LUZ por Marcya Peres
CapÃtulo 2
O ENCONTRO
Quase dez anos havia se passado desde o casamento e o inicio da vida profissional. Eu, Ana, 33 anos, tinha tudo o que uma mulher sonha desde criança...uma família bonita e saudável, felizes...uma profissão gratificante, que realizava uma vocação e trazia um excelente retorno financeiro. Mas havia algo! Uma inquietude, algo que nunca se completava! Como aqueles lindos Quebra-Cabeças de mil peças, que ficam com uma faltando, trazendo o incômodo nervoso a quem o monta. Estranha e engraçada essa natureza eternamente insatisfeita do ser humano! Seria o problema com a falta de visão? Talvez, mas sabia que não era isso exatamente. O que faltava??? Era algo além, mas não sabia o que, ainda não sabia!
O começo do Ano é sempre meio turbulento no Escritório, as ações parecem duplicar, pois todos decidem passar a vida a limpo. O trabalho fica mais pesado, e justamente nessa época minha fiel escudeira Janine, resolve ir morar com o namorado em outra cidade e transferir-se de Faculdade! Meu Deus, o que faço?! Ela podia ter avisado no final do Ano Passado! Assim, eu poderia ter me preparado com antecedência e tentado selecionar alguém. Pôxa, tudo complicou! Logo agora, nesses meses de começo de ano, quando tudo é tão estafante! Preciso de alguém urgente!
Após uma consulta de rotina com Dr. Olavo, fiz um comentário sobre o que se passava no Escritório, sem minha Assistente...eu podia contar com outros três Estagiários que nós tínhamos, mas quem ficava ao meu lado tinha que ser Especial.
Era necessário agilidade de raciocínio, ser excelente aluno e estar nos últimos períodos da Faculdade, estar sempre disponível para pequenas viagens a trabalho, saber dirigir, e por fim, não ser complacente comigo...irrita-me por demais, essa gente que deixa transparecer na voz uma piedade a qual eu não faço jus. Preciso de alguém eficiente, seguro e que não seja idiotamente benevolente, achando que está sendo generoso com a ceguinha. Quero alguém firme, que se dirija a mim como uma pessoa comum e profissional respeitável que sou.
Senti na voz do Dr. Olavo que ele teve um lampejo, após o comentário. Me disse que sua filha mais nova, Lívia, estava no 7º período da faculdade e sonhava há muito tempo em Estagiar no meu Escritório, no entanto, ele nunca havia pensado em me pedir, pois achava que poderia estar extrapolando nossa amizade, ao me pôr em uma situação em que talvez tivesse que rejeitar sua filha por não se encaixar nos meus parâmetros, por algum motivo.
Eu não conhecia Lívia. Dr. Olavo não costumava freqüentar minha casa e nem eu a dele, tínhamos uma amizade profunda pelos anos de confiança e respeito, mas por algum motivo, acabamos sempre nos limitando a encontros profissionais e nunca sociais. Já tinha encontrado com ele, a mulher e as filhas, Lívia e Laura, mas não lembro da voz delas, sinceramente. Laura, a mais velha das filhas, fazia medicina na cidade grande. Lívia decidira por ficar e seguir uma carreira completamente diferente da do Pai, para a qual julgava ter muita vocação.
Sabendo disso, falei ao Dr. Olavo:
_ Doutor, diga a Lívia para ir ao meu Escritório amanhã às 10 da manhã. Gostaria de conversar com ela um pouco. Não prometo nada, OK?! Porque se ela não tiver todos os requisitos que procuro, não vai ser por ser sua filha que vou contratar ela. Gosto muito do Senhor, mas preciso de alguém que supra minhas necessidades profissionais e não vou ser boazinha com ela só por ser sua filha.
_ Hahahaha! Eu entendo Ana! Direta como sempre! Fique tranqüila, Lívia é muito pé no chão e eu vou fazer questão de dizer a ela, que não terá nenhum privilégio por ser minha filha.
No dia seguinte, às 9:50 da manhã, lá estava Lívia sendo anunciada pela Secretária:
_ Dra. Ana, a Srta. Lívia já chegou!
_ Obrigada Lúcia, mande a moça entrar.
A porta se abriu e em seguida um leve perfume cítrico com um pouco de floral fez presença no ambiente. A porta foi fechada e ouvi os passos suaves de Lívia se aproximar. Como sempre faço, estendi a mão para que Lívia se apresentasse antes de dar tempo para que ficasse constrangida pela minha cegueira. Ela a apertou firme, mas com delicadeza, mostrando no toque um pouco do seu jeito de fazer as coisas. Primeira impressão já foi boa!
_ Muito prazer Lívia!
_ O prazer é todo meu, Dra. Ana!
A voz do outro lado era suave, mas levemente rouca...demonstrava uma certa ansiedade...natural...
_ Sou cliente do seu Pai há muitos anos. Ele deve ter falado isso pra você. E deve ter dito também que estou precisando muito de uma Assistente, mas apesar da urgência, não vou selecionar alguém que não se enquadre no que busco. Meu trabalho é levado muitíssimo a sério por mim. Mexo com a vida de muita gente e não posso correr o risco de ter ao meu lado alguém que não tenha a competência necessária para o cargo. Eu pago bem, para alguém que ainda não se formou, mas exijo muito também, inclusive excelentes notas na faculdade. Costumo viajar a trabalho, mas sempre para as cidades vizinhas e nunca mais que um ou dois dias, por isso, não costuma atrapalhar a faculdade.
Tomei um gole de água...do outro lado, não se ouvia nem a respiração da moça...
_ Dois de meus antigos Assistentes, são hoje, meus sócios! Isso mostra que escolho sempre os melhores e se eles aprendem a lição direitinho, são muito bem recompensados. Exijo alguém que dirija, nem preciso dizer porque! O carro é o meu mesmo. Tenho um motorista, o Antonio, que me leva aos lugares, mas quando se trata de negócios, eu prefiro que esteja somente eu e meu Assistente, para temos mais liberdade de conversarmos sobre as causas, sem ferir o sigilo.
Nossa! Parecia que a menina estava morta! Eu não ouvia ela respirar! Só sentia o seu perfume gostoso e nenhum outro ruído além da minha voz. As pessoas costumam dizer interjeições quando falam comigo, do tipo: “hum,hum”, “Sei”, “Entendo”. Ela estava absolutamente muda. Será que desmaiou de nervosismo? Hahahaha.
_ Quero alguém que goste de ler, que esteja sempre disponível quando eu precisar e que acima de tudo seja fiel às nossas causas e a mim, é claro! Bem, depois dessa explanação toda sobre o que busco, vamos às perguntas...primeiro, você tem algum problema em falar em público ou fica embaraçada facilmente? Ainda não ouvi direito a sua voz. Lembre-se que sou cega, não posso ver seu rosto, isso deveria tornar as coisas mais fáceis pra você, não acha?
Nessa hora, ouvi uma risadinha de leve, com um certo tom de ironia...
_ Dra. Ana, com todo respeito que a Sra. como pessoa e como profissional, que admiro muito, merece, eu só estou tendo oportunidade de falar agora. Estava ouvindo com bastante atenção tudo o que a Sra. busca, pois quero demais essa chance e não pretendo deixá-la escapar!
_ Não tenho problema algum em falar, seja em público ou com alguém como a Sra., por exemplo. Gosto do Direito e quero muito aprender pra ser uma profissional brilhante e correta, como ouço dizer que a Sra. é, mas que só vou poder constatar se é verdadeira a afirmação, conhecendo-a melhor.
_ Sei dirigir muito bem. Minhas notas na faculdade estão entre as melhores da turma, posso provar isso. Estudo Direito por vocação. E estou, à partir de agora, a sua disposição, se assim a Sra. quiser.
Tudo foi dito num fôlego só, mas com clareza e segurança. Tenho que confessar que gostei do tom da voz de Lívia, do modo como se dirigiu a mim e como falou na hora em que deveria dizer algo que importasse. Sua voz era firme e educada, mas deixava transparecer uma emoção meio contida. Essas coisas que só apurando bem o sentido, dão pra perceber. Eu estava gostando, mas precisava saber mais:
_ Me diga uma coisa, Lívia... como é sua vida pessoal? Com os colegas de faculdade, família, amigos, namorado...me fale um pouco mais de você...como você acha que essas pessoas te vêem? O que enxergam em você quando te olham?
Fez-se um silêncio profundo! Durou uns 10 segundos, mas pareceu um tempo enorme. Lívia deu um longo suspiro e disse:
_ Eu me faço essa pergunta quase todos os dias! Como será que as pessoas com quem convivo me enxergam? Não sei ao certo. Talvez elas me vejam somente do jeito que deixo transparecer. Às vezes penso, que nem eu ainda me vi direito. As coisas da nossa rotina costumam embaçar muito nossa visão física. Acho que alguém cego como a Sra., talvez veja nas pessoas aquilo que quem usa todos os seus sentidos não consiga ver. É verdade que quando perdemos um sentido os outros 4 ficam mais apurados?
Eu sorri, voltei-me para a direção em que vinha aquela voz boa de se ouvir...
_ Não apenas os outros 4 ficam mais apurados, mas o que chamamos de 6º sentido também se faz presente em muitas situações. Só devemos saber usá-lo e perceber aquilo que ele nos diz...e sabe o que o meu está dizendo agora?
_O que?
_ Que talvez valha a pena fazer uma experiência de três meses com você e ver no que dá. Esse meu sentido é muito apurado e não costuma falhar comigo. Quer começar agora?
Fim do capítulo
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