CapÃtulo 6
Entre Lambidas e Mordidas -- Capítulo 6
Na mansão dos Vargas
Yasmin sentou-se na enorme poltrona de frente para Anita. A sogra estava de cabeça baixa concentrada na leitura de um livro.
Pigarreou para chamar a atenção.
-- Pode falar Yasmin -- Anita falou sem tirar os olhos do livro -- Não fique de rodeios.
Yasmin estava receosa, mas, mesmo assim, perguntou:
-- Como aconteceu a morte do senhor Luiz?
Anita levantou rapidamente a cabeça.
-- Porque essa pergunta agora? -- falou com rispidez.
-- Ouvi uma conversa entre dois funcionários e o que eles falavam me deixou muito assustada. É uma história bem diferente daquela que o Pedro me contou.
Anita permaneceu em silêncio por um longo tempo. Até responder à nora.
-- Você deveria acreditar tão somente no que seu marido lhe contou e deixar de lado esses papos de chão de fábrica.
-- Mas...
-- Yasmin, estou falando isso para o seu próprio bem -- a sogra a fuzilou com os olhos -- Assunto encerrado.
Anita era considerada uma grande dama, conservadora, religiosa e bem-comportada. Uma das mulheres mais poderosas do Brasil. Aos 72 anos, possuía uma herança avaliada, em dinheiro atual, em aproximadamente dois bilhões de reais. E também uma memória controversa. Até os dias de hoje, circulam inúmeras histórias sobre a grande senhora.
Anita Alves Vargas nasceu em Uberaba cidade do interior do estado de Minas Gerais. Quando jovem transferiu-se com a família de Uberaba para São Paulo. Foi lá que Anita conheceu Luiz Carlos Vargas, com quem se casaria. Com a ida de Luiz Carlos e os filhos para Canoinhas, Anita assumiu a gerência geral da empresa matriz.
Este é um período bastante controverso da vida de Anita, sobretudo pelos seus negócios escusos que lhe renderam a fama de intransigente, violenta e desonesta.
Com a morte do marido, Anita começa a construir, de fato, a sua fama. Desde então as versões sobre sua conduta moral e sexu*l* são desencontradas.
A viúva toda poderosa jamais pensou em casar de novo, segundo ela, para mantendo-se fiel à memória do marido, honrando lhe o nome e as tradições. Austera, portava-se como um verdadeiro comandante, não poupando nem os três filhos de sua disciplina quase militar.
Mas existia o lado obscuro da viúva. Os filhos a defendiam dizendo que tudo não passava de fofocas dos invejosos, mas o fato é que algumas histórias que circulavam na época não lisonjeiam sua personalidade. Pela ótica da sociedade da época, tratava-se de uma mulher lasciva e mesmo "depravada".
Daniela passou pela sala correndo e foi para a cozinha tossindo desesperadamente.
-- Socorro! Vou morrer -- abriu a janela e colocou a cabeça para fora.
-- Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare. Menos Dani, bem menos.
Marjorie levantou os braços, indignada.
-- Você sabia que o processo de queima do incenso libera partículas no ar que podem ser inaladas e provocarem reações inflamatórias nos pulmões.
-- Incenso Absinto: favorece a clarividência, assim como é útil em assuntos amorosos. Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare.
-- Isso me parece bom -- Daniela gostou.
-- Não cai nessa Dani. A fumaça resultante do incenso é mais tóxica que o cigarro em três aspectos: ela é mais mutagênica, ou seja, suas propriedades químicas podem causar mutações genéticas no DNA; ela também é mais citotóxica e genotóxica, causando maiores danos às células, sobretudo ao material genético. Todas essas toxinas estão relacionadas ao desenvolvimento de câncer.
-- Incenso Canela: favorece as forças que ajudam em questões financeiras. Hare krishna/Hare Krishna/Krishna krishna/Hare hare/Hare rama/Rama rama/Hare hare.
-- Isso muito me interessa.
-- Dani, não se deixe contaminar pela química da ganância do capitalismo religioso. O capitalismo não se cansa de oprimir, sinto, um novo tempo está pra surgir.
Lavínia entrou na cozinha e foi direto ao armário.
-- Bom dia! Já estão discutindo? -- falou trazendo a garrafa térmica e duas canecas para a mesa.
-- Não, só estamos debatendo a influência da química do incenso na química da ganância no capitalismo religioso -- Daniela pegou uma caneca para si -- Pra mim?
-- Sim -- Lavínia sentou de frente para a garota e lhe serviu o café.
Daniela se levantou e foi até o armário pegar um pote com biscoitos.
-- Esses biscoitos são meus -- Marjorie tomou o pote da mão dela.
-- O capitalismo é a tristeza da fome. Aproximadamente 925 milhões de pessoas no mundo não comem o suficiente.
-- Tá certo, mas só dessa vez -- devolveu o pote -- Compre os seus próprios biscoitos.
-- Dani tem uma boa notícia para você -- Lavínia sorveu o café, depois soprou para esfriá-lo -- Você me falou que gostaria de trabalhar como motogirl, não é mesmo?
Parecia que o anjo da guarda da jovem fazia hora extra. Uma amiga de Lavínia proprietária de uma lanchonete na zona sul, precisava de uma entregadora, o salário oferecido não era lá essas coisas, mas o suficiente para atrair sua atenção.
Convencida de que a vaga de emprego encontrada tinha sido enviada pelo céu, a jovem telefonou e agendou uma entrevista com a proprietária.
-- Você começa amanhã às nove da noite -- Cristina falou abrindo um largo sorriso ao levantar-se de sua cadeira -- E não vá se atrasar. Temos muitas entregas nas sextas.
Tudo parecia se encaixar perfeitamente. Faculdade durante o dia e trabalho à noite. Perfeito.
Daniela tentava arduamente criar alguma distância entre ela e seu passado. Investia em uma nova vida, seus estudos, suas amigas.
As coisas finalmente pareciam estar se acalmando e Daniela não poderia estar mais feliz.
-- Vinia -- Daniela deu duas batidinhas de leve na porta do quarto da farmacêutica -- Está aí?
A porta foi aberta e Lavínia apareceu sorridente.
-- Oi meu anjo. Aconteceu alguma coisa?
-- Na vinda pra cá encontrei um cachorrinho perdido. Perguntei nas redondezas se alguém conhecia o dono, mas ninguém conhecia. Ele não possui chip de identificação eletrônica.
-- E o que você fez? Onde ele está?
-- Lá no meu quarto -- se encostou à porta e colocou as mãos nos bolsos -- Desculpa, sei que não é correto, mas ele é tão parecido com um cachorro que tive na infância...
Lavínia sorriu.
-- Vamos lá, quero conhecer o seu amiguinho.
O empresário mexia-se na cadeira, consultando a folha de papel em sua mão.
-- DROGA! -- Luiz levantou-se irado andando de um lado para o outro da sala, tinha acabado de receber um documento confidencial das mãos do irmão Pedro -- Tudo o que está escrito nesse papel é mentira e eu não vou aceitar de forma alguma -- rasgou o documento em vários pedaços e jogou no lixo.
-- Infelizmente o documento que o advogado me entregou é verdadeiro, e você sabe muito bem disso -- Pedro sentou-se numa das duas cadeiras de couro de frente para a luxuosa mesa que o irmão ocupava como presidente da empresa.
-- Só estamos conseguindo impedir que o testamento seja cumprido, pelo fato de mais ninguém reivindicar a sua parte.
-- Então não devemos nos preocupar já que só eu, você e a mamãe sabem disso. O Matias é uma carta fora do baralho. Se depender dele, esse testamento vai mofar nas mãos do juiz -- sorriu, ficou sério, sorriu outra vez, passou a mão no cabelo e falou com ironia -- E quanto aos outros... Nunca saberão da verdade.
-- Os cães são os melhores amigos do homem, mas o homem é o que do animal? Alguns tratam os animais como simples coisas.
-- Não podemos generalizar Dani -- Lavínia acariciava a cabeça do cachorrinho e ele dormia com o carinho -- A maioria das pessoas ama e cuida dos animais.
-- Porém podemos dizer que os maus-tratos ficam mais evidentes a cada dia.
Lavínia balançou a cabeça redirecionando seu olhar para o animal que dormia encolhido em seu colo.
-- Como ele vai se chamar?
-- Pedra... Pedra dois.
-- Porque Pedra dois? -- perguntou olhando intensamente para a loirinha.
-- Porque o um, morreu há anos -- olhou para o chão e, depois de suspirar, falou baixinho e com enorme tristeza -- Ele era meu companheiro, meu parça querido e sempre será o número um em meu coração.
Lavínia percebeu que Daniela sorriu com vontade de chorar.
-- Quando quiser falar a respeito estarei pronta a ouvir.
Ela concordou com a cabeça e disse num tom de menina mimada.
-- Acho que a Che Guevara do Butantã e a Vara de birinbal não vão aceitar o Pedra dois aqui no apartamento.
--Tudo aqui é decidido no voto. A Bianca aceitaria até um elefante, eu voto sim, você vota sim...
-- Três a dois!
Daniela sorriu, seguido por Lavínia, mas logo ficaram sérias se encarando.
-- Obrigada Vinia, você é um anjo.
Antes de casar-se com Pedro, Yasmin conhecia muito bem a sede de poder que aquela família exercia sobre as pessoas, então desde o princípio deixou bem claro que não era do tipo de mulher submissa ao homem. E esta sua personalidade livre foi o que mais ele amou nela. Casou-se com Pedro Vargas não por ele ser milionário, mas sim pela paixão que o homem demonstrava sentir por ela.
-- Como vai indo a vida de casada? -- o semblante de Matias mostrava toda a sua preocupação com a cunhada.
-- Ainda é cedo para uma avaliação, mas embora minha vida não tenha que girar completamente em torno dele, decidimos casar, queríamos ser as prioridades na vida um do outro. Gostaria que Pedro dividisse comigo as suas grandes decisões, as suas tristezas e alegrias. Gostaria de apoia-lo em todos os momentos.
-- Fofo da sua parte minha Deusa, mas não espere isso de Pedro. Ele é como Luiz, extremamente forte, fechado, rude e insensível.
-- Credo Matito! Desse jeito você me assusta.
Matias olhou para Yasmin com uma expressão indefinida, na qual havia uma sombra de alguma coisa muito terrível.
-- Se tiver que escolher um lado será sempre o seu. Não se esqueça disso.
- Eu sei meu querido -- assentiu ela, com um sorriso que parecia tornar a tarde chuvosa em um dia lindo de verão -- Você é o melhor cunhado do mundo e eu o amo muito. Deveria ter casado com você e não com Pedro.
- Ecaaa... Não exagera minha rainha. Você sabe muito bem que gosto do mesmo que você.
-- Teríamos feito um acordo amigável, oras. Seriamos apenas grandes amigos -- após uma pausa, acrescentou: -- Seria um segredo entre nós.
-- Para mim seria tudo, pensa...
No Butantã.
-- Com a palavra a nobre amiga Bianca.
-- Obrigada cara presidenta, Lavínia. Uma colega nossa, eu não vou citar o nome, aqui do apartamento, falou que se nós aceitarmos o Pedra, ela ao invés de um incenso vai começar a acender quatro incensos. Eu já comprei uma caixa de incenso pra ela. Aroma cocô dos Alpes.
Por causa de Campo Grande, a morena mais linda do Brasil, pela paz de Jerusalém, eu voto sim, ele fica, e quem vota sim coloca a mão pra cima! - Bianca estourou um tubo de serpentina.
-- Um a zero para o sim. Com a palavra nossa nobre companheira Paula.
-- Em primeiro lugar, eu quero dizer que estou constrangida de participar dessa farsa, dessa eleição indireta, conduzida por uma espirita, urgida por uma veterinária conspiradora, apoiada por outra veterinária conspiradora. Eu voto contra a pelarada, contra a imposição e a esquerda desse partido que quer transformar o nosso apartamento em um canil. Durmam com essa! Suas lésbicas florzinhas.
-- Paula, sem ofensas, por favor. Sua vez Marjorie.
-- Eu estou propondo aqui uma CPI...
-- Conclua seu voto, Marjorie.
-- "Presidenta, sinto cheiro das mesmas aves de rapina de 1954, que levaram Getúlio ao suicídio". Pelo Brasil, por todas as cidades de São Paulo, pelo trabalhador desempregado, pela minha família, eu digo ‘O verde do teu mar, oh, Santos! A luz do teu luar, oh, Santos! O brilho do teu sol, oh, Santos', eu voto não, ele não fica.
-- Essa votação é uma farsa Lavínia -- Marjorie empurrou a morena -- Lógico que a Dani e você vão votar no sim.
-- Amor, reconhece a derrota -- Bianca abraçou a namorada, mas ela fugiu do contato cantando.
-- Pátria amada, pátria amada, tua filha Marjorie não foge à luta.
-- Vamos acabar logo com isso. Dani sua vez.
-- Se 342 votos eu tivesse, 342 votos eu daria -- Daniela pegou o Pedra no colo e sentou-se no sofá - Pelo pungente e próspero povo canoinhense... Digo sim.
-- Bem, o placar está dois a dois. A regra permite que o presidente vote, para desempatar o resultado da votação no plenário.
-- Ai... Que suspense -- ironizou Paula.
-- Eu voto pelo sim. O Pedra dois fica. Votação encerrada.
-- Esse é o Brasil! -- Marjorie saiu pisando pesado.
-- Corruptas -- Paula foi atrás delas.
As três caíram na gargalhada.
-- Vou ficar um mês sem sex*, mas valeu a pena. Né Pedroso? -- Bianca pegou o cachorro no colo e apertou contra si.
-- Feliz Dani?
-- Muito, Vinia. Esse Pedra teve mais sorte que o outro.
-- Como foi que ele morreu Dani? -- perguntou inocentemente Bianca.
Daniela engoliu em seco, pegou o cachorrinho no colo e sentou-se no sofá. Lutava com todas as forças contra a sua última lembrança da infância. Lembrança insuportável que machuca e maltrata.
-- Olha pessoal! Tenho uma novidade muito legal -- Lavínia sentiu o clima pesado e mudou de assunto. Levantou-se e rodopiou pela sala numa demonstração de grande euforia -- Consegui uma entrevista de emprego em uma das maiores empresas farmacêuticas do Brasil.
Quando Lavínia disse isso Daniela arregalou os olhos.
-- Você vai deixar a DESPAL?
-- Se eles me contratarem, imagina se não? Trabalhar naquela empresa é o sonho de qualquer farmacêutico.
Daniela respirou fundo antes de lhe perguntar:
-- Como se chama essa empresa?
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
AndreaLopes
Em: 06/08/2016
Vandinha com certeza não vou deixar de a estar acompanhando vou tá por aqui pode crer.
[Faça o login para poder comentar]
Ciely Alves
Em: 06/08/2016
Olá,Vandinha.
Tô adorando essa história que como sempre tem o estilo Vandinha que é o diferencial de outras histórias,já percebi que essa mulherada é louca parece que a única ajuizada é a Lavínia agora o resto são umas doidinhas,gostei do Matias adorei o jeito dele acho que todo mundo tinha que ter um amigo assim que nem ele,rsrsrs...
E a Yasmim acho que vai se arrepender muito de ter casado com o Pedro.Que bom que a Dani encontrou um novo amigo gostei do nome Pedra 2, linda homenagem ao seu amiguinho que morreu anos atrás.
Beijos,até.
[Faça o login para poder comentar]
AndreaLopes
Em: 06/08/2016
Muito bom o capítulo. Gostado muito do desenrolar desse conto. Vou ler os outros seus. São tantos.
Resposta do autor:
Olá AndreaLopes. Tudo bem?
Fico muito feliz em lhe receber por aqui. É sempre um prazer saber a opinião de minhas leitoras.
Comente a vontade, não deixe de expressar a sua opinião, ela é muito importante para mim.
Paz e Luz. Bjs.
[Faça o login para poder comentar]
patty-321
Em: 05/08/2016
O pedra 2. Q fofo. Momento triste pelas lembranças para a Dani. Mistérios no lance do testamento. E LavÃnia vai trabalhar no ninho das cobras. Yasmin não faz ideia de qentrou p famÃlia das cobras.
Resposta do autor:
Olá Patty.
O destino está se encarregando de levar até Daniela as pessoas que tanto mal fizeram a sua familia. Será que a vingança vale a pena?
Beijão. Até.
[Faça o login para poder comentar]
Mille
Em: 05/08/2016
Vandinha você tem crédito, e sei de sua atenção em nos responder.
A história está fantástica e terminando como gostinho de quero mais.
Lavínia parece que vai trabalhar para a farmacêutica da família Vargas, e deve descobrir os podres deles.
E esse papel que os irmãos estão em pose, será que ele diz que a Dani é filha de Luiz e tem uma parte da herança.
Anita desde o princípio fiquei com um olho aberto e o fechado essa é uma cascavel ardilosa e junto com os dois filhos ainda vão colocar terror nos animais.
Bjus e até o próximo e um ótimo final de semana
Resposta do autor:
Olá Mille.
O destino parece querer levar Daniela até essa familia. O que acontecerá quando seus caminhos começarem a se cruzar e ela perceber que nem todo Vargas é ruim?
Quem viver verá. Bjã Mille.
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]