CapÃtulo 34
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 34
Ao chegar ao estacionamento, Daniela ainda estava tremendo. Destrancou a porta do carro, entrou e ficou sentada, com a cabeça debruçada sobre o volante. Com uma sensação de inutilidade, chorou compulsivamente. O destino foi muito cruel com elas. Passou praticamente uma vida sem a irmã e quando enfim se encontraram, sequer puderam se falar.
-- Dani! -- Paula bateu no vidro do carro -- Posso falar com você?
A loira abaixou o vidro, fitando-a, confusa.
-- Claro! Entra aí -- ela falou, sentada atrás da direção.
Paula mal abriu a porta, se jogou para dentro do carro.
-- Preciso lhe contar algo muito importante -- Paula estava nervosa e ansiosa demais.
Daniela podia sentir a sensação de tensão, apreensão e inquietação em que Paula se encontrava.
-- Fala Paula. Você está me deixando preocupada.
-- É que é tão difícil... -- Paula umedeceu os lábios antes de falar -- O espírito da Débora me procurou pedindo ajuda -- falou de modo brusco.
Daniela permaneceu quieta por alguns segundos, tentando digerir as informações.
-- Você comeu cogumelos mágicos, Paula? -- Daniela ergueu suas sobrancelhas e olhou fixamente para a amiga como se ela fosse louca. Seus olhos brilharam mais verdes ainda.
Roberta estava arrasada, o que raramente acontecia com ela. Sempre foi forte e determinada. Nunca deixou que o desânimo a dominasse.
Ela suspirou cansadamente. Seu olhar se perdeu no passado, as lembranças revividas dolorosamente na memória. Ela se lembrou das palavras do pai, tão insensível e tão preconceituosa naquele dia em Canoinhas.
Debruçou os cotovelos e descansou o queixo em cima deles. As cenas do pai falando alto e jogando suas roupas pela janela do quarto, assombravam-na, se arrastando por todos esses anos.
Ficou em silêncio, nunca pensou em procurar o pai para contar-lhe o que sentia, porém não fugiria mais. Estava se sentindo sufocada e precisava falar com ele. Precisava lhe dizer que apesar de tudo o amava, mas não toleraria atitudes de discriminação.
-- Ele vai ouvir umas boas verdades. Ah, se vai!
Pela janela do apartamento, Roberta via a noite chegar. Quem sabe depois de algumas horas de sono, enfim acordasse, com um coração cheio de discernimento para tomar a decisão correta de autorizar, ou não, o médico a desligar os aparelhos que mantinham Débora viva? Seria a decisão mais difícil e dolorosa de toda a sua vida. Mas tinha que ser tomada.
Ela deitou na cama, olhando para o teto branco, ainda tremia e uma sensação estranha apertava-lhe o peito. Sem saber como, Roberta adormeceu.
Olhando para o relógio de pulso que usava, Matias ficou surpreso ao ver que já passava das vinte horas.
-- Tenho que passar na empresa. Vou buscar alguns documentos importantes que deixei na gaveta da minha mesa -- ele deu uma risada, divertida. Depois, explicou-se: -- Saí de lá praticamente a ponta pé, nem deu tempo de pegar as minhas coisas.
-- Sinto muito Matias. Tudo isso aconteceu por minha causa -- Yasmin apertou a mão dele com toda a força -- Se você não tivesse ficado do meu lado, nada disso teria acontecido.
Matias ergueu-lhe o queixo com os dedos.
-- Eu não fiquei do seu lado apenas porque lhe amo, eu fiquei do seu lado porque era o lado certo -- fez uma pausa longa -- Pedro e minha mãe estão corroídos pela maldade, não posso de forma alguma fechar os olhos para isso. Ficando do lado deles, estaria sendo condizente com tudo isso.
Yasmin ouviu o barulho do motor de um carro parando em frente a casa. Depois de alguns minutos Daniela entrou com o semblante carregado de tristeza. Mas, quando ela falou, sua voz era calma.
-- Boa noite! Tudo bem? -- deu um beijo nos lábios de Yasmin e acariciou sua barriga.
-- Sim meu amor. Estamos bem! E a Débora? Como está?
-- Nada bem -- fez uma pausa -- Os médicos falaram que o quadro clínico dela é irreversível e propuseram que autorizássemos o desligamento dos aparelhos.
Recostado à cadeira e com os olhos fechados, Matias franziu a testa parecendo atormentado com a notícia.
-- Meu Deus! Isso é muito triste.
Yasmin apertou a mão delicada e fria de Daniela entre as suas. Quando falou, transmitiu confiança:
-- Tudo vai dar certo, meu amor. Você vai ver.
Daniela, apenas sorriu, concordando.
-- Temos que ter muita fé nesse momento e fazer uma corrente de pensamentos positivos -- os olhos verdes de Matias iluminaram-se. Era como se, em meio a tantas turbulências, sorrissem.
-- Aquela maluca da Paula me procurou hoje para contar que o espírito da Débora tem lhe visitado com frequência.
-- Logo que conheci a Paula, percebi que ela é meio fora da casinha. Coitada! -- disse Matias.
-- Ela contou o que o espírito da Débora queria? -- indagou Yasmin.
-- Ela disse que não podemos dar a autorização. Disse também que a Débora está ouvindo tudo e pede desesperadamente para que os aparelhos não sejam desligados. Ela nos pede apenas um tempo para voltar.
Yasmin olhou assombrada para Matias, depois se voltou novamente para Daniela.
-- Sei não, mas acho que vocês deveriam escutar ela. Qual o motivo que ela teria para inventar?
-- Acho que ela não está inventando, ela deve estar imaginando -- Daniela sentou-se em frente à Yasmin -- Em meio à tensão e à angústia desse momento, ela deve ter ficado impressionada. Paula é solidária com todos e de uma maneira ou de outra, está tentando ajudar.
-- Vocês já decidiram se vão autorizar?
-- Ainda não, amor. Roberta preferiu esperar até amanhã à noite. Vai ser muito difícil -- sua voz estava abafada pelas lágrimas -- Mas teremos que decidir.
Yasmin lhe segurou as mãos. Depois, seus lábios tocaram os de Daniela. Um beijo com afeto, com um jeito doce de assegurar sua presença e sua cumplicidade em todos os momentos.
Pedro bateu a porta do carro e, olhou para todos os lados para garantir que não estava sendo observado. Ergueu a cabeça e começou a caminhar em direção a casa de muro alto, de cor verde-água e janelas imensas.
-- Senhor Pedro! -- ouviu uma voz masculina -- Por aqui, chefe.
O homem seguiu na frente e abriu a porta para Pedro entrar.
O empresário colocou a bolsa que carregava no chão da sala, enquanto o homem trancava a porta.
-- É uma casa boa, não é chefe?
Pedro lançou-lhe um olhar mal-humorado.
-- Por mim poderia ser um barraco -- o tom de ironia era indisfarçável -- O que quero saber é se tem vizinhos. Os vizinhos normalmente têm uma tendência a se met*r, a tentar se aproximar.
-- Nenhum vizinho. Por isso escolhi essa casa. É um lugar bem deserto -- ele sorriu levemente e em seguida pegou a bolsa que Pedro havia trazido -- São as roupas?
- Sim! As roupas e mais algumas coisas que ela possa precisar -- ele disse com frieza e fez um gesto impaciente -- Agora sossegue e vamos combinar todos os detalhes do nosso plano. Não quero ter que mandar apagar testemunhas.
-- Você não conhece? Rambutan é uma das frutas com a aparência mais estranha. Natural da Indonésia e das Filipinas, seu nome, literalmente, significa "cabeluda". Seu exterior é roxo e cheio de "espinhos". Já seu interior é similar ao de uma lichia. É muito aguada e tem uma enorme semente em seu interior.
Yasmin ficou em silêncio por alguns instantes, olhando para o rosto de Daniela.
-- O que foi Yasmin? Está se sentindo bem? -- perguntou preocupada.
-- Estou com vontade de comer Rambutan, amor -- falou chorosa.
-- Impossível! Você nem sabe como é essa fruta -- olhou-a carinhosamente.
-- Sei sim! Seu exterior é roxo e cheio de "espinhos". Já seu interior é similar ao de uma lichia. É muito aguada e tem uma enorme semente em seu interior -- a boca de Yasmin salivou e ela engoliu rapidamente -- Não sei o que é uma lichia, mas deve ser deliciosa -- fechou os olhos já imaginando o sabor.
-- Eu e minha boca grande! -- Daniela suspirou pesado, esfregou as mãos nos olhos e se levantou num pulo -- Você sabe que essa frutinha vai me fazer andar a madrugada toda né?
-- Mas é por uma boa causa, amor. A culpa será sua se nossas crianças nascerem com a cara roxa e cheia de "espinhos".
-- Chantagista! -- falou sorrindo.
Yasmin beijou sobre a pequena covinha na bochecha esquerda de Daniela.
-- Você é um anjo! Não vejo a hora de comer umas dez Rambutan.
Daniela entrou no carro, pisando com força no acelerador, saiu dali.
Matias parou na guarita da empresa, cheio de apreensão prevendo um bombardeio de perguntas por parte do segurança.
Olhou ao redor, desconfiado, como se esperasse pelo pior. Estranhamente o segurança aproximou-se todo sorridente.
-- Boa noite! O que deseja? -- o rapaz de cabelos negros e densos se aproximou do carro. Não tinha um rosto bonito, mas era forte e muito simpático. O paletó caía-lhe como uma luva.
-- Boa noite. Você é novo aqui? -- perguntou olhando para as pernas longas e musculosas do segurança.
-- Meu nome é Joel. Comecei ontem na Vargas, senhor.
Matias soltou um suspiro de contentamento. Que sorte! Pensou. O antigo segurança com certeza lhe expulsaria sem dar a chance de abrir a boca.
-- Jura? Que maravilha! -- sorriu entregando o documento de identificação para ele -- Meu nome é Matias Vargas. Sou diretor do setor de pesquisas.
O segurança ergueu a cabeça, franzindo a testa.
-- Nunca vi o senhor por aqui -- Joel olhou para Matias, desconfiado.
-- Eu estava viajando... Mas não tenho nada que ficar dando justificativas a você -- falou irritado, fingindo estar ofendido -- Abre logo essa porcaria antes que eu mande lhe demitir -- falou grosso.
O segurança passou as mãos sobre os fios de cabelos rebeldes, deixando-os em completo desalinho.
-- Desculpe-me senhor Matias -- apertou um botão e levantou a cancela -- Pode entrar.
Matias mal aguardou que ela abrisse por completo. Entrou como um furacão no pátio da empresa e deixou o carro no estacionamento reservado aos diretores.
Roberta estava mergulhada em um sono profundo e despertou assustada quando ouviu o toque insistente do celular, e o atendeu.
-- Alô -- murmurou ainda meio adormecida.
-- Alô, quem fala é o doutor Müller -- ele explicou, com a voz trêmula.
Roberta deu um pulo da cama e atirou longe os lençóis, ficando de pé.
-- Doutor Müller? O que aconteceu com a Débora? Que horas são?
-- Três da madrugada -- resmungou o doutor -- Calma! Por favor, não se desespere. É que aconteceu algo muito estranho. Preciso que você e sua irmã venham para o hospital agora mesmo.
-- Sim! Claro! Vamos agora mesmo -- disse segurando o telefone com força -- Nós iremos imediatamente.
Roberta cumpriu o que prometera ao médico, e em meia hora estava no hospital. Ligou para Daniela, mas ela não atendeu. Então ligou para Yasmin que contou que a sobrinha havia saído para comprar Rambutan.
-- Sua irmã não veio? -- ele estava pálido, chateado com alguma coisa.
-- Não consegui falar com ela.
-- Está certo, mas tente mais tarde -- passou os dedos pelos cabelos revoltos, antes de começar a falar -- Não sei nem como começar. É algo tão inusitado, nunca soube de outro caso igual a esse.
-- Fala logo doutor! -- Roberta pediu já sem paciência.
-- A Débora sumiu! -- Müller falou receoso.
-- Como assim sumiu? -- indagou quase histérica.
-- A enfermeira entrou no quarto e ela não estava mais lá... Simplesmente sumiu.
Roberta deu um longo suspiro e caiu sentada na cadeira.
-- Como pode alguém em coma desaparecer sem ninguém ver? Que hospital é esse que permite isso? -- a veterinária estava indignada -- Quanta negligência!
Doutor Müller estava aflito e confuso. Não sabia o que dizer.
-- A senhorita tem toda razão. Prometo que o hospital vai tomar todas às providências para trazer sua sobrinha de volta o mais rápido possível.
Daniela saiu do carro com uma bolsa plástica na mão. Quando abriu a porta da casa, deu de cara com Yasmin sentada no sofá.
-- Que demora! -- pegou a bolsa da mão da Daniela e foi para a cozinha -- Estava quase convulsionando -- jogou as frutas na pia e começou a lavar.
- Demorei porque só encontrei no Mercado Municipal.
Yasmin estava concentrada em cortar a casca sem furar a fruta.
-- Que coisa difícil de abrir -- reclamou.
Daniela pegou uma frutinha e começou a abrir.
-- Eu estava lá no mercado e o vendedor falou: "Tofu senhorita?" E eu respondi: "É, amigo, não tá fácil pra ninguém... tofu também!".
-- Tofu é uma espécie de queijo coalho, Dani.
-- Eu sei amor. Só estava brincando -- fez um trejeito engraçado -- Olha amor. Aprende com essa matuta aqui. Primeiro coloca uma faca afiada no meio da fruta, como se fosse cortar na metade; depois corta suavemente, separando a casca coriácea e com crista sem furar a fruta. É possível rasgar a casca com a unha do polegar, ou até mesmo morder para fazer uma fenda. A crista é macia e não faz mal, mas a casca não é comestível e tem gosto amargo. Agora tira um dos lados da casca da fruta, como se estivesse abrindo uma tampa com dobradiça. Aperta a pele que restou sem fazer força para soltar a parte comestível na mão. No meio tem uma semente que não é comestível -- Daniela entregou para ela comer.
Yasmin deu mordidinhas em volta da semente para evitar mordê-las, pois são extremamente amargas.
-- Então? Gostou?
-- Muito! É doce e suculento. Descasca para mim, vou comer todas.
-- Credo que mulher gulosa que arrumei. Você é tão gulosa que só para de comer quando sente na boca algo crocante, ou seja, o prato!
-- Que piada horrível Dani.
-- Ultimamente tenho me superado, né amor?
Ouviram duas batidinhas na porta e Yasmin se levantou para atender.
-- Bom dia, amigas! -- Bianca entrou na sala andando rápido deixando Yasmin parada na porta de boca aberta -- Desculpem-me pela hora, mas ontem à noite foi difícil de dormir, rolei pra um lado, rolei para outro, só fui dormir depois da quinta rolada -- sentou-se ao lado de Daniela no sofá e cruzou as pernas -- Tem café?
-- Não! Só Rambutan. Quer uma? -- Daniela ofereceu e ela fez uma careta exagerada.
-- Nunca comeria essa coisa cabeluda.
-- A Yasmin já comeu umas dez.
-- A Yasmin come qualquer coisa.
Daniela olhou para ela de cara feia.
-- Desculpa! Não foi por maldade -- falou -- Sempre lhe achei muito linda, parece um boleto pago.
-- Cara, você é muito chata! O que veio fazer aqui tão cedo?
-- Vim para irmos juntas para a faculdade. Você sabe quanto vale um amigo, Dani?
-- Não sei. Os que tenho, eu ganhei... Mas se pagarem bem eu vendo tudo!
-- Será que vocês duas poderiam dar um tempo? -- Yasmin falou irritada -- Estava tão entusiasmada com as frutinhas, que acabei me esquecendo de lhe avisar que a Roberta telefonou querendo falar contigo. Ela não quis adiantar o assunto, mas parecia bem nervosa.
-- Deve ser algo com a Débora -- disse Daniela demonstrando preocupação.
-- Porque não passamos no hospital antes de irmos para a faculdade? Ainda temos tempo antes da apresentação para a banca examinadora -- Bianca se levantou e esticou os braços para se espreguiçar.
-- Então vamos! Não vou conseguir fazer a minha apresentação tranquila sem antes ver a Débora.
Assim que o carro que Daniela guiava passou pelo portão da fazenda, um homem saiu do meio do matagal. Andava com cuidado, até que, por fim, parou na beirada da estrada observando o carro que já ia longe levantando uma cortina de poeira.
Avançou alguns passos vacilantes e se encostou à cerca de madeira.
Sem poder evitar uma sensação de contentamento, contemplou a sua volta com a respiração ofegante.
Sacou o celular do bolso, discou e aguardou ser atendido.
-- Bom dia chefe. Enfim chegou o momento -- deu uma risadinha -- Caminho livre.
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Fim do capítulo
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cidinhamanu
Em: 11/12/2017
No Review
Mille
Em: 06/12/2016
Ola Vandinha
Sumiço da Débora tem dedo da Paula nessa história, também ninguém acreditou nela, so a Yasmim mais a Dani cortou logo.
Pedro está a um passo de manter a Yasmim presa, e acho que ele só vai soltar depois que os bebês nasçam, e espero que nesse tempo todo Pedro caia ou a Dani encontre e os salve.
Bjus e até o próximo
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