Capítulo 28 - Lembranças e Segredos
A dor física de cair e correr um riscos, ou mesmo toda a tensão daquele dia tão alucinante, não se comparavam a dor de ver a mulher da minha vida chorar sem que eu pudesse fazer nada pra ajudá-la, essa sim era uma situação desesperadora. Ter Iara em meus braços com toda a sua fragilidade exposta daquela forma me assustava um pouco. Acredito que nunca havia visto tanta dor em um olhar como vi nos olhos dela naquele momento. A minha menina perecia ter um mundo a parte no qual ela simplesmente mantinha tudo de desagradável escondido, mas o acidente daquela tarde parece ter de alguma forma destruído a o lacre da porta que mantinha esse mundo sobre controle e agora ele estava ali cobrando a sua devida atenção e seu espaço e estava abria caminho em meio a muitas lágrimas.
Imaginei que tentar conversar naquele momento não era o mais correto, ela precisava apenas saber que eu estava ali ao seu lado e que teria todo meu apoio e compreensão e que a hora que precisasse falar eu seria toda ouvidos pra ela. Fiquei ali abraçada sentindo seu corpo tremer com os soluços e suas lágrimas molharem minha pele. Ela parecia uma criança completamente desamparada, não se comparava em nada a mulher forte e prática que esteve ao meu lado durante aquele dia inteiro resolvendo toda a situação. Era incrível o amor que sentia por Iara e conhecer mais um pouco de sua personalidade era algo incrível, tudo que eu descobria a seu respeito fazia com que eu amasse ainda mais.
Fiquei ali deitada aconchegando ela em meus braços e esperando que sua calma retornasse, notei seu choro se acalmando e sua respiração serenar e depois a ouvi ressonando suavemente, ela havia adormecido e apesar de estar preocupada com as razões que a fizeram chorar eu estava tranqüila por ver que de alguma forma eu a havia ajudado a se manter mais calma.
Acordei sentindo seu toque suave sobre meu rosto, abri os olhos encontrei os dela a me observar com tanto amor que me senti lisonjeada por merecer um sentimento como aquele de alguém como Iara. Ficamos ali nos olhando um pouco sentindo apenas os toques em nosso rosto como se estivemos nos conhecendo mais uma vez através do tato das pontas de nossos dedos. Logo seus lábios encontraram os meus em um beijo que ela quase uma carícia, e eu senti uma imensa necessidade de dizer algo que expressasse tudo o que sentia naquele momento.
-Eu te amo!!
Vi seus olhos marejarem e tive medo de que ela voltasse a chorar, eu não a queria ver triste. Mas logo ela me respondeu bem baixinho.
-Eu também amo você, e hoje foi o dia em que senti mais medo em toda minha vida.
-Mas por que tanto medo minha menina?
-Tive medo de te perder. Eu não suportaria perder mais alguém que amo pra esse lugar.
-Como assim amor?
Ela se sentou na cama e vi que ficou tensa, sentei e a abracei por trás tocando meu queixo em seu ombro.
-Amor você não precisa me dizer se não quiser.
Ela respirou fundo e começou a falar e percebi que ela precisava muito daquele desabafo.
Meu pai passou amar esse lugar depois que veio pra cá e conheceu a minha mãe. Ela era índia, mas tinha decidido estudar, pois queria muito poder ajudar a tribo em que nasceu de uma forma mais efetiva, meu pai se apaixonou pela sua força e entusiasmo e pela sua beleza, ela se chamava Jaçanã. Meu pai era rico e acabou usando boa parte de seu dinheiro nessas terras assim se ele fosse o proprietário das terras próximas seria mais fácil manter a reserva protegida.
Depois que eu nasci eles eram a mais pura alegria. Éramos uma família bem feliz e a minha mãe vivia as voltas com seus protestos em defesa das matas e da proteção de seu povo, mas digamos que nem todo mundo achava isso tão bom assim, afinal quando meu pai se tornou dono de tudo isso e acabaram perdendo o direito de explorar os recursos da região, pelo menos em teoria, mas continuavam a explorar de forma clandestina. Mas minha mãe descobriu e conseguiu junto com os índios conseguir provas pra incriminar as pessoas que estavam fazendo isso, mas acabaram descobrindo que a minha mãe sabia e demais de decidiram que seria melhor dar um fim nela.
Eu tinha só dez anos quando vi minha mãe ser brutalmente assassinada. Eu só não tive o mesmo destino por que ela conseguiu me escondeu numa das ocas da tribo e eles estavam com pressa demais pra acabar com ela e nem procuram, mas de onde eu estava podia ver e ouvir tudo o que acontecia e a única coisa que não poderia fazer era salva-la. Vi e ouvi toda brutalidade.
-Bruga imunda, acha que só por que se deita com um doutor é mais que nós.
-Vadia vamos ensinar a você algumas coisinhas!
Vi quando eles rasgaram sua roupa e abusaram dela, depois disso não pude mais olhar fechei meus olhos e queria muito que o mundo acabasse naquele momento, o que me trouxe a realidade foram os sons de tiros. Esperei que eles se afastassem e fui ao encontro dela, eu nem conseguia chorar e nem uma lágrima foi derramada desde aquele dia. Nem mesmo nos vários dias em que fiquei muda. Achei que a dor passaria, mas ela não passou e ficou ainda pior.
Meu pai ficou com medo de que me fizessem mal e me mandou pra casa de meu padrinho, ou seja, além de perder minha mãe, tive que ser afastada de meu pai. Ele continuou nessas terras lutando pelo povo de minha mãe que também era o meu povo, mas pelo qual eu não tinha mais amor algum. Eu jurei que não voltaria aqui e não o fiz até o dia em que dois anos depois tive que voltar e me despedir de meu pai, que morreu teoricamente de forma acidental aqui mesmo em nossa propriedade, mais uma vez eu não chorei, apenas sentia um imenso vazio.
Eu achei que nunca fosse preencher esse vazio até te conhecer e hoje quando te vi ali cheia de sangue achei que fosse passar por tudo novamente, mas dessa vez eu não conseguiria sobreviver e não pude evitar chorar, pois de certa forma você me trouxe de volta a vida e se você não estivesse mais aqui eu não faria mais sentido.
Essa foi a razão pela qual eu abandonei esse lugar, de certa forma foi o amor de meus pais por esse lugar que os levou a morte, e eu vejo em seus olhos o mesmo amor que eu via nos olhos dele e por isso tenho te vigiado dia e noite, por medo desse amor e desse lugar tirarem você de mim.
É incrível como a dor de quem amamos pode nos atingir também de forma tão dura, eu queria demais protegê-la de tudo aquilo, mas tudo já havia acontecido e agora restavam apenas aquelas lembranças tão dolorosas e que ela havia guardado a tanto tempo. Senti que ela voltou a chorar, mas agora era um choro sereno, como se apenas estivesse terminando a limpeza de sua alma. Eu não sabia o que dizer então simplesmente me aconcheguei ainda mais a seu corpo
Ela ficou de frente pra mim e nos abraçamos de forma carinhosa e eu sequei suas lágrimas e beijei suas faces até chegar a seus lábios. Eu entendia a sua dor e queria muito poder ajudar, mas a única coisa que eu podia fazer era amá-la ainda mais.
-Vou ficar bem amor, prometo tomar muito cuidado.
-Obrigada meu amor, e eu farei de tudo pra sempre cuidar de você, pois não vou querer perder meu mundo.
Achei linda a forma como ela se referiu a mim. Ficamos ali abraçadas e deitadinhas juntas em carinhos delicados apenas sentindo a presença confortante uma da outra, adormecemos juntas com a doce certeza de nos amar muito.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]