CapÃtulo 7 - Trinta anos, trinta dias
Capítulo 7 — Trinta anos, trinta dias
Após duas semanas detida, Flávia agora dividia a cela com quatro mulheres, Dete permanecia com ela e se tornara a pessoa mais próxima, às vezes até sua confidente. O assunto preferido era a infância, as suas origens, seu estado natal, Dete era do Paraná.
Numa noite insone de ambas, após Dete contar que tinha um primo homossexu*l*, Flávia acabou contando também sobre sua orientação sexu*l*, suas namoradas, seu atual objeto de desejo.
— Posso te contar uma coisa? Eu sabia desde o primeiro dia que você chegou aqui. — Dete disse sorrindo, estavam sentadas lado a lado numa cama.
— Eu dou muita bandeira?
— Não, mas eu sou bem próxima do meu primo, ele me ensinou umas técnicas para descobrir se a pessoa é.
— Poxa, eu sou péssima nisso, me ensina? — Flávia riu.
— Eu peço para meu primo ensinar, pode ser? Te dar um curso básico.
— Fechado.
— Mas voltando ao assunto, você acha mesmo que essa menina vai querer algo com você? Até tiro ela tomou!
— Certeza eu não tenho, mas eu liguei para ela antes de ser presa, e sei lá, não sei se é sexto sentido ou coisas do coração, mas eu senti uma reciprocidade de sentimentos na voz dela, ela acabou me dando um fio de esperança, é nisso que estou me apegando.
— Você vai procurá-la quando estiver livre? Isso pode demorar alguns anos.
— Ela disse que vai me visitar quando eu estiver em definitivo cumprindo pena. — Flávia colocou as mãos para dentro do blusão de lã.
— Fisgou a menina, hein? Você vai me contar se ela foi mesmo te visitar? Quero saber como vai acabar essa história de amor.
— Conto sim, vou te mandar uma carta contando que ela foi me visitar e foi maravilhoso.
— Vou torcer por vocês, porque as coisas não serão fáceis, querida.
***
Na terceira semana Flávia completou trinta anos, Maurício improvisou um pequeno bolo de chocolate, mesmo sem velinhas, que acabou trazendo por alguns momentos alegria na vida monótona que ela vinha levando.
Juliana parecia menos incomodada com seus novos sentimentos, tomou coragem e contou parcialmente à sua irmã sobre o que estava acontecendo. Karina era quatro anos mais velha, foi visitá-la num domingo à tarde e estavam sentadas nas cadeiras da sacada da casa, seu sobrinho brincava na sala.
— Não sei como, nem quando começou tudo isso, mas a verdade é que estou gostando de uma garota.
— Pense bem nos seus próximos passos, cuidado para não se magoar nem magoar nossos pais, eles não entendem essas coisas. — Sua irmã falava calmamente, estava lidando com o assunto melhor do que o esperado.
— As coisas aconteceram de uma forma inesperada, fugiu do meu controle, nós ainda não tivemos nada, nem acho que teremos algum dia, sabe? Mas eu vou devagar sim, até porque não tenho como vê-la agora.
— Ela mora longe?
— Mais ou menos...
— Talvez você esteja se sentindo assim confusa porque está longe dela, pessoalmente as coisas são mais preto no branco, tente não criar muitas expectativas.
— Talvez sim, talvez seja alguma euforia momentânea, mas é tão bom, é uma sensação forte. — Sorriu com vergonha.
— Eu também já senti essas coisas. — Karina sorriu.
— Você é apaixonada pelo Henri?
— Bom... Com o tempo a paixão vai se transformando em algo menos arrebatador, mais bonito, um amor mais sólido. Um dia você vai conhecer tudo isso.
— Obrigada pelo apoio, mana. — Juliana estendeu a mão, afagando a mão da irmã.
— Melhor não contar nada para nossos pais agora, espere ter algo de verdade.
— Você acha que eles vão me matar? Ou vão apenas me pendurar em praça pública para um apedrejamento coletivo?
— Temos uma prima e um primo que jogam no mesmo time que você, então não sofra por antecedência, talvez não seja tão ruim quanto um apedrejamento, talvez apenas atirem tochas acesas no seu quarto.
— Mas eles serão pegos de surpresa, porque namorei esse tempo todo com o Anderson.
— Juli, até um cego via que você não tava nem aí para aquele colono, vocês não têm nada a ver, fiquei aliviada quando você terminou com ele.
— Eu também. – Riu.
***
O julgamento se aproximava, as visitas do advogado se tornaram mais frequentes, a defesa já estava argumentada. Flávia tinha boas chances de ver sua pena reduzida por ser ré primária e ter curso superior.
Dete já havia saído da central de polícia e agora Flávia não tinha mais sua companheira, passava os últimos dias lendo os livros que seu primo trazia.
Trinta e seis dias de detenção depois, finalmente chega o dia do julgamento. Flávia se vestiu com uma calça social preta e uma blusa azul clara, aguardava ser levada ao tribunal, suas mãos algemadas tremiam.
— Está tudo bem com você? — Dr. Afrânio perguntou.
— Estou um pouco ansiosa, quer dizer, bastante ansiosa, quase surtando.
— Sua defesa está bem montada, mas ficar nervosa pode te prejudicar.
Flávia estava agora ainda mais nervosa.
— Bom, só para repassarmos: fale tranquilamente, pode contar toda a verdade sobre aquela noite, deixe claro quem estava no comando da ação, que Ricardo mandou você pegar a garota e ameaçá-la com a arma, que ouve reação da refém...
— Não menciono o tiro, certo?
— Isso, você não toca no assunto. Diga também que depois de ir para a outra sala a garota a ajudou a fugir.
— Isso é mesmo necessário?
— Sim, isso mostrará que ela não sentia que você era uma ameaça, e é essa linha que seguiremos. Você não tem o perfil de uma criminosa.
— Seja o que Deus quiser...
Quarenta minutos depois, eles foram chamados para a audiência, a decisão de seu destino estava começando.
Fim do capítulo
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