@mor.com por Carla Gentil
Capítulo 24
Faltava pouco tempo para amanhecer quando Laura finalmente chegou em seu apartamento. Abriu a porta, deu uma olhada para dentro, deixou suas malas no chão, virou-se e fechou a porta. Segurava-se na maçaneta de olhos fechados, com um suspiro dolorido, voltou a encarar sua casa.
Seu refúgio, sempre tão bem vindo, pela primeira vez parecia estranho, apartado dela, era apenas um amontoado de paredes, móveis... Já não tinha alma.
- Merd*! É patético ser melodramática assim! – resmungou ao notar que estava novamente com o rosto úmido. – Chorou a viagem toda feito uma adolescente apaixonada! – esbravejou com sua imagem no espelho do banheiro.
Lavou o rosto e foi para seu quarto. Sua cama estava lá, grande demais, empoeirada demais, vazia demais... Caminhou até ela, sentou-se, tirou a bota e as meias e as jogou pela porta, fazendo careta:
- Credo! Que cheiro de urso! – reclamou esticando os dedos. – Por isto que ela falou que era pra eu passar talco... Será que...?
Assustada apertou a discagem rápida do celular. Mal percebeu que foi atendida já disparou:
- Eu tenho chulé?
- Oi, amor! Também já estou com saudades... Que bom que chegou bem ai!
- Ah... Então...
- Não.
- Ufa! – falou aliviada. – Hum! Tá com saudades, já? – perguntou dengosa.
- Na verdade eu chorei o dia inteiro, jogada na minha cama, abraçando o seu travesseiro. Estou até com o nariz vermelho de tanto ficar cheirando o lençol...
– falou a verdade esperando que o tom de ironia amenizasse o dramalhão.
Laura riu. Sabia que Sam não dava o braço a torcer tão facilmente.
- Você vai tirar uma foto desse nariz vermelho, não vai?
- Ah, vai tomar banho, Laura! Tirar um pouco desse chulé – alfinetou.
- Já vou... Enquanto a gente conversa já tirei toda a roupa, estou entrando no banheiro agora.
Ouviu Sam limpar a garganta.
- Ah é? Conta mais...
***
Depois do banho, Laura voltou ao seu quarto, mas a cama ainda não estava convidativa, sabendo que iria só perder tempo em tentar dormir, se vestiu e foi para cima do prédio, sentou-se na amurada para esperar o dia amanhecer.
Precisava pensar. Avaliar.
Sabia que a balança estava desequilibrada. Mas ainda existia. Esperava que a cada dia sua resolução se mostrasse a mais acertada.
Entretanto, remoía constantemente os últimos anos. Era muita coisa, e coisas importantes, que contrabalanceavam com sua felicidade, o amor que sentia, os olhos verdes que a enlouqueciam e serenavam ao mesmo tempo. Tinha dívidas de gratidão com aquele velhinho encrenqueiro que a apresentara ao mundo. Seu grupo contava com ela.
Foram anos de um trabalho muito árduo. O convívio com a barbárie humana arranhando, rasgando seu coração. Sempre lhe disseram que com o tempo se acostuma...
Mas a miséria não podia ser esquecida, não deveria ser algo normal. Nunca aceitou isto. Trabalhava em condições precárias, respirava o cheiro do infortúnio, se embrenhava entre os relegados não por prêmios e reconhecimento.
Era a inquietude, o desconforto de se imaginar saboreando a vida enquanto milhares de pessoas, tão gente como ela, mal tinham forças de abrir os olhos e sentir o dia, que para seu desespero, chegava tão sem promessas quanto o anterior.
Ela ajudava, fazia diferença, ainda que ínfima, sabia disto. Mas sabia também, que para quem tem as mãos vazias, uma pequena porção de esperança é o que dá força para viver mais um dia.
E então se via prestes a virar as costas... Como a grande maioria das pessoas do mundo, ia buscar a sua própria felicidade, deixando que os semi-sobreviventes das guerras fratricidas lambessem suas próprias feridas.
Entretanto, do outro lado da balança... Do outro lado do oceano, ali, muito ao lado do lugar onde morava sua felicidade, também haviam mãos ressequidas, calejadas, desesperadas, desassistidas, esquecidas...
Laura pensava que o afortunado país onde nasceu, não sofria com o assédio dos terremotos, estava livre das tsunamis e furacões... Mas não da ganância, do desrespeito, da desigualdade, dos valores distorcidos. Também tinha trabalho a ser feito perto do seu lar. Muito.
E eram as trouxas minguadas dos retirantes que colocadas ao lado do brilho verde, no prato da balança, que amansava sua consciência. Isso e a promessa que fizera de continuar ajudando a ONG com pesquisas e busca de recursos.
Estava assim, perdida nos pensamentos, com o olhar fixo no oceano, recebendo distraidamente em seu rosto as primeiras luzes da manhã, quando Lupe a percebeu ali.
****
Nove horas da manhã e o despertador do celular começou a tocar uma música flamenca. As castanholas pareciam ressoar dentro do cérebro, mas Sam riu.
- Até no que ela mexeu! – falou esticando o braço para desligar o aparelho.
Sam rolou um pouco na cama, mas não tinha mais as longas pernas pra ela se enroscar. E também não teria café na cama. Nem namoro no banho, nem... Pulou logo da cama.
Era este o motivo pra acordar cedo, tinha que se ocupar, e muito. Senão aquele mês seria enlouquecedor.
Tomou um banho rápido, se vestiu e pegou seu equipamento. Tinha agendado compromissos para o dia todo, até o final da noite ficaria trabalhando. Ai... Seria um dia a menos para esperar.
Por uma - não tão grande - coincidência, Arthur apareceu com Cássio no parque onde tinha marcado de encontrar sua equipe. Foram os dois conversar com ela. Mas Sam ainda sabia ser dura e fria, e assim logo os dois já estavam entrando no carro novamente, ambos resmungando, meio atordoados com a resposta que levaram mal abriram a boca para espezinhar de Laura.
- Ai, nem é desagradável ser tão malvadinha de vez em quando – Laura comentou sorridente quando Sam contou a história.
Estavam de volta à rotina de web cam, microfones, skype, MSN, sms, e todas as ferramentas que podiam usar.
- Desagradável é você estar conversando comigo lendo outra coisa!
- Quê? Quem? Eu! – ergueu o olhar “inocente” para a cam.
- Ta lendo o quê? Nem adianta disfarçar...
Laura deu um riso amarelo.
- Então... Eu estava lendo antes de você entrar, ai não consegui parar... Versão online do [In]Contadas. Estou quase terminando, gostei de todas, mas to apaixonada mesmo pela tartaruga da couve.
- Laura! Você é tão viciada nisto!
- Eu, não é! Aposto que você também está com a página aberta ai!
- To não! – falou olhando para a tela. Nem era mentira. Não uma muito grande, pelo menos, estava com o livro em mãos.
- Sei! E ficou vermelha, por quê? Como se eu não te conhecesse... Ah! Já sei! Tá lendo “A Cigana”! Aposto! - Sam riu, tinha passado a manhã enfi*da na leitura. – Sabia, eu vi você encomendando os dois livros ao mesmo tempo! Se eu bem me lembro esse romance tem uns roteiros interessantes.
- Roteiro? Tá confundindo com A Camareira, que elas vão pro Uruguai, naquela cidadezinha mais linda do mundo.
- É lindo, né. Mas to falando de sex*.
- Ah, claro... Uma história tão linda como essa, tão vibrante, tão empolgante, claro que você só ia se lembrar de sex*.
- Dos bons! Aquela Inka é inesquecível.
- Para! Você nem pode ficar falando estas coisas... Ai de longe.
- De longe... A gente só fica com a imaginação, lembranças e...
- Tá bom, nem precisa falar tudo, Laura! Sei que não tem nenhuma cigana enlouquecedora por perto, mas sei bem dessa vizinha espanhola boazuda e fofoqueira te rondando... – Sam observou a reação de Laura. – Já?
- Nada! Ela só veio me cumprimentar hoje cedo, não foi nada... E eu nem dei lado pra ela.
- Sei...
- Nem quando ela me mostrou que estava só de camisola por baixo do roupão.
- Laura Sanches! – Sam bateu a mão na mesa. – Eu vou até ai pra deixar esta espanhola de olho roxo!
- Ainda bem que é ela! Sam, você pode ser baixinha, mas é meu amor indomável!
- Não disse o que vou fazer com você!
- Uh! Conta, conta!
- Hum... Quer saber, né! Já que você está neste clima... Lembra “daquele” conto?
- Qual? – pensou e depois arregalou os olhos. - Aquele?
- Isto! Este mesmo...
- NÃO! Nem pense! Tá que você tem bracinhos curtos... Mas NÃO! Eu nem olhei, sai correndo, juro!
- Então está combinado, né! Espanhola de olhos roxos. Laura “aquele” conto.
- CRUEL!
Quando desligaram, Laura ainda tentou ler um pouco, mas não ter dormido por tanto tempo estava cobrando seu preço. Ela estava exausta. Tomou um banho e foi se deitar pensando no quão brava Sam ficaria se ela tivesse contado tudo o que tinha acontecido naquela manhã...
Fim do capítulo
Hojé é aniversário daquele ente poderoso e indomável, da D.I.V.A senhora das direções Wind Rose, autora de Amor Indomável, A Camareira, A Cigana, co-autora de Luas de Marias e de outras obras super maravilhosas e incríveis que ainda não foram publicadas em livros mas que são igualmente fodásticas. Ventania, que você seja muito feliz, que sua fonte de inspiração esteja sempre abundante. E faz mais Edineuza, por favor.
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Zaha
Em: 24/05/2017
Oiee Carla! Tudo bem nessa tarde de quarta- feira?
Já passei raivinha com a Lupe,que mulher....
Lau tb,devia contar,nao é bom esconder coisas tendo uma Lupe na vida,além de fofoqueira,cria intrigas..
Ninguém se acostuma ao sofrimento ou ver outros assim,apenas preferem olhar para o outro lado e fingir que nao existe,acostumar nao seria a palavra,capaz cria capaz para tentar nao sentir,mas no fundo ele sabe que tá aí,rwsolve ocupar su mente com outras coisas ou simplismente olhar pro seu próprio umbigo! É difícil enfrentar as dores e o que sucede ao redor,processar toda essa dor nao é para todos...mas compreendo a capacidade e incapacidade de cada um. As redes sociais para mim deviam ser feitas para visibilizar e fazer refletir as pessoas,que elas vejam o que acontece e que sim podem fazer algo,nao importa que seja pouquinho ou ao menos parar para pensar sobre o que passa ao nosso redor.
Gosto de Wind Rose a esposa de Drieda,escreve bem,li a Camareira,Lua de Marias,me soa familiar,nao sei se li uma parte,de qualquer forma,li histórias dela na época do Abcles.
Parabéns para ela!Que receba energeticamente meus desejos.
Beijos
.
tlm
Em: 18/06/2017
Amor Indomável, A Camareira, A Cigana, co-autora de Luas de Marias!
Ola Carla,poderia me falar onde encontro essas obras,contos?!
Resposta do autor:
Olá! Todos esses já se tornaram livros que vc encontra em www.editoraviraletra.com.br, pode ter mais informações sobre os romances dela no site da Diedra, diedraroiz.com
A Wind tem alguns romances que ainda não foram editados, como Assim falou o Benedito e precisa-se de alguém para cuidar de mim.
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IzaHass
Em: 25/05/2017
Vida longa à Wind Rose! (Bela homenagem). "A Cigana" chegou aqui em casa esta semana... Nada como ter, no formato físico, aquela estória que você adora. Aliás, gostaria de ter essa sensação com @mor.com e, depois, poder enfileirá-lo à minha modesta coleção na estante - a Vira Letra bem que podia resolver essa pendência... #ficadica ;)
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Sem cadastro
Em: 24/05/2017
Oiee Carla! Tudo bem nessa tarde de quarta- feira?
Já passei raivinha com a Lupe,que mulher....
Lau tb,devia contar,nao é bom esconder coisas tendo uma Lupe na vida,além de fofoqueira,cria intrigas..
Ninguém se acostuma ao sofrimento ou ver outros assim,apenas preferem olhar para o outro lado e fingir que nao existe,acostumar nao seria a palavra,capaz cria capaz para tentar nao sentir,mas no fundo ele sabe que tá aí,rwsolve ocupar su mente com outras coisas ou simplismente olhar pro seu próprio umbigo! É difícil enfrentar as dores e o que sucede ao redor,processar toda essa dor nao é para todos...mas compreendo a capacidade e incapacidade de cada um. As redes sociais para mim deviam ser feitas para visibilizar e fazer refletir as pessoas,que elas vejam o que acontece e que sim podem fazer algo,nao importa que seja pouquinho ou ao menos parar para pensar sobre o que passa ao nosso redor.
Gosto de Wind Rose a esposa de Drieda,escreve bem,li a Camareira,Lua de Marias,me soa familiar,nao sei se li uma parte,de qualquer forma,li histórias dela na época do Abcles.
Parabéns para ela!Que receba energeticamente meus desejos.
Beijos
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