CapÃtulo 5 - O tempo parou
Capítulo 5 — O tempo parou
Chegando em Florianópolis, Flávia se deu conta que aquele clichê é realmente válido: Você só sente falta da liberdade quando não a tem mais. Agora ela não era mais dona de seus passos, de suas horas, dos seus planos.
Havia chegado por volta das dez da noite numa cela da triagem da central de polícia, até o momento havia sido tratada com respeito, dividia uma pequena cela de no máximo 15m² com mais seis mulheres.
Elas já estavam dormindo, e assim permaneceram mesmo com sua chegada. Apenas uma delas veio falar com ela, se chamava Bernadete e estava presa por tráfico, aparentava uns trinta anos e estava ali pelo destino que as namoradas de traficantes têm: a cumplicidade que acontece mais cedo ou mais tarde com elas. Vestia um moletom branco maior que seu tamanho, um tênis surrado, mantinha as mãos dentro das mangas.
— Como você veio parar nesse lugar? — Perguntou Bernadete, dando uma olhada dos pés à cabeça.
Flávia ficou em silêncio por um longo instante, como se nem ela soubesse a resposta, resvalou os olhos para o chão de concreto cru, estava sentada numa cama estreita e dura.
— Participei de um assalto... Houve tiros e tal... Me prenderam no Rio Grande do Sul.
— Você tava foragida?
— É, no desespero fugi pro sul, outra burrada minha... E você, o que fez?
— Me pegaram numa boca, era a boca do meu namorado, eu nem tava fazendo nada mas tava junto com aquele traste, daí já sabe né, fui junto.
— Deu azar, né?
— Azar e estupidez minha, maldita hora que fui dar ouvidos a ele... Larga esse empreguinho e vem me ajudar gata, dá muito mais grana, ele dizia. Um dia eu briguei com minha supervisora e larguei o emprego mesmo, sabe essas atitudes bestas? Loucura minha.
— Sei como é...
— E você, tem cara de filhinha de papai, como foi parar nessa roubada?
— Nem eu sei. — Flávia baixou os olhos. — Estava sem emprego, sem rumo, sabe? Foi a maior besteira da minha vida... Fiz amizade com meu vizinho, daí foi o mesmo papo, dinheiro fácil e tal...
— Dinheiro fácil sem cadeia só para os políticos corruptos, ou ganhadores da loteria.
— É... — Flávia se encolheu com frio.
Vestiu uma blusa de lã cinza escuro por cima e subiu os pés para cima da cama também, se cobrindo com o cobertor velho e marrom. Alguns minutos depois, um dos oficiais trouxe pães e café para elas, que pareceu um manjar dos deuses.
No dia seguinte, com a claridade de uns poucos fachos de sol que entravam por uma pequena janela basculante, a realidade da situação parecia agora ter contornos. A cela, as mulheres com constante ar de desânimo, o cobertor marrom, a vida cinza.
A mulher, que antes permanecia dormindo hoje estava acordada em seu canto, mas parecia viver seu mundo próprio. “Sorte dela...” — Pensou Flávia. “Queria poder esquecer onde estou.”
— Como é o almoço aqui? — Perguntou Flávia a Dete.
— Não é tão ruim, tem até carne. — Ela riu.
— Será que ficaremos aqui por quanto tempo?
— Da outra vez fiquei dezoito dias, mas acabei sendo liberada por falta de provas.
— Por tráfico também?
— Aham, eu não aprendo mesmo, né?
A preocupação no tempo que passaria na central de polícia na verdade era a pressa em ir para um local definitivo, para que pudesse pedir a visita de Juliana, ela não queria que a garota entrasse naquele lugar degradante.
Seus pensamentos nela eram seu único alento, seus únicos momentos de esperança, tudo que ela mais queria era um abraço, os braços envolvidos, repousar a cabeça no ombro dela, sentir seu cheiro de novo, ela não havia esquecido quando sentiu seu cheiro enquanto a mantinha sob seu poder naquela fatídica noite, era o melhor perfume que já havia sentido.
Não sabia quanto tempo ainda levaria para que isso se tornasse realidade, não queria pensar na possibilidade de Juliana não cumprir com a promessa, era aquilo que a dava forças.
Na manhã seguinte foi levada para uma sala onde dois homens começaram a fazer perguntas, ela não sabia de nada além dos que eles sabiam.
— Tem mais quantos no esquema? É bom começar a falar, a coisa aqui pode ficar feia, dona.
— Eu não sei, só sei dos dois que foram comigo, se tem outros eu não tenho conhecimento.
O primeiro tapa a deixou terrificada, estava com as mãos algemadas na cadeira.
— Serve apelido, serve qualquer porr*, abre a boca e a gente te devolve pra cela.
— Eu juro que só sei isso! Eu só conheço o Ricardo porque ele era meu vizinho, o outro cara era chamado de Bigode por Ricardo, é tudo que sei, eu nunca tinha visto o outro cara antes!
— Quem levava a droga pro Ricardo?
— Droga? Eu nem sabia que ele mexia com isso.
— Se fazer de desentendida não vai ajudar.
— Eu só soube dos assaltos, foi o que ele me contou, que assaltava de vez em quando, nunca me disse outros nomes, nem sobre drogas.
Mais um tapa.
— Eu juro! Eu não sei mais nada!
Os agentes foram perdendo a paciência e Flávia passou algumas horas levando tapas, socos no estômago e chutes na perna.
Na tarde do dia seguinte uma Flávia assustada e quieta recebeu a visita de um advogado, contratado por seu primo Maurício, além de seus tios, ele era o único parente e amigo que morava em Florianópolis e única pessoa com quem podia de fato contar.
Numa pequena sala com uma mesa e três cadeiras, Flávia contou em detalhes o que acontecera naquela noite, deixando claro que não participou dos outros assaltos executados pelo grupo. Dr. Afrânio, um senhor com calvície proeminente e paletó cinza, já havia se inteirado do caso antes de fazer a visita, ele contou a Flávia que os envolvidos já haviam prestado depoimento e que agora que ela havia sido capturada, todo o grupo iria ser julgado em no máximo um mês, inclusive ela.
Ele também contou que uns dias atrás a garota que levou o tiro havia sido chamada novamente para depor, pois havia uma acusação de tentativa de homicídio para Flávia.
— Você deu sorte, Flávia, a menina poderia ter complicado mais a sua vida, mas ela disse no depoimento que sua arma disparou por acidente devido a disputa pela arma, você provavelmente não será acusada de tentativa de homicídio.
Flávia sorriu aliviada, seu coração sorriu.
— Ela sabe que não tive a intenção, eu não queria machucar ninguém, muito menos aquela menina.
— Justiça será feita, você é ré primária, tem moradia fixa, nível superior, bons antecedentes, o vento sopra a seu favor. Eu não posso pedir sua absolvição porque existem provas e testemunhas suficientes da sua participação, mas pedirei a menor pena possível.
— Para onde irei?
— Ainda não sei, mas talvez você vá para longe daqui.
— Será que vão me mandar para uma penitenciária no meu estado natal?
— Minas? Tudo é possível.
— Eu poderei receber visitas, certo?
— Sim, você deve ir para alguma penitenciária de segurança mínima ou média.
— Não vejo a hora disso tudo se resolver de uma vez. — Flávia esfregava as mãos suadas nas pernas. — Eu quero sair daqui, não quero mais apanhar desses caras.
***
Amanheceu chuvoso naquele segunda-feira, Juliana pegou o ônibus e chegou um pouco atrasada na fábrica, cumprimentou todos com seu bom humor habitual, guardou a mochila, tirou o casaco molhado e sentou-se em sua mesa de trabalho.
— O trânsito fica uma porcaria quando chove, né? — Cláudia puxou assunto.
— Nem me fale, meu ônibus hoje levou cinquenta minutos pra chegar aqui, em dia normal não leva mais que trinta.
— Café?
— Se não for pedir muito.
— Saindo um café com três colheres de leite em pó e quatro de açúcar, acertei?
— Quase, é o contrário... Obrigada, chefe, amanhã eu faço o seu. Ah, Cláudia, tenho ortopedista hoje às 13h, posso ir direto do almoço para a consulta? Vou ver o braço.
— Claro, quer que eu te leve? — Cláudia prezava por ela, tinha um carinho fraternal.
— Precisa não, é aqui perto, no Centro Médico, mas obrigada pela disposição. — Juliana respondeu enquanto revirava a internet em busca de notícias sobre a rendição de Flávia e já bebendo o café.
— Por falar em braço, você viu na TV sábado que penderam a mulher que atirou em você?
Juliana se virou surpresa para Cláudia, emudecida por um segundo.
— Ela se entregou sábado?
— Não, a prenderam, já estava em Pelotas, devia estar fugindo para a Argentina.
— Acho que não... Devia estar tentando se esconder.
— Bom, parece que o julgamento já será mês que vem, espero que sejam condenados.
— Sabe o dia?
— Não disseram, não. Mas você saberá, já que será convocada.
— Eu?
— Você sabe que terá que depor no julgamento, não sabe? Por causa do tiro.
— Não, eu não sabia. — Juliana respondeu, um tanto atordoada.
Fim do capítulo
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