Boa noite a tod@s. Espero que os festejos juninos tenham sido muito bons.
Para fechar esse final de semana, aqui está mais um capítulo para vocês. Gostaria de, como sempre, agradecer ao carinho de vocês com a minha estória e também já quero pedir perdão de antemão!
Uma ótima leitura e semana!
Capítulo 51 O Início do Fim
Toda a cena não durou mais do que dez segundos e foi justamente essa velocidade que deixou todos os presentes ali completamente desnorteados. O som abafado dos tiros ainda ecoava entre os edifícios e tão logo aquele misterioso veículo sumiu dobrando uma esquina, os gritos de pavor tiveram início.
Aos tropeços, Sophie, Amélia, Marc e René desceram os degraus desesperados sob os gemid*s grotescos de quem agonizava no chão.
- COSIMA! – Amélia gritou pela amiga que havia permanecido imóvel no topo da escada como se estivesse em choque. Do alto dos degraus ela baixou os olhos e alcançou os de Louis que já estavam marejados de lágrimas.
O som estridente de freios queimando o asfalto assustou todos. E de um outro carro preto, uma mulher desceu com o veículo ainda em movimento, pois o mesmo continuou em alta velocidade seguindo pelo mesmo caminho que o primeiro. Ela apenas olhou o corpo caído com o canto dos olhos, seu objetivo era outro. Com passos largos, vencendo mais de dois degraus por vez, chegou até onde queria.
- Srta. Niehaus! Estás bem? – A mulher negra de nome Amanda segurava os braços de Cosima que ainda possuía o olhar perdido e só voltou a focar após uma chacoalhada da sua segurança.
- Sim... Eu acho que sim! – Respondeu com um filete de voz tremida. – E... O Louis? – Referiu-se ao amigo que gemia cada vez mais baixo e tinha os demais Semideuses ao redor dele. Cosima desceu as escadas titubeante tendo Amanda ao seu lado e com ambos os braços procurando protege-la de qualquer possível nova ameaça.
Ao longe, o assobio de sirenes, indicava que viaturas estavam a caminho. Tratava-se de um veículo da segurança do Campus, seguido por uma ambulância. Logo vários curiosos se amontoavam nos arredores, estarrecidos com o absurdo que acabara de acontecer ali.
- Louis! – Cosima ajoelhou-se ao lado esquerdo dele, próxima a sua cabeça e se inclinou sobre ele, que se esforçava para dizer algo.
- Des... Desculpe... Cos... – Falava em meio a tosse que vinha carregada de sangue. Os olhos esbugalhados demonstrando o pavor que o rapaz estava experimentando.
- Calma Louis. Você vai ficar bem! – Ele desvencilhou a mão que René segurava e a esticou para tocar o rosto da amiga, sujando-a com seu sangue. Cosima a tomou nas suas e a apertou, tentando passar algum tipo de tranquilidade para ele.
- Eu... Estou com medo Cos... – A tosse rouca, seguida de cusparadas de sangue, indicava que ele não estava nada bem. Ele se contorcia sob os olhares apavorados dos amigos que precisaram ser afastados pelos seguranças da universidade pra que os paramédicos pudessem se aproximar e prestar os primeiros-socorros.
Durante todo esse processo, Louis não largou a mão de Cosima, que foi acompanhando a maca até perto da ambulância.
- Ve... Vem comigo... Cos! – Ele suplicou e ela olhou para Amanda, como se pedindo permissão. A mulher pareceu relutar um pouco e olhou para os demais.
- Você vem conosco! – Marc se adiantou informando que Amanha iria com os demais para o hospital. Cosima então aceitou e subiu na ambulância, sentando-se de forma a dar espaço para que o socorrista pudesse trabalhar.
Os Semideuses se dividiram nos carros de René e Sophie juntamente com Amanda logo que souberam para qual hospital seu amigo seria levado. No caminho, Amanda recebeu a ligação de sua parceira informando que havia perdido de vista o carro que perseguia. Ela informou para onde estavam indo e, poucos instantes depois, o outro carro emparelhou com o deles que seguia com dificuldade a veloz ambulância.
- Não os perca de vista! – Amanda ordenou para um desesperado René.
A ambulância chegou rapidamente ao Assistance – Hôpitaux de Paris e subiu a rampa de emergência onde vários médicos já estavam a postos. Assim que a porta se abriu o paramédico foi repassando o quadro do rapaz que oscilava sua consciência, mas não largava a mão de Cosima.
Invadiram com tudo os corredores do hospital e assim que atingiram uma porta do centro cirúrgico, Cosima foi informada que não poderia seguir adiante. Então baixou-se próxima ao ouvido do amigo desacordado e sussurrou.
- Eu estarei aqui para você meu amigo! Fique vivo! – E esticou a mão enquanto pode segurar a do amigo. Assim que a porta se fechou, todos os demais irromperam afobados.
- Cadê o Louis? – Amélia falou mais alto do que deveria ser esperado para aquele ambiente. Cosima olhou para amiga, mas pareceu que não a estava enxergando, pois ainda estava com sua mente em total confusão devido ao que acabara de acontecer. Tentaram matar Louis! – Cosima!? – A mulher insistiu mais incisivamente, trazendo a amiga de volta.
- Ele entrou em cirurgia... Eu acho. – Ela caminhava como se não tivesse rumo, tendo lágrimas escorrendo por sob as lentes dos óculos.
- O que porr* foi isso que aconteceu? – René explodiu e recebeu uma repreensão da atendente do balcão da ala de emergência. Todos olharam para Cosima, que tinha duas mulheres estranhas ao seu lado que insistiam em questionar se ela estava bem.
- Eu... Não sei... – Levou ambas as mãos a testa, finalmente permitindo que seu corpo liberasse um pouco da tensão que estava sentindo.
- Com licença! – Amanda chamou a atenção de todos. – Imagino que seja um momento muito complicado para todos, mas eu gostaria de saber o que vocês viram. Cada detalhe é importante.
- E quem você pensa que é? – Marc estufou o peito e encarou a mulher que não esboçou reação alguma diante da afronta do rapaz.
- Calma Marc! – Cosima lhe tocou o braço. - A Amanda está aqui para ajudar, assim como a Britta. Elas... – Alternou o olhar entre as duas mulheres que não saiam de seu lado. – São minhas seguranças. – Baixou levemente a cabeça, mas pode ver as expressões de surpresa em todos os amigos.
- Mas porque diabos você precisaria de segurança? – Sophie a questionou com as mãos na cintura.
- COSIMA! – Uma voz feminina com denotada surpresa atraiu a atenção para si. Era Genevieve que vinha as pressas, seguida de dois outros médicos. – O que você está fazendo aqui novamente? Você está bem? – Alarmou-se ainda mais quando viu que ela estava com as mãos e parte das roupas completamente ensanguentadas.
- Sra. Cormier... Eu estou bem – Respondeu enquanto era praticamente examinada por ela. – O sangue não é meu. – Genevieve a encarou e depois virou-se para as duas mulheres, que não precisaram de pergunta alguma, bastou o olhar de sua antiga Mestra.
- Sra. Cormier, o amigo dela foi baleado no estacionamento da Universidade e está lá dentro para uma cirurgia.
- O rapaz baleado é seu amigo? – Ela indicou o tablet que trazia as primeiras impressões sobre o caso de urgência para o qual ela havia sido chamada.
- A Sra é quem vai operá-lo? – Cosima questionou esperançosa, mas essa sensação foi esmaecendo quando viu o semblante preocupado de Genevieve enquanto ela passava as imagens em seu aparelho. – O que foi? – Desesperou-se.
- Não vou lhe enganar Cosima, o caso dele me parece muito grave, mas só poderei dizer mais após a cirurgia, contudo já posso adiantar que não será fácil, pelo contrário. Será uma cirurgia demorada. Mas agora preciso ir. – Afastou-se sem dizer mais nada e desapareceu pelo corredor de acesso a ala cirúrgica.
O silêncio imperou entre eles que se olharam apreensivos e foram procurando lugares para se sentarem, já que a previsão era de que a cirurgia iria demorar bastante.
Amanda e Britta quebraram o silêncio e foram discretamente ouvindo o que cada um dos Semideuses havia visto sobre a misteriosa SUV de onde partiram os disparos. Nenhum deles conseguiu lembrar de ter visto a placa do veículo e foram de pouca ajuda, embora ambas, assim como Cosima, sabiam quem havia mandado dar cabo da vida do rapaz.
As duas mulheres ficaram mais afastadas do grupo de amigos, mas não ousavam perder Cosima de vista.
Os cinco Semideuses estavam sentados numa antessala de espera bastante confortável e não conseguiam dizer nada, estavam ainda sob o efeito do choque do que parecia absurdo demais. Seu amigo, uma pessoa comum e que era uma pessoa incapaz de fazer mal a alguém, acabara de ser alvejado de balas. E por mais que quisessem, não podiam ser ingênuos e achar que foi um acidente ou que ele havia sido alvo dos tiros por engano. Ficou evidente que ele era o alvo dos homens que certamente deveriam estar seguindo o Louis e aproveitaram a situação de exposição do rapaz. Mas o que martelava na cabeça da maioria deles era o motivo.
O menos perdido em suas conjecturas era o Marc, que não parava de encarar Cosima com expressão séria. Ele sabia que o que aconteceu com seu amigo tinha relação direta com o estado em que ele estava nos últimos dias e que esse estado tinha a ver com Cosima e Delphine.
Ele a viu levantar-se e caminhar até o banheiro, tendo as duas mulheres seguindo atrás dela que gesticulou para ambas que estava tudo bem. Já na solidão do banheiro apoiou as mãos no balcão e encarou sua imagem no amplo espelho que compunha a sofisticada e neutra decoração daquele ambiente. Observou as manchas de sangue que acentuavam o tom vinho de sua blusa e focou em suas mãos que ainda traziam o sague seco grudado nelas. Abriu a torneira e começou a esfregar uma mão na outra. A medida que intensificava o atrito delas deixava as lágrimas caírem em enxurrada e logo seu choro não poderia ser mais contido, levando-a a soluçar e arriar sentada no chão, se recostando no armário.
Com as mãos ainda molhadas, tapou a boca para conter o barulho que o choro descontrolado poderia fazer. Estremecia a cada respiração dificultada pela obstrução da secreção que se acumulava em suas vias respiratórias. E esse choro não era apenas pelo que estava vivendo com seu amigo e sim por toda a confusão que lhe roubava a sanidade. E toda essa angústia era potencializada pela ausência dolorida de Delphine.
Com ela em mente, enfiou sua mão no bolso do casaco e alcançou seu celular. Novamente não havia mensagens ou ligações dela, levando-a a arriar os ombros enquanto procurava cessar as lágrimas. Decidiu então engolir o orgulho e assumir que precisava desesperadamente ouvir a voz de sua amada. Acessou o contato dela e o acionou. Para o seu azar, a ligação foi direto para a caixa postal e ela precisou se contentar com a rápida e fria gravação agradecendo a ligação. Ficou encarando o aparelho cujo nome dela estava aceso. Tentava imaginar o motivo desse súbito silêncio e não conseguia pensar em nada, apenas sentia-se culpada, embora não soubesse exatamente o por que.
- Cos? Está tudo bem? – Amélia foi atrás da amiga devido a sua demora e a encontrou naquele estado. – Não vamos nos desesperar... O Louis vai sair dessa. Vamos pensar positivo. – Ela disse ajoelhada diante dela.
Cosima ergueu os olhos e encarou a amiga tentando esbouçar um fraco sorriso, mas falhou, pois, esse logo se converteu numa reta fina e o tremor de seu queixo denunciava que ainda havia muitas lágrimas por vir. Amélia a abraçou e deixou que ela chorasse enquanto procurava apenas confortá-la.
Alguns minutos depois e um pouco mais controlada, Cosima forçou para se erguer e foi ajudada por Amélia.
- Nossa! Eu estou horrível. – Fitou sua maquiagem dos olhos borrada.
- Nada que não podemos ajeitar. – Amélia lhe estendeu uma toalha de pano umedecida que havia ali. Cosima agradeceu e limpou os resquícios do rímel que utilizou pela manhã e sacou de sua bolsa seu pequeno estojo de maquiagem e tentou recompor um pouco da sua dignidade. – Linda como sempre! – A morena forçou um pouco a barra, mas conseguiu arrancar um meio sorriso da amiga.
Quando retornaram para a companhia dos amigos, René e Sophie haviam trazido café para todos. Cosima pegou o copo do extraforte que lhe fora reservado e caminhou até Marc, que estava mais afastado do grupo, sentando no balcão de uma grande janela que emoldurava um belíssimo jardim.
- Aqui está! – Entendeu o copo de café descafeinado para ele. Sentou-se ao seu lado e os dois ficaram em silêncio por um tempo, apreciando suas bebidas quentes. O desconforto foi quebrado por Marc.
- Vai me dizer o que está acontecendo ou terei de descobrir sozinho? – Disse encarando a fumaça que saia de seu copo. Cosima nem o olhou e fitou algum ponto ao longe no corredor diante deles.
- Sabe o tema central de meu projeto de Pós-doc? – Ela iniciou e ele ficou surpreso com inicio daquela conversa, mas apenas concordou com um aceno de cabeça, optando por ficar quieto e ouvir antes de falar qualquer coisa. – A Ordem do Labrys? – Ela especificou para que não restassem dúvidas. – Tal sociedade ainda existe! – Dessa vez ele se virou para olhá-la, mas ela ainda continuava com os olhos fixos no mesmo ponto. Optou por contar para o amigo coisas que, se ele fosse mais um espião, já deveria saber. Caso não ele estaria tendo acesso a uma informação supersecreta e que poderia ter implicações sérias para ela. – Mas Marc... Tudo o que eu lhe disser aqui não poderás compartilhar com mais ninguém. Eu poderia ser punida por isso. – O rapaz arregalou os olhos e não mais se conteve.
- Como assim Cos? Você está correndo perigo? – Ele exasperou-se e ela se limitou a indicar as suas duas seguranças com um movimento de queixo. – Espera, elas fazem parte dessa sociedade que estudas? – Ele arregalou os olhos ao se deparar com os caminhos que aquela conversa levava. – A professora Cormier também faz parte? – Ela anuiu com a cabeça mordiscando o lábio.
- Ela não só faz parte, como a comanda. – A boca do rapaz se abriu e assim permaneceu durante todo o relato que sua amiga fazia. – E esse grupo de mulheres é muito maior e mais poderoso do que possas imaginar. Porém, existe um grupo inimigo e que vem rivalizando com a Ordem há milênios chamado O Martelo. – O olhou mais atentamente para tentar ler alguma reação do homem à menção daquele nome, mas ele permaneceu com a expressão de estranhamento e choque.
- Mas... – Engoliu em seco. – O que isso tudo tem a ver com o Louis? – Questionou consternado.
- Ele era... É... – Corrigiu-se com pesar. – Um membro do Martelo e havia se aproximado da Delphine como um tipo de espião. – O rapaz engasgou e quase cuspiu longe o seu café. Estava ouvindo relatos que pareciam um roteiro de um bom filme de espionagem e ação.
- Certo! – Esforçou-se em permanecer calmo. – Mas então porque eles atirariam num membro do próprio grupo deles? – Cosima o olhou intensamente decidindo o que poderia ou não dizer, embora que o fato de Louis estar sendo operado naquele instante lhe dizia que o Martelo já descobrira a sua dupla traição.
- Porque ele não deu uma informação que eles queriam e para a qual ele foi colocado próximo a Delphine. – Marc percebeu que o tom evasivo de sua amiga significava que ela não poderia dizer muito mais do que estava contando. Porém era demasiadamente atordoante aquela história e ele via nos olhos melancólicos de Cosima que ela estava em pleno sofrimento.
- Cos! Isso é muito louco.
- Você não faz ideia meu amigo! – Suspirou enquanto virou o ultimo gole de seu café que já estava morno. – Mas não posso falar muito mais do que isso. Peço que entenda! – Suplicou olhando profundamente nos olhos de Marc que a encarou pensativo. Ela sabia que não era do feitio do amigo aceitar as coisas sem maiores explicações, como todo bom cientista social, mas ele se esforçava para respeitar a opinião dela. Silenciosamente eles se entenderam e assim permaneceram por mais alguns instantes compartilhando o clima de tensão e angustia pairava naquela sala.
Nenhum dos Semideuses ousava trocar mais do que duas palavras, devido a tamanha apreensão que os consumia. O arrastar das horas indicava que a cirurgia pela qual passava Louis deveria estar bastante complicada e isso certamente não deveria significar boa coisa. E quando já passava do meio-dia, o silêncio incômodo que perdurava foi bruscamente quebrado pela súbita entrada de duas mulheres. De onde Cosima e Marc estavam não dava para verem de quem se tratava, mas assim que ela viu suas duas seguranças assumirem uma postura rígida e executarem aquela tradicional saudação, teve a certeza de quem se tratava.
- Professora Cormier? – Seus alunos disseram num quase coro.
- Boa tarde... Como está o Louis? – Ela deixou as formalidades de lado, pois estava evidentemente preocupada.
- Ele ainda está em cirurgia professora. Inclusive a sua mãe está lá. – Amélia a respondeu. Delphine a olhou e passou os olhos por todos eles, como se estivesse procurando alguém.
- O que diabos aconteceu? – Helena já se aproximava de Britta e Amanda que pareceram nervosas. De canto de olho ela viu Cosima que agora estava de pé, a observando. Não conseguiu mais ouvir o que as três conversavam, pois praticamente cochichavam. Caminhou lentamente de volta a sala e assim que contornou uma parede bege a viu parada de costas e como se ela sentisse a presença da outra, enrijeceu sua postura e fechou os olhos engolindo em seco.
O motivo maior que a fez mover céus e terra para estar ali naquele momento era a mulher parada atrás dela. Recebeu a notícia do atentado contra seu aluno em total choque. Uma vez que o rapaz baleado era filho adotivo de Lamartine e mesmo assim, o monstro não levou nada disso em consideração. E aquele ato retificava ainda mais o desespero em que ele se encontrava e potencializava inúmeras vezes o seu maior temor pela vida de Cosima.
O sonho profético da pequena Manu não saia de sua mente e receber aquela notícia de um atentado tão próximo a Cosima estava deixando Delphine imersa no mais perfeito caos, tomada pela angústia e a beira do desespero. Lamartine e o Martelo estavam dispostos a qualquer coisa e demonstravam que não iriam parar até atingi-la onde mais doía. Seu grande amor.
Enquanto viajava as pressas de volta para Paris, ficou repensando todas as possibilidade de proteger Cosima e percebeu que, de fato, nem o melhor dos esquemas de segurança seria capaz de mantê-la segura, exceto se ela fosse privada de sua liberdade e ainda assim, não havia a certeza da segurança e cada vez mais aquela alternativa mais dolorida se mostrava como a única possível. A ouviu chamar seu nome.
- Delphine? – Estremeceu com a doce voz dela a lhe chamar e, sabendo que não seria mais capaz de ignorá-la, pois aquilo lhe doía a alma, virou-se.
Ambas traziam a consternação estampadas nos rostos. Sob os belos e misteriosos olhos da loura, profundas olheiras ousavam macular a perfeição de seu rosto indicando que ela não estava tendo boas noites de sono. E os olhos inchados e vermelhos sob as lentes da morena denunciavam o seu estado emocional. E vê-la ilesa, mesmo sabendo do que o destino a reservava, fez com que Delphine estremecesse e não conseguisse mais se segurar.
Simultaneamente jogaram-se uma nos braços da outra e assim que Cosima recostou o rosto no peito tão amado, desmanchou-se em lágrimas doloridas e angustiadas, agarrando-se aos ombros de Delphine, que repousou seu queixo sobre a cabeça dela e lhe acariciava as costas, tentando manter uma superficial fachada de segurança, quando na verdade estava com o coração em pedaços pelo que estava cada vez mais evidente que precisava fazer.
Delphine as conduziu para um sofá no canto da sala e sentou-se ainda com Cosima em seus braços.
- Que bom que você está aqui! – Disse com a voz abafada. A loura lhe segurou o queixo e exigiu gentilmente que ela lhe olhasse.
- Eu fiquei tão preocupada com você... – Confessou já se arrependendo do tom utilizado.
- Del... Por favor, me diz o que está acontecendo? – O tom choroso lhe atingiu violentamente. Cosima estava tendo uma prova do que Delphine vivera ao longo de toda a sua vida de embates contra Lamartine e o Martelo. Já viu e foi testemunha de muitas das perversidades daquele homem sádico e lhe doía ver a fragilidade e o medo de sua amada, completamente envolvida naquela luta.
Pensou em Melanie e no quanto aquela alma já havia provado da maldade daquele homem asqueroso e do tamanho do sofrimento que ela precisou experimentar até ter a sua vida tomada por ele. Fechou os olhos e teve novamente o vislumbre do terrível sonho de Manu. Para a menina era uma espécie de visão, mas para ela era a pior de suas recordações, pois vivera cada instante insanamente doloroso e, por mais que se esforçasse em guardar aquela visão nas profundezes de sua mente, ela retornou agora ainda mais poderosa e sob a aura de uma nova ameaça. Olhou para a mulher em seus braços e em seguida para a porta de acesso a área de cirurgias. Poderia ser ela ali dentro, lutando contra a morte e... Perdendo. Uma lágrima escorreu de seu olho e um tremor sobressaltou Cosima.
- Del? – Cosima vislumbrou uma expressão de pesar pairando no rosto amada e então, inconscientemente compreendeu o que aquilo significava. – Não! – Negou em vão. A loura inclinou a cabeça para o lado e crispou os lábios. Poucos segundos depois a porta foi aberta e Genevieve saiu de lá. Num movimento quase sincronizado, todos ficaram de pé, mas a expressão no rosto da mulher não era animadora.
- Eu lamento muito, mas fizemos tudo o que pudemos... – Disse finalizando o seu olhar em Delphine. Logo as lágrimas e a tristeza imperaram na sala. Sophie arriou na poltrona inconsolável e teve Marc lhe amparando. René também não conteve as lágrimas e abraçou-se com Amélia e Cosima voltou a mergulhar o rosto no peito de sua professora. Enquanto isso, Genevieve continuou a explicar o que ocasionou a morte do jovem, que teve vários órgãos vitais atingidos pelos tiros, mas o que foi decisivo para sua morte foi aquele que praticamente dilacerou seu pulmão esquerdo.
A comoção que imperou ali durou por um bom tempo e Delphine não tinha coragem de se intrometer no sofrimento de seus estudantes, porém precisava resolver algumas questões acerca dos encaminhamentos como o que seria feito com o corpo de Louis, pois tinha a certeza que sua “família” não iria reclamar por ele, uma vez que foram eles mesmos que deram cabo da vida do rapaz. Com dificuldade, se desvencilhou de Cosima, explicando o que precisava fazer e tendo de prometer que não iria longe. Caminhou em direção a Helena e as duas seguranças de sua amada, tendo Genevieve logo atrás.
- Sra. Cormier, gostaria de me desculpar, pois... – Amanda falou antes mesmo de ser chamada, mas foi interrompida por Delphine.
- Não precisas se desculpar Srta. Guerra. – A mulher arregalou os olhos tanto pelo alívio que sentiu, mas muito mais pelo fato da toda poderosa Mestra da Ordem conhece-la pelo nome. O que ela não sabia, era que Delphine havia solicitado as melhores guerreiras do Exército de Ártemis para tomarem conta de Cosima e havia praticamente decorado as fichas dela e de Britta Berg, que era uma pentatleta sueca aposentada e uma exímia atiradora, enquanto Amanda Guerra era expert em várias lutas marciais. – Nem vocês, nem nós poderíamos prever que algo assim poderia acontecer. Sei que tanto vocês, quanto as outras estão fazendo o seu melhor para proteger a todas nós. – Pausou um pouco pensativa, não pretendia que as irmãs de escalões mais baixos, soubessem quem era Cosima, pois temia a existência de mais infiltrados. – Eu já vinha conversando com a Helena que precisamos repensar o nosso esquema de segurança e ela... – Depositou a mão sobre o ombro de Helena. – Irá lhes repassar o que pensamos. – Despediu-se das duas seguranças que permaneceram bem próximas a Cosima.
- O que você pretende fazer em relação a Srta. Niehaus? – Sua protetora tocou no assunto que mais a estava atormentando. Do lugar onde estava, conseguia ver sua amada através de uma parede de vidro que as separava. Crispou os lábios e enfiou as mãos nos bolsos de seu casaco. Alternou o olhar entre Helena e Cosima e tinha uma expressão triste no rosto. Não conseguiu verbalizar mais nada, apenas balançou sua cabeça negativamente e em seguida a baixou e pousou seus olhos no piso perfeitamente encerado do hospital. Estava buscando desesperadamente uma alternativa menos dolorosa, mas a cada novo acontecimento a certeza do que precisava fazer despedaçava seu coração e dilacerava sua alma.
Tentava se conformar com a ideia de que seria uma separação temporária, pelo menos para que pudesse ter a clareza e a segurança necessárias para, juntamente às suas irmãs e as anciãs, desvendarem a misteriosa profecia que fora proferida por sua mãe há séculos atrás. Ainda ouviu os planos de Helena, mas por mais brilhante e eficiente que ela fosse, sabia que Cosima era o seu ponto fraco. Voltou a olhá-la até que a mesma sumiu de seu campo de visão, seguindo com os demais para se despedir de seu amigo.
Virou-se para a entrada de acesso ao bloco cirúrgico e a luz que incidia de lá ofuscou seus olhos, permitindo apenas que visse o vulto de um homem que irrompia de forma afobada. Foi então que sentiu um ódio cortante lhe subir pela garganta e uma fúria descomunal impeli-la em direção a ele.
- És realmente um escroto sádico! – O brilho de ódio em seus olhos o fez paralisar.
- Delphine... Eu... – Antes mesmo que pudesse dizer qualquer outra coisa, sentiu o impacto de toda a força do corpo de Helena se chocando contra ele, o empurrando contra a parede e com seu antebraço pressionando sua garganta enquanto sua outra mão já havia sacado uma pistola e a apontava contra o abdômen dele.
- Dierden... Seu cretino audacioso... Veio terminar o trabalho? – Ela tinha um sorriso assustador nos lábios que beirava a loucura. – Chegou tarde demais! – Falou bem próxima ao rosto dele, fazendo questão de lançar gotículas de saliva em seu rosto.
- Eu não tive nada a ver com isso... O Peter... – Finalmente ele compreendeu o que acabou de acontecer e arregalou os olhos, tendo evidente dificuldade de respirar. Delphine assistia a ação buscando todo o seu autocontrole para não fazer a cabeça dele explodir ali mesmo, contudo invadiu a mente dele e constatou que ele dizia a verdade.
- Helena... Solte-o!
- Delphine... Tem certeza? – Helena disse entre dentes. Recebeu como resposta um toque em seu ombro seguido de um leve aperto. Relaxou sua postura, mas antes de se afastar totalmente, girou seu corpo e o acertou com um potente soco no estômago. – Esse foi pela Susan! – E finalizou com um tapa no rosto dele. Afastou-se o suficiente apenas para que Delphine assumisse a sua posição, parando bem em frente a ele que parou de se contorcer devido ao soco e colou seu corpo na parede, ambos os braços com as mãos espalmadas e a expressão de dor desfigurando seu belo rosto.
Delphine o estava torturando mentalmente.
- Se você não teve nada a ver com isso, o que pretendia vindo aqui? – Sibilou.
- Que droga Cormier, ele é a porr* do meu irmão! – Esforçou-se para dizer. – Podíamos ter nossas diferenças, mas ainda assim ele era... Minha família. – E então Delphine não conseguiu esconder a surpresa ao ver uma lágrima cair do olho direito dele. Analisou o rosto anguloso e de traços perfeitos de Paul Dierden e percebeu que o sofrimento dele era legítimo e ela, mais do que ninguém sabia o quanto Lamartine era perverso e pouco se importava para laços como aquele. Não se importaria em passar por cima do sentimento de ninguém para atingir seus objetivos. Foi então que percebeu que aquele atentado não servia de recado só para ela... Ele também lançava uma mensagem clara para seus próprios homens, pois nem mesmo um filho, mesmo adotivo, poderia ser perdoado por um erro. Mas ainda assim sentiu o flerte sádico da vontade de vingar a morte de Susan e quando estava prestes a saciar essa vontade, o barulho de passos a alertou.
Eram os Semideuses que vinham em sua direção e juntamente a eles Cosima. Congelou de imediato e afastou-se bruscamente de Paul. Seu coração acelerado contrastava com a máscara de tranquilidade que passou a usar, tentando disfarçar o seu verdadeiro estado. Com o canto de olho, percebeu que Cosima vinha diretamente para ela e estava prestes a ser descoberta por Paul. Precisou pensar rápido.
“Cosima...” Estabeleceu a poderosa conexão que só elas possuíam. “Por favor, saia daqui agora!” Relaxou sua postura e ousou, até mesmo a sorrir levemente para Paul. Helena por sua vez, estava tensa e pronta para agir a qualquer momento ou ordem de Delphine. Cosima parou bruscamente assim que ouviu a voz de sua amada em sua mente e isso alarmou a loura. “Não pare!”
“O que está acontecendo Del?” A questionou, como era de se esperar.
“Só saia daqui. E não fale comigo.” “Explico tudo mais tarde.”
- Não se preocupe Sr. Dierden, cuidaremos dos encaminhamentos para o sepultamento de Louis. – Delphine tentava manter uma conversa civilizada, tentando manter Paul atento a ela, a fim de que ele não percebesse nada demais em seus estudantes. Especialmente numa delas. Nesse exato momento, sentiu Cosima passando por trás dela e esforçou-se ainda mais para não demonstrar nada.
Helena só voltou a respirar um pouco mais aliviada quando Cosima saiu do bloco e que suas seguranças partiram atrás dela de uma forma mais discreta, tentando não chamar tanta atenção sobre quem protegiam. A mulher morena olhou para Delphine e impressionou-se com o autocontrole de sua amiga.
- Helena...
- Sim Delphine? – Aguardou com apreensão quais seriam as ordens de sua Mestra em relação aquele homem, e torcia silenciosamente para algum tipo de punição o mais sádica possível, pois a ira que sentia dele, mal cabia em si.
- Fique de olho nesse lixo... – O olhou de cima a baixo e deixou que um leve sorriso dançasse em seus lábios. – Ele ficará conosco e depois decidiremos o que fazer com ele. – O homem engoliu em seco e alternou os olhos entre as duas mulheres. Ele sabia que Delphine poderia mata-lo num piscar de olhos ou ordenar que Helena o fizesse ao bel prazer dela. Varreu aquele ambiente com os olhos, tentando pensar em uma alternativa.
De repente, estridentes e abafados estalos, alertaram todos ali e um olhar desesperado foi trocado entre Helena e Delphine que foi abraçada pela outra, num movimento de puro instinto e anos de treino, colocando-se entre a loura e a possível ameaça que pudesse estar prestes a acontecer.
Caída no chão, tendo o corpo de Helena sobre si, Delphine arregalou ainda mais os olhos e sussurrou com extremo pavor.
- Cosima!! – A morena compreendeu de imediato e com um aceno de cabeça, pôs-se de pé num movimento único e de muita agilidade e saiu em disparada para o lugar de onde se originaram aqueles tiros. Logo em seguida, Delphine se levantou e assim que varreu aquela sala, percebeu que Paul não estava mais lá. Provavelmente ele aproveitou o momento de caos e fugiu. Lamentou aquele fato, mas sabia que não deveria preocupar-se com aquilo naquele momento. Toda a sua atenção estava do lado de fora.
Caminhou apressadamente vencendo a extensão do corredor tendo seu coração em um ritmo descontrolado. A cada passo temia o que poderia encontrar assim que cruzasse aquela porta. Quanso a alcançou ouviu gritos apavorados vindos do outro lado e desesperou-se ainda mais. Buscou o fôlego final e escancarou a porta que abria passagem para a imensa sala de entrada do hospital e como se um alívio sem proporções lhe atingisse, viu sua amada amparando Sophie. As duas estavam agachadas próximas a um grande jarro que usavam como proteção. Trocaram olhares assustados, em seguida Delphine olhou por todo aquele espaço e viu vários funcionários do hospital escondidos ou jogados no chão, como se ainda buscassem se proteger de algo. Nesse instante, a porta automática se abriu e Helena e Amanda carregavam Britta, que andava com dificuldade devido a um ferimento de bala em sua coxa.
- Um médico! Agora! – Helena berrou e aos poucos, alguns enfermeiros foram se levantando e logo uma maca veio sendo trazida por dois socorristas. Britta foi ajudada a subir e se deitou.
- O que aconteceu? – Delphine segurou com força no braço de Helena.
- Aparentemente os mesmos homens que atiraram em seu aluno retornaram para verificar se ele havia morrido. Houve uma breve troca de tiros onde a Britta foi ferida, mas a Amanda derrubou os três homens. – Indicou a mulher que acompanhava a parceira em direção ao bloco cirúrgico. – Acho que ela matou todos eles. – Respirou fundo enquanto guardava sua pistola no coldre que ficava em seu cinto.
- Helena! Eles estão desesperados. – Disse o óbvio.
- Nem podemos culpa-los, não é? Imagina se eles retornam para o Lamartine sem terem cumprido sua missão? – Sorriu secamente. Delphine analisou a expressão no rosto da amiga. Os olhos dela brilhavam e gotas de suor podiam ser vistas em sua testa. Ela definitivamente adorava situações como aquela, pois era como se ela fosse literalmente feita para isso.
- Del? – A voz assustada de Cosima a alertou.
- Cos... Vocês estão bem? – Questionou assim que Sophie juntou-se a elas.
- Sim professora. – Sophie respondeu por ambas. – Que loucura foi essa?
- Está todo mundo bem? – Marc questionou assim que se levantou por trás de um dos balcões da recepção juntamente a Amélia e René. Cada um verificou que os demais estavam bem, apesar de completamente abalados. Haviam vivenciado eventos dignos de um filme de ação e que culminaram com a trágica morte de seu amigo.
- Fico feliz que todos estejam bem. – Delphine virou-se para Helena e deu suas ordens. – Peço que chame mais algumas de suas meninas e garanta que todos os meus orientandos sejam levados para suas casas em segurança. – A morena concordou já sacando o seu celular e providenciando o que lhe fora pedido. Sirenes estridentes foram se aproximando e não eram de ambulâncias. A polícia já estava chegando para investigar o que acontecera. Delphine passou a mão pelos cabelos denunciando o seu nervosismo.
- Paul? – Helena se aproximou. Sua Mestra apenas negou com a cabeça, deixando claro que o homem havia fugido. – Teremos outra chance com aquele cretino. – Procurou tranquilizar sua amiga. – Já organizei o que você me pediu e inclusive já telefonei para Elizabeth. – A loura a olhou com denotada gratidão a sua segurança que já se adiantou e chamou a empresa de advocacia que cuidava dos negócios da Ordem. Elas seriam de muita utilidade naquela situação.
- Obrigada minha amiga. – Apertou o ombro da morena e foi até Cosima. – Cos, preciso que você vá para casa.
- De jeito nenhum! – Empertigou-se e cruzou os braços. – Não sairei daqui sem você! – E bateu o pé. Delphine pensou em algum argumento para convencê-la, mas percebeu que seria inútil. Findou cedendo para ela, pois sabia que não poderia evitar estar com ela naquele instante. Embora que seu dilacerado coração já batia dolorido com a decisão que lamentavelmente acabou de tomar.
Pacientemente esperaram todos os tramites com a polícia que buscou compreender o que havia acontecido e culminou numa série de mortes e de tiroteios que apavoraram Paris e certamente estariam nas manchetes dos jornais no dia seguinte. Contudo, Delphine pediu a Elizabeth e sua equipe que tentassem abafar o máximo possível daquela estória, a afastando ao máximo dela e da Ordem.
Ao final da coleta de todos os depoimentos e dos encaminhamentos dados sobre o velório de Louis, todos foram liberados já quase no início da noite. Exaustos e assustados, os Semideuses se despediram uns dos outros certos de que se reencontrariam no dia seguinte, para um terrível momento.
- Finalmente podemos ir. – Delphine disse para Cosima enquanto apertava a própria nuca, tentando dissipar um pouco da tensão que pesava sobre seus ombros.
- Sua nova equipe de segurança já está aqui fora. – Helena as informou.
- Mas e a Amanda? Como está a Britta? – Preocupou-se com a mulher que fora ferida.
- A Srta Berg está bem. O tiro só atingiu músculo e não terá nenhum tipo de sequela. – Helena disse, tranquilizando as duas. – A Srta. Guerra ficará aqui com ela e logo retornará para sua escolta. – Sorriu docemente para Cosima enquanto tocava o braço dela, demonstrando o quanto estava cansada.
- Todas precisamos de um descanso. – Cosima se levantou, também tentando esticar o corpo.
- Boa noite minha amiga! – Delphine abraçou Helena demoradamente e durante esse gesto, aproximou sua boca do ouvido esquerdo de sua Protetora. – Chegou a hora. Faça o que lhe pedi. – Sussurrou para que Cosima não escutasse. Helena afastou-se do abraço com uma expressão que misturava surpresa e lamento e esse se multiplicou ao ler nos olhos de Delphine, o tamanho da dor que ela estava sentindo.
- Boa noite Helena. – Cosima despediu-se da mulher já segurando a mão de Delphine, a puxando em direção aporta. A mulher ficou parada no meio da sala de entrada do hospital as observando se afastar lentamente e deixou que uma lágrima escapasse de seu rosto, demonstrando o seu real estado emocional, apenas quando não havia ninguém que pudesse vê-la.
Se deixou cair numa cadeira fria no exato instante em que as perdeu de vista. Apoiou ambos os antebraços nos joelhos e se permitiu esvaziar a angustia que comprimia seu peito. Chorou copiosamente em meio ao vai e vem de pessoas que pareciam não perceber a presença dela.
______
Dentro da limusine, Cosima se aninhou nos braços de sua amada e procurou concentrar todo o seu raciocínio na batida ritmada do coração tão querido. Tentava ferozmente afastar as terríveis imagens que presenciou naquele dia e da imensa perda que sofreu. Aos poucos foi percebendo que a vida de seu amigo fora tirada por um único motivo. Por ela! Estremeceu com aquela constatação e sua reação não passou desapercebida por Delphine.
- O que foi Cos?
- É que... – Sua voz perdeu força sob a pressão do nó que insistia em subir por sua garganta. – O Louis... Ele... – Delphine fechou os olhos, antevendo o que ela iria dizer e sabendo o rumo que aquela conversa tomaria. – Del? – Afastou-se e a olhou de baixo para cima. – Ele morreu por minha causa. – Os lindos olhos dela estavam rajados de tons de vermelho devido ao quanto havia chorado. Delphine apenas a apertou ainda mais contra si e a afagou. Não disse nada, porque sabia que nada que dissesse poderia amenizar o que sua amada estava sentindo. Até porque não era mentira a afirmação dela.
Seu jovem aluno fora assassinado tão somente porque ele se recusou a entrega-la ao Martelo. Louis havia dado sua vida por ela, feito o mais caro e supremo dos sacrifícios. Por ela.
A vida dela!
Fechou os olhos e recostou sua cabeça no encosto do banco. Voltou a pensar no pavor que sentiu ao ouvir as palavras atentado, Paris e Martelo na mesma frase. Lembrou que não conseguiu raciocinar direito e foi preciso que Helena a trouxesse a realidade, informando que o atentado não havia sido contra Cosima. E mesmo assim, mobilizou toda a influência da Ordem para retornar as pressas para Paris, para estar com ela, pelo menos mais uma vez.
“Eles estão perto demais!” Pensou consigo mesma, lutando contra o aperto em seu peito. E por mais que desejasse acreditar nas promessas de Siobhan e Helena sobre como poderiam manter Cosima em segurança, elas não conheciam a loucura de Lamartine como ela conhecia. Ela testemunhou as mais horrendas e asquerosas atrocidades que aquele homem fizera. Mas o que piorava tudo e lhe roubava a razão era a visão de Manu. Uma pitonisa jamais errou em suas previsões.
Cosima iria morrer e isso seria por sua causa. Essa afirmação parecia cravar punhais em seu peito e a única alternativa sensata era a que mais iria lhe machucar e pior, machucaria enormemente o doce coração da mulher que amava. Mas antes ela sofrendo e a odiando do que sendo violentamente morta.
- Me diz por que alguém precisou ser morto por minha causa? – A olhou em pleno desespero. O carro finalmente chegou ao seu destino e isso atraiu a atenção de Cosima. – Porquê viemos para minha casa? Você não vai me deixar sozinha essa noite. Por favor!
- Não Cos... Vou descer com você. Eu apenas não queria retornar para minha casa. Queria, pelo menos essa noite, não estar em um lugar que me lembrasse de toda essa loucura. Minha vontade mesmo seria fugir com você e deixar tudo isso para trás. – Suspirou e se compadeceu ao ver um filete de esperança cintilar nos olhos amados. – Mas eu tenho obrigações Cosima. Minha presença é exigida em tantos lugares ao mesmo tempo que nem mesmo alguém como eu conseguiria estar em todos.
Cosima franziu a testa, achando um pouco estranha aquela ultima informação, mas a lançou para algum lugar bem escuro e profundo em sua mente. Desceram do carro e se despediram de Félix. Ainda viram a SUV preta de suas seguranças estacionar do outro lado da rua e caminharam em silêncio até o apartamento de Cosima.
- Vou preparar alguma coisa para comermos. – A morena caminhou até sua pequena cozinha, checando o que tinha em sua dispensa. Parecia que ambas estavam tentando evitar ao máximo a continuação daquela conversa; como se amenidades trocadas, pudesse afastar um pouco o clima terrível que ainda imperava entre elas desde a manhã que o diário de Melanie foi finalizado por Cosima.
- Certo, enquanto isso eu vou tomar um banho. – Disse já entrando no quarto e retirando o casaco, deixando-o jogado sobre uma cadeira. Banhou-se por alguns bons minutos. Quando terminou foi até o pequeno closet e procurou por alguma coisa que pudesse vestir. Encontrou uma calça de pijama masculino e uma blusa de alcinhas branca. Couberam como se fossem feitos para ela. Finalizou prendendo seu cabelo com um coque propositadamente desorganizado.
O agradável perfume de manjericão imperou no diminuto flat, denunciando qual seria o menu.
- O cheiro está maravilhoso.
- Não é nada demais Del. Apenas uma massa ao molho napolitano.
- Está perfeito. – Aceitou uma colher com um pouco de molho para provar. – Agora vá você tomar um banho enquanto eu termino aqui. – Sorriu timidamente, enquanto assumia o posto de Cosima.
Assim que retornou após o banho, Delphine já havia servido as massas e finalizado com parmesão ralado em grande quantidade. Jantaram praticamente sem trocarem mais do que três palavras e ainda sentadas no sofá, Cosima finalmente retomou a incomoda conversa.
- Quem sou eu Delphine? – Foi direta ao ponto e imediatamente lembrou-se dessa mesma pergunta, só que feita por Louis há alguns dias atrás. Sentiu o nó retornando em seu peito.
Delphine segurou o olhar o máximo que pode e mordiscou o lábio inferior sem saber ao certo como responderia aquela pergunta. Estava bem no meio de um caminho que não havia mais volta, mas que também não sabia se deveria seguir. Cosima já havia juntado praticamente todas as peças e passado por tantas coisas ao seu lado que não mais adiantava fugir. Não tão diretamente.
- És o meu grande amor. – Disse sinceramente, embora isso dificultasse ainda mais o que precisaria fazer. – E exatamente por isso você é um... – Procurou por melhores palavras, mas não conseguia raciocinar com tanta lucidez. – Alvo! – Ambas estremeceram.
- Mas Del... Por que isso custaria a vida de alguém?
- Por quem és... Para me atingir... – Baixou os olhos, já enveredando por caminhos tortuosos.
- Isso tem alguma coisa a ver com as Memórias de Melanie e o amor dela pela... Evelyne não é? - Procurou vislumbrar algo nos olhos amados, mas ela continuava os desviando.
- Por que você acha isso? – Voltou a encará-la. Delphine sabia que estava testando Cosima, lançando-a a experimentar os seus limites de compreensão racional. Decidiu tomar o caminho que começaria a afastá-la daquele universo. Seria para o bem dela.
- Não sei ao certo Del... Sei que parece uma loucura... – gesticulava exageradamente, como sempre fazia quando estava nervosa ou ansiosa. – Mas tem a mensagem que a Siobhan me disse... Todas essas sensações que tive ao ler o diário... Meus sonhos... Tudo isso vai contra tudo o que acredito, ou pensei ser o certo. – Delphine sofria com a angustia dela, mas precisava prosseguir com o seu doloroso plano.
- Como assim Cos? O que você quer dizer?
- De alguma forma eu tenho uma ligação com as mulheres daquelas memórias. E você também. Carregamos algo delas... Uma memória... Talvez? – Fez uma pergunta retórica.
- Você está se referindo a reencarnação ou algo assim? – Optou por seguir aquele discurso
- E não é? – O desespero era nítido.
- Então você seria a reencarnação da Melanie Verger, certo? – Cosima não respondeu de imediato, mas apenas anuiu timidamente. – E... eu? – A resposta aquela pergunta determinaria o rumo que ambas tomariam. A outra remexeu-se em seu lugar, nitidamente desconfortável com o que estava dizendo. Mas ela não respondeu. Não ousou e essa foi a deixa para que Delphine pudesse por seu plano em prática. – Eu seria a... – A olhou intensamente e a viu de boca entreaberta e olhos arregalados, completamente aflita.
- Me ajuda Del! – Suplicou.
- Cos... Foi exatamente por isso que você recebeu o livro e o diário da Melanie... Foi por isso que eu desejei que você o lê-se, pois eu precisava que percebesses isso. – A morena segurou a respiração. – És exatamente a reencarnação de Melanie Verger. – Procurou atribuir o máximo de sinceridade possível àquela absurda conversa. Precisava passar o máximo de credibilidade que pudesse. – E eu... Sou exatamente quem você pensa. – Cosima inclinou o abdômen para trás, sentindo sua cabeça voltar a girar, mas antes que a cena de dois dias atrás se repetisse, Delphine concluiu. – Sou a... Reencarnação da Evelyne Chermont! – Mentiu dolorosamente, causando um evidente misto de alivio e frustração em Cosima.
Mas mesmo com a mentira utilizada, a emoção daquele momento as envolveu tão intensamente fazendo com que Cosima se jogasse nos braços de Delphine. Ambas se perderam naquele abraço e lágrimas vieram a tona em ambas.
- Isso é muito louco Del... – Disse contra o peito dela e em meio a um bocejo. A exaustão do dia começava a cobrar seu preço.
- Sim meu amor... É louco, mas é a verdade. Venha! – Se ergueu e a guiou até a cama. – Acho melhor descansarmos um pouco. Teremos um dia difícil amanhã. – Cosima nem se quer protestou, apenas se deixou envolver pelos braços tão amados e que lhe transmitiam aquela sensação única de segurança.
- Ei amor...
- Hum?
– Como está a Manu? – Perguntou já com ar sonolento.
- Está melhor Cos... Teve apenas uma indisposição que está sendo investigada. – A mentira saia com facilidade de sua boca.
- Que bom amor. Ao menos uma boa noticia hoje. – Sussurrou já de olhos fechados e em poucos segundos o relaxamento de seu corpo, indicou que caiu em sono profundo.
Delphine permaneceu imóvel, tendo sua amada nos braços, mas ao contrário dela, o sono reconfortante e protetor não a alcançou, pois, o caos que enfrentava em seu peito não lhe permitia descansar. E após algumas horas ali, em pleno sofrimento, saiu da cama cuidadosamente, para não acordar seu amor que descansava completamente alheia ao que estava prestes a enfrentar.
Silenciosamente foi se trocando, e a cada peça de roupa vestida, copiosas lágrimas caiam e ela abafava o choro que queria explodir seu peito. Lentamente saiu do apartamento e com o celular em mãos, selecionou o contato desejado e digitou uma breve mensagem.
“Gracie, favor dar entrada ao processo de desligamento de orientação. O documento deve ser em nome da Srta. Cosima Niehaus.”
Fim do capítulo
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patty-321
Em: 28/06/2018
Ai ai. Meu coração doeu. Capítulos finais e bem dolorosos para as protagonistas e pra nós, as leitoras. Será que a cosima vai aceitar ficar longe da Del? Será q ela não vai perecer o verdadeirosignificado? Nossa . Cada vez mais emocionante. Bjs
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