CapÃtulo único
MEU BEM, MEU MAL
Você é meu caminho
Meu vinho, meu vício
Desde o início estava você
- Duas pedras... E trás cigarro!
O homem a olhou com cara de poucos amigos enquanto servia o uísque barato e adicionava as pedras de gelo irregulares no copo. Talvez fosse o aspecto desleixado dela, sua cabeça raspada ou... Ele fosse mal-humorado mesmo.
Meu bálsamo benigno
Meu signo, meu guru
Porto seguro onde eu vou ter
- Puta que pariu...
O homem, que estava de costas limpando uma garrafa, voltou-se ao ouvi-la.
- Falou comigo? - quase berrou, mas cortou o tom pelo meio quando viu grossas lágrimas caindo de uns olhos verdes água, tão parecidos com os de um bebê.
- Nada não... - o líquido sumiu rápido do copo e um cigarro aceso surgiu nos lábios ressequidos. - É a música...
Como explicaria àquele homem tosco o que sentia? Que estava se sentindo mal por um bem que perdera ou que nunca tivera?
- Falar ajuda.
Foi mais um rosnado que uma resposta. Ele permanecia de costas interessado em um rótulo qualquer.
Não se lembrava de falar sobre isso com alguém que não consigo. Mas a próxima estrofe da música não lhe deixou alternativa.
Meu mar e minha mãe
Meu medo e meu champanhe
Visão do espaço sideral
Só ouviu o som da bebida caindo em seu copo, pois a cabeça estava baixa e os olhos se fecharam em busca de imagens e enredos que pudessem formar a história que queria, ou devia, contar a ele. A mão trêmula que segurava a pequena haste fumarenta agarrou o copo com avidez. A mesma que teve quando amou pela primeira vez.
O calor que o álcool proporcionava impulsionou suas cordas vocais e, finalmente, conseguiu pronunciar as primeiras palavras.
- Céu e inferno... Exatamente nesta ordem.
O homem continuava sisudo e agora ajeitava uns copos em uma bandeja de metal provocando um barulho que lhe parecia irritante demais, contudo era apenas um detalhe de sua personalidade: as coisas, de repente, lhe irritavam demais. Foi assim com ela, seu bem e seu mal. Onde havia um jardim imenso e florido, passou a dar mais valor às abelhas e seus ferrões inconvenientes, aos espinhos e a alergia ao pólen. Tudo começou a deslocá-la, a lhe sufocar e a lhe desorientar. Era um relato que, antes, pensou ser uma lamúria, um mi-mi-mi autodefensor. Mas não. O homem, ela não sabia, se lhe prestava atenção ou apenas ouvia para passar o tempo, porque notou que ele, agora, tirava as garrafas do lugar e as colocava em uma ordem que só ele sabia.
E foi contando de como amou loucamente, de como se entregou e lutou para não sucumbir a si mesma. Neste ínterim, foi percebendo que, naquela história, o mi-mi-mi mudava de lado e começou a ter pena de seu grande amor. Começou a perceber que fora ela que construíra tudo, que cuidava de tudo, que, se alguma abelha escapou e lhe feriu, se algum espinho se fincou em sua pele, se os espirros foram provocados e o estresse reprimido, tudo isso, que aconteceu, não promovia culpados.
- Ela me deixou.
Finalizou bebendo mais uma dose e acendendo mais um cigarro.
- Eu também deixaria alguém que tem uma paixão mal resolvida com o próprio umbigo.
O primeiro momento foi de raiva e ela ensaiou uma resposta que, na verdade, não tinha. Depois, como já vinha notando, não era ela a mártir e apenas calou e apreciou a fumaça que saía do cigarro.
- Dizem que há males que vem para o bem, mas há males que trazem males piores ainda. Não há bem sem o mal e nem há tanto mal que não sucumba a um bem. Retome. Transforme. Inverta. Reconstrua. Se não der certo, apenas ame, sem desculpas, sem culpa, sem medo e vá em frente.
O homem voltou a dar atenção ao seu trabalho.
Onde o que eu sou se afoga
Meu fumo e minha ioga
Você é minha droga
Paixão e carnaval
A música continuava e, era notório, que havia sido repetida tantas vezes que lhe instigou a curiosidade. Foi quando percebeu o bar vazio e, lá no fundo, em uma mesa escondida pelo escuro, a luz de uma brasa surgir e o vapor se esvair dos lábios, levando o cheiro de cereja até si. Viu o corpo se erguer e caminhar na sua direção, tomar-lhe as mãos e tirá-la para dançar. Era a primeira vez.
Em uníssono falaram o último verso, constatando suas situações:
Meu zen, meu bem, meu mal
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Cristiane Schwinden
Em: 11/09/2018
Olha, quando envolve música no conto já me ganha logo de cara, mas o texto todo me ganhou, muito bom!
[Faça o login para poder comentar]
EdyTavares
Em: 21/08/2018
kkkkkkkk.... muito joia!!! Parece que é assim um amor... rssss... somente conjecturas...
Parabéns!
[Faça o login para poder comentar]
Rose SaintClair
Em: 21/08/2018
Poooo o cara é o Mestre dos Magos? hehehhe
a menina querndo afogar as mágoas e o cara vem do nada e se mete
Gostei bastante <3
bejs
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]