigo compreender, será que pode ser mais clara?
— Hoje a sua vinda foi permitida, para que você possa usufruir de toda essa beleza. Então... permita-se olhar para o jardim, sentir a textura das rosas, a beleza da lua. Ouça o barulho da cachoeira que chega até os nossos ouvidos, como se fosse música. Ouça o canto dos pássaros e abasteça-se de amor. Nem sempre, minha querida, o que nos parece ser sofrimento, é. Aproveite esse momento que foi tão carinhosamente preparado para você. Receba esse mimo, - disse a pomba gira entregando para ela as rosas que havia colhido.
Endy não perguntou mais nada. Levantou-se do banco que estava, quando a jovem e bela pomba gira saiu, olhando tudo ao redor. Caminhou pelo jardim. O cantar dos pássaros era a mais bela sinfonia que seus ouvidos já haviam escutado e isso ia lhe enchendo aos poucos de serenidade. O perfume das rosas chegava ao seu nariz, proporcionando-lhe sensações tranquilizantes. E a lua dourada ia envolvendo todo o espaço da colônia numa cor de beleza inenarrável e dando-lhe uma sensação maravilhosa de paz, até então nunca conhecida.
Endy abriu os olhos. Cada vez que recordava o seu passado, percebia que o amor que sentia por Núria ainda existia em seu coração. O cheiro das rosas, com aquela reminiscência do passado, parecia ter adentrando seu nariz e ela evitou que mais uma lágrima molhasse seu rosto. Ela levantou-se da poltrona e seguiu para o seu quarto em busca do sono e quem sabe encontrar com a mulher amada, em algum lugar no paraíso dos mortos.
O dia amanhecia. Endy levantou-se agradecendo intimamente a Deus por mais um dia de vida. Fez o café. Colocou leite numa xícara, juntou o café e sorveu lentamente. Cortou um pedaço do bolo de queijo e comeu. Seguiu para a escola onde Amália também acabava de chegar.
— Que olheiras são essas? – Perguntou Amália notando a noite de sono mal dormida que Endy havia tido.
— Conjecturas, minha cara. Apenas conjecturas. Venha, vamos entrar.
E as duas seguiram para o interior da pequena escola, abraçadas no desejo de mais um dia de aprendizado.
Fim do capítulo
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olivia
Em: 04/10/2018
Ai , adorei o segundo,fecha uma porta e abre duas. O amor chegou abrandando os coraçoes ,sempre tem a mão do misterio !! Bjs vou ler um por dia !!!
Resposta do autor:
Bom dia Olivia! A vida é mesmo assim, não é? Sempre tem mesmo a mão de um mistério que nos rege. Continue lendo e deixando seu comentário que muito me alegra! Gratidão pelo carinho. Bjs.
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