CapÃtulo 31
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 31
Primeiro a luz banhou a sala com um brilho quente, depois uma fumaça branca tomou conta do espaço.
-- Socorro! Incêndio! Corram todos!
O alarme de incêndio disparou; as pessoas gritavam. Era um pandemônio.
A correria foi geral em direção à porta que a essa altura já estava entupida. Todos queriam passar ao mesmo tempo.
Um engraçadinho puxa-saco berrou no meio da confusão:
-- Me ajudem! Vamos levar o caixão junto!
Mas Daniela, de passagem, tratou de dar um mata leão no cara e ele caiu como um saco de batatas no chão.
-- Ele já está morto. Quero mais é me salvar... -- outro berrou e saiu correndo com uma expressão de pânico no rosto.
-- Primeiro as crianças e as mu... Uiiiiii...
-- O cara está sendo pisoteado -- Bianca falou assustada com a violência -- Vamos fazer alguma coisa, Dani.
-- Eu não! Quem manda ficar na passagem de boca aberta.
-- Credo, Dani.
-- Tá bom! Tá bom! Vamos jogar ele para o lado.
Do lado de fora os amigos esperavam pelo sinal para entrar.
-- Que tumulto! O que estará acontecendo lá dentro? -- Matias saiu do carro, se virou para a direção de onde vinham os gritos e avistou Lavínia correndo ao seu encontro.
-- Meu Deus, Matias. A capela está pegando fogo -- ela falou quase sem fôlego -- Muita fumaça, muita gente desmaiando. Um horror.
-- Acho que já podemos entrar -- Roberta também saiu do carro, beijou Lavínia na boca e fez um gesto chamando Matias e Vinicius -- Vamos antes que aquelas duas malucas causem uma catástrofe.
-- Que malucas? Não estou entendendo... -- Lavínia perguntou ainda assustada com a confusão.
-- Depois te explico, agora temos que entrar -- Roberta a puxou pelo braço.
A sala do velório ficou completamente vazia. Lá dentro, Daniela estava do lado do caixão. Não chorava, mas estava pálida. Bianca estava ao lado dela, com o braço sobre o seu ombro.
Matias parou do outro lado do caixão. A expressão dele era de sofrimento, e lágrimas corria por seu rosto.
-- A morte é a única certeza que temos garantida na vida. No entanto, quando nos atinge, ela pode nos atingir como se estivéssemos sendo levados por um tsunami. Não posso dizer que ele foi um dos meus melhores amigos, mas ele por um bom tempo fez parte da minha vida de uma maneira legal. Tenho memórias incríveis da infância que passamos juntos.
Daniela preferiu fazer uma oração em silêncio e se afastar. Com Luiz e Pedro tinha tão somente o mesmo sangue herdado do pai. Irmão era bem mais que isso. Era aprender a amar quem, por alguma razão, estará sempre ao teu lado, é uma ligação que vai muito além de sobrenomes iguais e sangue do mesmo sangue.
-- Vem cá, agora! -- Roberta puxou Daniela pela orelha.
-- Aiiiiii... Pára! -- berrou de dor.
-- Precisava tudo isso? Precisava esse cenário de guerra?
-- Eu falei pra ela usar bomba de gás lacrimogênio -- disse Bianca -- Ela que não aceitou. Teríamos evitado todas essas pessoas asfixiadas.
-- E teríamos cegado umas vinte, sua Kinkim Alagoana -- Daniela se virou para onde estava o irmão e falou com as mãos sobre o coração: fiz tudo isso pelo Matias. Olha a carinha dele de felicidade.
Roberta olhou para Matias que se debulhava a chorar.
-- Ele não está feliz, muito pelo contrário.
-- Ele está feliz por dentro -- Daniela deu de ombros, virando o rosto para o lado -- Ihhh... Lascou. Lá vem o Johnny Bravo.
-- O que significa isso? -- Pedro perguntou, fechando os punhos -- Fora daqui! Agora!
-- Tenta tirar a gente daqui -- Daniela cruzou os braços e enfrentou o olhar furioso de Pedro com um sorriso debochado -- Vai, tenta.
Diante do sarcasmo de Daniela, Pedro ficou rubro de raiva.
-- Não me provoque sua pirralha. Saia daqui e leve contigo esse bando de anormais.
-- O que você fará se não sairmos? Vai nos tirar a força?
Os rostos ficaram a centímetros de distância. Olhos verdes se encarando.
-- Não provoque.
-- Não tenho medo de você, Pedro.
-- Pare com isso Pedro -- Anita exclamou diante da discursão dos dois -- Já deve estar na hora. Vamos logo acabar com esse circo.
-- A senhora tem razão -- ele respondeu num tom seco e distante -- Não vamos perder mais tempo. Não quero estar no mesmo lugar que essa gente.
Ele pegou a mão dela e colocou-a gentilmente sob o próprio braço, levando-a para próximo do caixão.
Daniela permaneceu imóvel, observando-os atravessar o salão sombrio e gélido da capela.
Anita continuou ao lado do caixão quando funcionários da funerária chegaram e ergueram o caixão, começando a levá-lo dali. As pessoas os seguiram, até o salão da capela, ficar completamente vazio.
De longe, os amigos assistiam o caixão desaparecer na caixa de concreto do mausoléu da família Vargas.
Aos pouco as pessoas foram embora.
-- Vamos embora, mãe -- Pedro a puxou pelo braço até o carro e foram embora.
Matias levantou-se de onde estava sentado e se aproximou de Daniela, o bastante para sentir o cheirinho gostoso que exalava do cabelo loiro dela.
-- Obrigado, Dani. Obrigado por ter vindo comigo, eu não teria conseguido sozinho. A sua presença, assim como de todos os nossos amigos, significou muito para mim.
-- Nós nunca deixaríamos você passar por isso sozinho -- deu um sorriso gentil e perguntou para ele: Você está bem?
-- Estou -- ele sorriu, esperando fazê-la acreditar que realmente estava bem.
-- Agora, beba isso e você se sentirá muito melhor -- Pedro estendeu um copo com Uísque para a mãe.
Anita obedeceu fazendo uma careta quando o líquido passou pela garganta. Ela sentiu o efeito imediatamente, uma sensação calmante tomou o seu corpo. De modo impulsivo, inclinou-se para trás e encostou a cabeça confortavelmente.
Pedro estava muito carinhoso ultimamente. Vinha cuidando dela com um zelo exemplar. Anita ficou observando a figura alta e loira preparar uma bebida e sentar-se no sofá à sua frente.
Por alguma razão, um estranho tremor a percorreu, mas ela o ignorou e voltou-se para Pedro.
-- O que está tramando Pedro?
-- Porque a pergunta?
-- Você é meu filho. Conheço-lhe como a palma da minha mão.
-- A senhora em algum momento pensou que eu se esqueceria de tudo o que aquelas duas fizeram para mim? -- tomou um gole de sua bebida antes de continuar a falar -- Vou procurar a Yasmin e a farei pagar da pior maneira possível.
-- Cuidado Pedro. Não se esqueça do investigador Gaule.
-- A polícia nunca foi problema para nós. Não será agora -- deu um pequeno sorrisinho -- Com licença mãe. Preciso separar alguns documentos da empresa. O advogado vem buscar pela manhã.
Decidido, com passos firmes, atravessou o corredor estreito na direção do escritório.
Bianca tocou no ombro de Daniela.
-- Cara, você foi demais. Encarou o Pedrão de igual pra igual.
-- O que faria se ele partisse pra cima de você querendo briga? -- perguntou Roberta.
-- Quando eu entro numa briga, meu lema é: ou mato ou morro. Se der pra fugir pelo mato eu vou, se não der... Vou pelo morro.
Roberta balançou a cabeça com veemência, parecia aflita.
-- E você ainda brinca Dani? O Pedro é um mau caráter e não leva desaforo pra casa.
-- Mas ele levou -- Daniela falou com ironia e levou um peteleco na cabeça -- Uiiiiii... Como você é grossa.
-- Isso foi só para lhe lembrar de me tratar com mais respeito.
-- Eu, hein! -- Daniela jogou-se no sofá.
-- Que fase hein, Dani? Apanhando até da tia solteirona -- Bianca falou, mas logo se arrependeu -- Desculpa, não imaginei que meus pensamentos saíssem tão alto.
Roberta a fuzilou com o olhar.
-- Fique sabendo que tudo que faço é por amor.
-- Quando uma pessoa te ama de verdade, ela deposita todos os dias, mil reais na sua conta corrente. Isso sim é amor -- Bianca falou e se encolheu no sofá.
-- Daninha! -- Matias entrou na sala com um prato de batata frita na mão -- Precisamos conversar sobre o testamento.
-- Não quero nem saber disso -- Daniela falou irritada -- Não quero nada dessa família. Esse dinheiro é banhado com o sangue dos agricultores de Canoinhas... Com o sangue do meu pai. Não quero nem ouvir falar nesse negócio de testamento.
Lavínia e Yasmin chegaram da cozinha e ouviram a resposta de Daniela.
-- Eu não concordo com você Dani -- disse Lavínia colocando um prato de petisco sobre a mesa -- Assumir a Vargas seria uma forma de recuperar um pouco da dignidade que foi arrancado daquela gente.
-- Também acho Dani -- Yasmin acariciou as bochechas de Daniela com o polegar -- Seria uma bela lição para o Pedro.
Daniela se esticou, pegou-a pela cintura e puxou-a para o sofá perto dela.
-- Não adianta. Não vou mudar de ideia -- ela beijou Yasmin suavemente na boca.
-- Mas Dani...
-- Por favor, Yasmin, não insista -- ela respondeu, calmamente. Entretanto, Daniela não estava calma por dentro -- Quanto mais longe ficarmos do Pedro melhor.
-- Você disse que não tinha medo do Pedro. Pensei que...
-- Lavínia! -- Roberta chamou a atenção da namorada -- Vamos respeitar a opinião da Dani. Se ela não quer a herança, assim será.
-- Droga! Pensei que finalmente revolucionaríamos a Vargas S.A. -- A voz de Matias era baixa, muito contida, e não escondia a decepção -- Com a morte do Luiz, Pedro vai assumir a Presidência. Que Deus nos proteja.
-- Vamos comer. Estou varada de fome -- disse Bianca se levantando.
Roberta pegou o casaco e a bolsa que estavam sobre o sofá e caminhou até a porta.
-- Vou retornar ao hospital. Mesmo não podendo entrar na UTI, vou ficar por lá aguardando alguma novidade. Alguém vem comigo?
-- Eu vou -- Lavínia deu um gole grande na bebida e se levantou.
-- Eu também gostaria de ir com você, mas hoje temos consulta agendada com o ginecologista obstetra -- Daniela saiu caminhando até a cozinha.
-- Que legal Dani. Posso ir junto? -- Matias deu um pulo do sofá e foi atrás dela.
-- Eu também quero ir -- Bianca seguiu os dois.
-- Não! -- ela falou em voz alta -- Vamos a uma consulta e não a uma excursão ao Beto Carrero.
-- Mas Dani, é o meu sobrinho que está alí naquela barriga -- Matias quase esperneou.
-- Não!
-- Eu sou sua parça, né Dani. Mereço estar presente -- Bianca empurrou Matias e ficou de frente para Daniela.
-- Não!
Mais tarde no consultório...
-- Só faltou a gente alugar um ônibus para trazer todos os funcionários da fazenda.
-- Deixa de ser exagerada Dani -- Yasmin tirou os óculos do rosto e colocou no topo da cabeça -- Por causa dessa discursão de vão ou não vão, estou atrasada para a consulta -- olhou no relógio e saiu do carro caminhando em direção à entrada do consultório.
-- Calma princesa. Ainda estamos na hora -- Daniela caminhou em passos largos atrás dela -- Viu o que vocês fizeram?
-- Nós não fizemos nada. Foi você quem nos expulsou umas cinco vezes de dentro do carro -- Bianca abriu a boca para continuar a falar, mas Yasmin falou antes.
-- Chega! -- falou irritada -- Dani preenche a ficha para mim. Pega o meu documento.
-- Claro amor. Fica sentadinha aqui na cadeira.
Daniela entregou o documento para a recepcionista.
-- Boa tarde! Temos uma consulta agendada.
-- Boa tarde! Hum... Vejamos... Yasmin Vargas... Qual o nome do pai?
-- Pedro Vargas -- Matias se antecipou.
Daniela lançou um olhar tão gelado que Matias estremeceu.
-- Des... Desculpa... -- gaguejou e deu um sorrisinho sem jeito.
-- Sorria enquanto você ainda tem dentes, porque depois que eu met*r a mão na sua cara, vão sumir todos de uma vez. Experimente repetir isso.
-- Credo! Que Bagaceira! -- Matias se virou e saiu.
-- Por favor, preciso saber o nome do pai -- a recepcionista repetiu.
-- São duas mães. Daniela Pauly e Yasmin Vargas -- respondeu Daniela, toda orgulhosa.
A recepcionista olhou para ela, surpreendida, como se não conseguisse acreditar o que acabara de ouvir.
-- Duas mães?
-- É isso mesmo. Preenche logo essa ficha que estamos muito ansiosas.
-- Calma. Você é uma pessoa muito estressadinha -- a recepcionista apoiou o queixo nas mãos sem tirar os olhos dela.
-- Você tem razão. Dê-me um frasco de álcool.
-- Álcool pra que? -- a moça perguntou com surpresa.
-- É assim que me desestresso. Primeiro jogo álcool, depois taco fogo.
A garota ficou aterrorizada.
Bianca encostou-se ao balcão e apoiou os cotovelos sobre o tampo.
-- Será que vocês terminam de preencher a ficha antes do nascimento do bebê?
-- Duas batidas de coração -- disse o médico, virando a tela e apontando as imagens -- Gêmeos.
As pernas de Daniela bambearam e ela quase caiu. Apoiou-se na parede e respirou fundo.
-- Gêmeos?
O médico desligou o aparelho e olhou pra elas.
-- Sim gêmeos. Parabéns, mamães.
Daniela desmaiou.
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Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
cidinhamanu
Em: 11/12/2017
No Review
patty-321
Em: 24/11/2016
Essa Dani. Enfrenta o Pedro e desmaia ao saber q yasmin terá gêmeos e ela é tia biológica deles, agora q me tokei. O q será q Pedro tá armando? Medo. Bj
Resposta do autor:
Olá Patty
Pedro não deixará por menos. Ele vai atrás da Yasmin.
Beijão garota. Até.
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rhina
Em: 23/11/2016
Olá.
Este capítulo está hilários......amei.
Que bom que mantêm o humor e nos presenteia com ele. Cada uma.....Morro de rir as vezes Mato também.
Parabéns. ....
Beijos.
Rhina
Resposta do autor:
Oi Rhina.
O bom humor sempre tem que fazer parte da nossa vida. Rir cura males, pode botar fé.
Beijão garota. Até.
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Mille
Em: 23/11/2016
Oi Vandinha
Fiquei com medo na hora que a Dani e Pedro duelando, estou desconfiada que o Pedro está aprontando mais coisa fora querem tirar a Yasmim da Daniela, será que ele quer ver a mãe na cidade dos pés juntos??? (Momento curiosa)
Gêmeos que alegria para as duas, que venham com saúde e o coração repleto de bondade.
Uma pergunta: Pedro como pai pode tirar os filhos da Yasmim, mesmo comprovado que ele a agride??? Ah outra pergunta curiosidade: Elas podem registar o filho no nome delas??
Bjus e até o próximo
Resposta do autor:
Olá minha querida, respondendo às suas perguntas:
1- A presidente Dilma Rousseff sancionou o projeto de lei que altera o Código Civil e torna a guarda compartilhada regra no país, mesmo se não houver acordo entre os pais. Hoje, a guarda compartilhada é uma opção. Com a nova lei, a possibilidade passa a ser a regra, que será descartada apenas em casos excepcionais.No caso de Yasmin, a agressão seria usada a seu favor, mas caberia ao juiz decidir.
2- Se elas fizerem o registro da criança, o Pedro pode entrar com ação de investigação de paternidade, fazer o DNA e pedir a mudança da paternidade no registro de nascimento da criança. É o direito dele.
Respondido? Se não, estou à disposição, Mille.
Você me deu uma boa ideia. Vou incluir esse tema na história.
Beijão garota. Até.
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